quinta-feira, 20 de abril de 2023

Mais mil milhões de despesa. E todos os partidos aplaudiram

 



OPINIÃO

Mais mil milhões de despesa. E todos os partidos aplaudiram

 

Houve algum político – um só, para amostra – que tenha considerado o aumento uma insensatez, dado o estado da pirâmide demográfica e o défice da Segurança Social?

 

João Miguel Tavares

19 de Abril de 2023, 20:21

https://www.publico.pt/2023/04/19/opiniao/opiniao/mil-milhoes-despesa-partidos-aplaudiram-2046753

 

Após meses horríveis de desgaste político, António Costa apareceu a dar boas notícias: os pensionistas vão ter um aumento intercalar de 3,57% a partir de Julho. Numa altura em que já ninguém esperava tal coisa, o Governo anunciou que irá respeitar a fórmula de cálculo prevista na Lei de Bases da Segurança Social de 2007. Na prática, os pensionistas que ganham abaixo de 5765 euros brutos mensais (convém dizê-lo: um valor astronómico quando comparado com o salário médio português) vão receber em 2023 um aumento que varia entre os 8,4% (pensões mais baixas) e os 7,46% (pensões mais altas).

 

O trauma da troika e as consequências que o corte de pensões teve para a popularidade de Passos Coelho transformaram o pensionista português numa espécie de vaca sagrada da democracia. O pensionista vota muito, zanga-se muito e não admite que lhe vão ao bolso. E é por isso que todos os partidos – da esquerda à direita, incluindo PSD e Iniciativa Liberal – parecem ter achado o aumento uma excelente ideia, limitando-se a criticar o “truque” de 2022, quando o Governo ofereceu meia pensão aos reformados para poupar no aumento de 2023.

 

Não há qualquer dúvida que em 2022 António Costa se armou em cuco nas explicações (correu-lhe mal), e que o tal truque contradizia o paleio da viragem da página da austeridade. Mas, pelo menos, era um truque com algum sentido de responsabilidade. Já o aumento actual não faz sentido nenhum. Ora, no meio disto, houve algum político – um só, para amostra – que tenha considerado o aumento uma insensatez, dado o estado da pirâmide demográfica e o défice da Segurança Social? Que eu visse, não houve nenhum. Ninguém se manifestou.

 

Mais. António Costa afirmou que a tal fórmula de cálculo, criada num tempo em que não existia inflação, não sofrerá este ano quaisquer alterações – apesar de essas alterações estarem prometidas há muito, dado o peso desmesurado que a fórmula coloca nas contas públicas, em função da actual pressão inflacionista. Em Setembro do ano passado, António Costa recordou, e bem, que em 16 anos a fórmula só foi aplicada quatro vezes. Mais uma vez, ganharam os pensionistas, que viram os rendimentos aumentar 14% nesse período, muito acima da inflação (inexistente) e do crescimento (quase inexistente).

 

Estamos a falar de aumentos de 18% em dois anos, num sistema que toda a gente sabe estar à beira da falência

 

Só que, entretanto, o mundo mudou. Se as previsões do Banco de Portugal se confirmarem, e o crescimento em 2023 for de 2% – à boleia dos milhares de milhões do PRR –, e a inflação se situar nos 5,5%, isso significa que assistiremos no próximo ano a mais um brutal aumento extraordinário de pensões. Nas reformas mais baixas, ele poderá atingir os 9% (!). Estamos a falar de aumentos de 18% em dois anos, num sistema que toda a gente sabe estar à beira da falência. Sim, há inflação. Mas faz algum sentido o valor das pensões aumentar muito mais do que os salários de quem está a trabalhar?

 

O ministro das Finanças afirmou que o colossal aumento de 2023 vai custar mil milhões de euros ao Estado. É mais uma despesa permanente, que fica até ao fim dos dias. Com os aumentos de 2024, passará para dois mil milhões. O Governo diz que tal só é possível devido aos baixos números de desemprego. Mas o desemprego está a aumentar. O que acontecerá quando chegar a próxima crise? António Costa tinha infinitos defeitos, menos um – sabia da importância das contas certas. Com a necessidade desesperada de o PS sobreviver às europeias de 2024, temo que até isso ele esteja a perder.

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