segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O dia em que vamos dizer adeus a Donald Trump

 



OPINIÃO ELEIÇÕES EUA 2020

O dia em que vamos dizer adeus a Donald Trump

 

Sorria, caro leitor: nem tudo são más notícias neste mundo e o populismo de direita não está fadado para tomar de assalto todas as democracias do planeta.

 

JOÃO MIGUEL TAVARES

3 de Novembro de 2020, 0:00

https://www.publico.pt/2020/11/03/opiniao/opiniao/dia-vamos-dizer-adeus-donald-trump-1937685

 

Pode Donald Trump ganhar as eleições desta terça-feira? Pode, se os eleitores americanos tiverem enlouquecido e as empresas de sondagens falharem de forma ainda mais catastrófica do que em 2016. Nada indica que tal vá acontecer – e tudo indica, pelo contrário, que a vitória de Joe Biden será por números suficientemente expressivos para Trump não ter as menores condições de fazer o seu número do Presidente-vítima-de-um-golpe-nas-urnas, que tem andado a ensaiar nos últimos meses. Portanto, sorria, caro leitor: nem tudo são más notícias neste mundo e o populismo de direita não está fadado para tomar de assalto todas as democracias do planeta.

 

Sim, eu sei que as pessoas que até hoje não compreenderam o fenómeno Trump (ou seja, 55% dos americanos e 95% dos terrestres) estão ainda traumatizadas com os resultados de 2016 e com a derrota de Hillary Clinton. Desde então, Trump ganhou uma aura semi-invencível de xamã político que consegue assassinar gente na Quinta Avenida, em plena luz do dia, sem que tal afecte a sua popularidade. Mas a aura é apenas isso mesmo – uma aura, sem grande correspondência com a realidade palpável, porque Donald Trump nunca foi invencível. Não foi, desde logo, invencível em 2016, quando perdeu o voto popular; não foi invencível em 2018, quando os republicanos perderam o domínio da Câmara dos Representantes; e é até possível que o ex-invencível Trump acabe por provocar o descalabro republicano no senado, oferecendo aos democratas o melhor dos seus sonhos: um Presidente e a maioria nas duas câmaras do Congresso.

 

Se assim for, aquilo que ficará para a História será apenas o que Trump nunca deixou de ser: um Presidente impreparado, um desastre político, um brutamontes incapaz de trabalhar em equipa, um incompetente que falhou catastroficamente quando enfrentou o primeiro teste a sério – uma pandemia insensível à sua retórica cavernícola. Já lá vão 28 anos desde a última vez que um Presidente americano se recandidatou e perdeu as eleições – aconteceu em 1992 com George H. W. Bush, derrotado por Bill Clinton. Portanto, a queda de Donald Trump será sempre um acontecimento explicado pelo seu paupérrimo desempenho no cargo, e por não ser possível, de facto, matar uma pessoa na Quinta Avenida e ficar impune – muito menos deixar morrer 230 mil americanos em oito meses por causa da covid.

 

Perdendo com Joe Biden, o mais banal e terra-a-terra dos presidentes americanos desde a família Bush, aquilo que se demonstra é que Donald Trump só foi eleito em 2016 por causa do ódio da classe blue-collar a Hillary Clinton. Em 2020, os democratas escolheram um homem decente – e isso bastou para virar o jogo. Biden está bastante velho e não entusiasma ninguém, mas é um político com quem o eleitorado se consegue identificar (até pelas origens humildes) e que, pelo seu percurso de vida e pela forma como foi resistindo a uma impressionante acumulação de tragédias pessoais, é impossível de odiar.

 

O segredo de Donald Trump nunca foi ser amado por uma grande fatia do eleitorado – foi ter arranjado em 2016 uma adversária que era profundamente odiada enquanto representante do establishment de Washington, numa altura em que o mantra “drain the swamp” se transformara em grito de guerra. Para muitos americanos, nunca se tratou de opor a candidata decente ao candidato indecente – tratou-se de um confronto entre duas indecências, ainda que de tipo diferente. Desaparecendo a indecência, desaparece Trump.

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