OPINIÃO
Mais mil milhões de despesa. E todos os partidos
aplaudiram
Houve algum político – um só, para amostra – que tenha
considerado o aumento uma insensatez, dado o estado da pirâmide demográfica e o
défice da Segurança Social?
João Miguel
Tavares
19 de Abril de
2023, 20:21
https://www.publico.pt/2023/04/19/opiniao/opiniao/mil-milhoes-despesa-partidos-aplaudiram-2046753
Após meses
horríveis de desgaste político, António Costa apareceu a dar boas notícias: os
pensionistas vão ter um aumento intercalar de 3,57% a partir de Julho. Numa
altura em que já ninguém esperava tal coisa, o Governo anunciou que irá
respeitar a fórmula de cálculo prevista na Lei de Bases da Segurança Social de
2007. Na prática, os pensionistas que ganham abaixo de 5765 euros brutos
mensais (convém dizê-lo: um valor astronómico quando comparado com o salário
médio português) vão receber em 2023 um aumento que varia entre os 8,4%
(pensões mais baixas) e os 7,46% (pensões mais altas).
O trauma da
troika e as consequências que o corte de pensões teve para a popularidade de
Passos Coelho transformaram o pensionista português numa espécie de vaca
sagrada da democracia. O pensionista vota muito, zanga-se muito e não admite
que lhe vão ao bolso. E é por isso que todos os partidos – da esquerda à
direita, incluindo PSD e Iniciativa Liberal – parecem ter achado o aumento uma
excelente ideia, limitando-se a criticar o “truque” de 2022, quando o Governo
ofereceu meia pensão aos reformados para poupar no aumento de 2023.
Não há qualquer
dúvida que em 2022 António Costa se armou em cuco nas explicações (correu-lhe
mal), e que o tal truque contradizia o paleio da viragem da página da
austeridade. Mas, pelo menos, era um truque com algum sentido de
responsabilidade. Já o aumento actual não faz sentido nenhum. Ora, no meio
disto, houve algum político – um só, para amostra – que tenha considerado o
aumento uma insensatez, dado o estado da pirâmide demográfica e o défice da
Segurança Social? Que eu visse, não houve nenhum. Ninguém se manifestou.
Mais. António
Costa afirmou que a tal fórmula de cálculo, criada num tempo em que não existia
inflação, não sofrerá este ano quaisquer alterações – apesar de essas
alterações estarem prometidas há muito, dado o peso desmesurado que a fórmula
coloca nas contas públicas, em função da actual pressão inflacionista. Em
Setembro do ano passado, António Costa recordou, e bem, que em 16 anos a
fórmula só foi aplicada quatro vezes. Mais uma vez, ganharam os pensionistas,
que viram os rendimentos aumentar 14% nesse período, muito acima da inflação
(inexistente) e do crescimento (quase inexistente).
Estamos a falar de aumentos de 18% em dois anos, num
sistema que toda a gente sabe estar à beira da falência
Só que,
entretanto, o mundo mudou. Se as previsões do Banco de Portugal se confirmarem,
e o crescimento em 2023 for de 2% – à boleia dos milhares de milhões do PRR –,
e a inflação se situar nos 5,5%, isso significa que assistiremos no próximo ano
a mais um brutal aumento extraordinário de pensões. Nas reformas mais baixas,
ele poderá atingir os 9% (!). Estamos a falar de aumentos de 18% em dois anos,
num sistema que toda a gente sabe estar à beira da falência. Sim, há inflação.
Mas faz algum sentido o valor das pensões aumentar muito mais do que os
salários de quem está a trabalhar?
O ministro das
Finanças afirmou que o colossal aumento de 2023 vai custar mil milhões de euros
ao Estado. É mais uma despesa permanente, que fica até ao fim dos dias. Com os
aumentos de 2024, passará para dois mil milhões. O Governo diz que tal só é
possível devido aos baixos números de desemprego. Mas o desemprego está a
aumentar. O que acontecerá quando chegar a próxima crise? António Costa tinha
infinitos defeitos, menos um – sabia da importância das contas certas. Com a
necessidade desesperada de o PS sobreviver às europeias de 2024, temo que até
isso ele esteja a perder.
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