OPINIÃO ELEIÇÕES
EUA 2020
O dia em que vamos dizer adeus a Donald Trump
Sorria, caro leitor: nem tudo são más notícias neste
mundo e o populismo de direita não está fadado para tomar de assalto todas as
democracias do planeta.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
3 de Novembro de
2020, 0:00
https://www.publico.pt/2020/11/03/opiniao/opiniao/dia-vamos-dizer-adeus-donald-trump-1937685
Pode Donald Trump
ganhar as eleições desta terça-feira? Pode, se os eleitores americanos tiverem
enlouquecido e as empresas de sondagens falharem de forma ainda mais
catastrófica do que em 2016. Nada indica que tal vá acontecer – e tudo indica,
pelo contrário, que a vitória de Joe Biden será por números suficientemente
expressivos para Trump não ter as menores condições de fazer o seu número do
Presidente-vítima-de-um-golpe-nas-urnas, que tem andado a ensaiar nos últimos
meses. Portanto, sorria, caro leitor: nem tudo são más notícias neste mundo e o
populismo de direita não está fadado para tomar de assalto todas as democracias
do planeta.
Sim, eu sei que
as pessoas que até hoje não compreenderam o fenómeno Trump (ou seja, 55% dos
americanos e 95% dos terrestres) estão ainda traumatizadas com os resultados de
2016 e com a derrota de Hillary Clinton. Desde então, Trump ganhou uma aura
semi-invencível de xamã político que consegue assassinar gente na Quinta
Avenida, em plena luz do dia, sem que tal afecte a sua popularidade. Mas a aura
é apenas isso mesmo – uma aura, sem grande correspondência com a realidade palpável,
porque Donald Trump nunca foi invencível. Não foi, desde logo, invencível em
2016, quando perdeu o voto popular; não foi invencível em 2018, quando os
republicanos perderam o domínio da Câmara dos Representantes; e é até possível
que o ex-invencível Trump acabe por provocar o descalabro republicano no
senado, oferecendo aos democratas o melhor dos seus sonhos: um Presidente e a
maioria nas duas câmaras do Congresso.
Se assim for,
aquilo que ficará para a História será apenas o que Trump nunca deixou de ser:
um Presidente impreparado, um desastre político, um brutamontes incapaz de
trabalhar em equipa, um incompetente que falhou catastroficamente quando
enfrentou o primeiro teste a sério – uma pandemia insensível à sua retórica
cavernícola. Já lá vão 28 anos desde a última vez que um Presidente americano
se recandidatou e perdeu as eleições – aconteceu em 1992 com George H. W. Bush,
derrotado por Bill Clinton. Portanto, a queda de Donald Trump será sempre um
acontecimento explicado pelo seu paupérrimo desempenho no cargo, e por não ser
possível, de facto, matar uma pessoa na Quinta Avenida e ficar impune – muito
menos deixar morrer 230 mil americanos em oito meses por causa da covid.
Perdendo com Joe
Biden, o mais banal e terra-a-terra dos presidentes americanos desde a família
Bush, aquilo que se demonstra é que Donald Trump só foi eleito em 2016 por
causa do ódio da classe blue-collar a Hillary Clinton. Em 2020, os democratas
escolheram um homem decente – e isso bastou para virar o jogo. Biden está
bastante velho e não entusiasma ninguém, mas é um político com quem o
eleitorado se consegue identificar (até pelas origens humildes) e que, pelo seu
percurso de vida e pela forma como foi resistindo a uma impressionante
acumulação de tragédias pessoais, é impossível de odiar.
O segredo de
Donald Trump nunca foi ser amado por uma grande fatia do eleitorado – foi ter
arranjado em 2016 uma adversária que era profundamente odiada enquanto
representante do establishment de Washington, numa altura em que o mantra
“drain the swamp” se transformara em grito de guerra. Para muitos americanos,
nunca se tratou de opor a candidata decente ao candidato indecente – tratou-se
de um confronto entre duas indecências, ainda que de tipo diferente. Desaparecendo
a indecência, desaparece Trump.
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