EDITORIAL
Um segredo incompreensível na história da TAP
Se não houver respostas para a recusa em entregar os
pareceres, podemos afirmar que o Governo está a usar golpes de secretaria para
obstaculizar o escrutínio da Assembleia e o direito à informação
Manuel Carvalho
19 de Abril de
2023, 21:40
https://www.publico.pt/2023/04/19/politica/editorial/segredo-incompreensivel-historia-tap-2046744
O que terão os
pareceres jurídicos que estiveram na base do despedimento da CEO da TAP por
justa causa de tão relevante, sensível ou ameaçador aos interesses do Estado,
ao ponto de o Governo se recusar a enviá-los à Comissão Parlamentar de
Inquérito à tutela política da gestão da companhia? A pergunta torna-se
imperiosa depois da acesa troca de acusações desta quarta-feira entre o PS e o
PSD. Se não houver respostas claras, podemos com legitimidade afirmar que o
Governo está a usar golpes de secretaria para obstaculizar o escrutínio da
Assembleia e o direito à informação dos cidadãos. Não há aqui meio-termo.
Dizer, como diz o
Governo, que os documentos não serão entregues aos deputados porque o
“horizonte temporal do inquérito” vai de 2020 ao final de 2022, não colhe.
Porque se trata de um expediente e um expediente de legitimidade duvidosa: o
despedimento tem, de facto, a data de 6 de Março deste ano, mas teve como causa
actos de gestão praticados no tal “horizonte temporal” da comissão.
Pode-se ainda
discutir sobre se a documentação requerida pelo PSD é ou não pertinente para o
esclarecimento da comissão, mas também aí nada justifica a recusa do Governo.
Saber os fundamentos do despedimento por justa causa de Christine
Ourmières-Wiedener é crucial para se avaliar a qualidade e legalidade da sua
gestão. Constatar que os fundamentos jurídicos são objecto de dúvida fundada é
determinante para se saber se a CEO foi ou não despedida por se ter tornado o
“bode expiatório numa batalha política”, como a própria afirmou.
A única porta de
saída airosa para o Governo neste diferendo, a razão que o pode poupar ao risco
de uma queixa-crime por desobediência qualificada que o PSD reclama, é explicar
com argumentos a sua posição. De dizer que age assim porque, não o fazendo,
coloca em causa interesses públicos incontornáveis. Aí, poderia afirmar que a
estratégia do PSD é “uma arma de arremesso”, como a classificou Eurico
Brilhante Dias. Servindo-se de uma questão formal tão discutível como a das
datas, o PS e o Governo ficam vulneráveis à acusação de que querem esconder a
verdade.
Se uma acusação
desse calibre já é, de si, suficientemente grave para fazer crescer o pântano
do caso TAP, torna-se politicamente ainda mais sensível quando confrontada com
a promessa do primeiro-ministro de que a prioridade é a verdade, “doa a quem
doer”. Seria bom que não se chegasse aí. Tanto como desgastar o Governo, esta
história degrada a democracia. Por uma ou outra razão, o PS e o Governo têm de
evitar o agravamento desta ferida, cada vez mais infecciosa.
Sem comentários:
Enviar um comentário