segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Infra-estruturas de Portugal também chumba novo “palácio” de Berardo por estar em cima da estrada nacional

 



AMBIENTE

Infra-estruturas de Portugal também chumba novo “palácio” de Berardo por estar em cima da estrada nacional

 

Tal como os emitidos pelo ICNF e Direcção-Geral do Património Cultural, parecer da IP, também vinculativo, é igualmente negativo.

 

Francisco Alves Rito

Francisco Alves Rito 2 de Novembro de 2020, 20:49

https://www.publico.pt/2020/11/02/local/noticia/infraestruturas-portugal-tambem-chumba-novo-palacio-berardo-estar-cima-estrada-nacional-1937581

 

A Infra-estruturas de Portugal (IP) também deu parecer negativo ao novo “palácio” que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, do empresário Joe Berardo, está a construir em Vila Fresca de Azeitão, Setúbal, sem a devida licença camarária.

 

A empresa pública, que gera a rede rodoviária nacional, confirmou ao PÚBLICO que a remodelação do edifício da antiga estação de camionagem “não cumpre os afastamentos” previstos na lei que “estipula como zona de servidão non aedificandi, 20 metros para cada lado do eixo da estrada e nunca a menos de cinco metros da zona da estrada.

 

A fachada, já concluída, aproximou o edifício da Estrada Nacional (EN)10, transformando as duas palas frontais em área coberta fechada, e o espaço exteriores, coberto com pavimento, termina num muro junto à faixa de rodagem.

 

A IP confirma “ter recebido, por parte da Bacalhoa, Vinhos de Portugal, S.A., um pedido de parecer relativo à operação de alteração do edifício industrial localizado no terreno limítrofe junto ao quilómetro 28 da EN10” e explica que a alteração do edifício teria de ser “autorizada previamente” pelo Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT).

 

Presidente do ICNF diz que está fora de questão ser o Parque Natural da Arrábida a ceder

 

O presidente do ICNF é peremptório quando diz que não pode ser o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA) a ceder para que seja possível legalizar o novo palácio de Joe Berardo e assegura que essa possibilidade não será equacionada.

 

“A lei pode mudar em função de fundamentos para isso acontecer, não em função de incumprimentos. Não é pelo facto de a obra não se adaptar ao POPNA que este tem de mudar. Está fora de questão”, afirmou Nuno Banza em declarações ao jornal O Setubalense, na semana passada.

 

O responsável acrescentou nem perceber a “discussão” sobre a possibilidade de o PDM legalizar a intervenção. “Não é uma questão de PDM. Nós aplicamos o plano de ordenamento do parque [POPNA] e aquela obra não tem enquadramento no âmbito do POPNA”, afirmou.

 

“Portanto, aquilo que nós dizemos é: no plano de ordenamento do parque aquela obra não tem condições de ser licenciada. Ponto!”, atirou Nuno Banza para concluir que “a solução para os incumprimentos da lei não pode ser mudá-la”.

 

A Infra-estruturas de Portugal diz já ter transmitido “diversas vezes” à Bacalhôa Vinhos que “Só após a obtenção” da autorização do IMT é que pode ser submetido à IP o pedido de licenciamento dos acessos à zona do edifício e que, apenas depois da “pronúncia do IMT e da IP, deverão as mesmas ser apresentadas na Câmara Municipal [de Setúbal] para efeitos de prosseguimento do processo de licenciamento camarário.

 

A empresa pública que gere as estradas nacionais mostra preocupação com o aumento do cruzamento entre peões e carros no local, provocado pela “alteração de uso das instalações”, onde a Bacalhôa pretende instalar um centro interpretativo do vinho e um grande espaço cultural, pelo que “os serviços da IP” já reuniram “com o requerente para discutir as melhores soluções a implementar para garantir a convivência segura do tráfego rodoviário com o tráfego pedonal”.

 

Joe Berardo sonhou com um museu de azulejaria em Estremoz e ele tornou-se realidade

Joe Berardo sonhou com um museu de azulejaria em Estremoz e ele tornou-se realidade

As obras que a empresa de Joe Berardo está a fazer, para transformar a antiga estação rodoviária de Vila Fresca de Azeitão numa espécie de palácio, decorrem há cerca de um ano e meio, sem a licença municipal de construção, que além de obrigatória deveria ser prévia ao início dos trabalhados.

 

A intervenção não pode ser licenciada pela Câmara de Setúbal sem os pareceres positivos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), por tratar-se de zona abrangida pela Reserva do Parque Natural da Arrábida, e da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), por afectar a área de protecção de monumento nacional, o Palácio da Bacalhôa, que fica em frente ao edifício em obras.

 

Como o PÚBLICO avançou nas últimas semanas, tanto o ICNF como a DGPC deram parecer negativo ao projecto de alteração, tendo o ICNF avançado com um processo de contra-ordenação que, segundo adiantou o instituto na sexta-feira, se encontra em “fase de instrução”.

 

 

Apesar de a obra ser ilegal, a Câmara de Setúbal, não a embargou e a presidente Maria das Dores Meira ainda não explicou porque não foi feita qualquer fiscalização municipal. A autarca disse apenas, numa reunião da assembleia municipal, que o caso está “em processo de legalização”.

 

Sem responder às perguntas do PÚBLICO, e após duas semanas em silêncio, a presidente da autarquia leu uma declaração na reunião pública da câmara municipal em que revelou a intenção de legalizar a obra com a revisão do Plano Director Municipal (PDM), que está em fase de conclusão.

 

Ao contrário do que diz a autarca de Setúbal, a revisão do PDM não pode legalizar as alterações na estação de camionagem, tal como estão feitas, no edifício e no uso das instalações.

 

Para ser aprovada, a revisão do PDM, cuja consulta pública terminou em Agosto, precisa de parecer positivo do ICNF e este instituto, que integrou a comissão consultiva, quer como Entidade com Responsabilidades Ambientais Especificas (ERAE), quer como Entidade Representativa de Interesses Públicos (ERIP), emitiu parecer desfavorável à proposta de Plano Director Municipal e ao Relatório Ambiental.

 

Estes pareceres negativos devem-se “ao facto da algumas das opções do PDM não estarem em sintonia com o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA), em vigor nesta data e que obriga, nos termos da legislação de Ordenamento do Território, o PDM”, refere o ICNF em nota enviada ao PÚBLICO.

 

Naquele local, classificado como “espaço de médio valor natural e paisagístico”, o POPNA proíbe obras que aumentem a cércea e área de construção e, mesmo as intervenções de reconstrução e alteração apenas são permitidas “quando associadas à agricultura, pastorícia ou turismo da natureza”, o que não é o caso.

 

Na sua proposta de revisão do PDM a Câmara de Setúbal pretendia reclassificar aquela zona para “solo rustico” (páginas 90 a 93 do relatório) de forma a afastar a proibição imposta pelo POPNA, mas o parecer do ICNF é contrário a tal pretensão.

 

Em resposta ao PÚBLICO, o instituto reforça que “a delimitação de regimes de protecção são da exclusiva responsabilidade do ICNF enquanto autoridade para a conservação da natureza e biodiversidade” e que tais regimes “são definidos de acordo com a importância dos valores e recursos naturais presentes e a respectiva sensibilidade ecológica”.

 

Na sua apreciação final à proposta de revisão do PDM, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) concluiu que “não foi dado cabal cumprimento à integração obrigatória” das normas dos planos, como o POPNA, que condicionam a ocupação, o uso e a transformação do solo através do estabelecimento de actividades permitidas, condicionadas ou interditas, e sublinha que essa obrigatoriedade é “vinculativa, sob pena de nulidade”.

 

O parecer final da CCDR-LVT ao PDM é favorável condicionado “à satisfação das questões de legalidade e à ponderação das matérias enunciadas” nos pareceres emitidos pelas diversas entidades. A comissão consultiva da revisão também deu idêntico parecer favorável condicionado.

 

De notar que o Relatório Ambiental mereceu parecer desfavorável das duas principais autoridades ambientais, a APA e o ICNF.

 

Agora, concluída a consulta pública, a Câmara de Setúbal está a elaborar a versão final da proposta de revisão do PDM para aprovação pela Assembleia Municipal de Setúbal. Se essa proposta final mantiver o teor desconforme ou incompatível com o POPNA, o município terá de tentar obter a aprovação do PDM por ratificação do Conselho de Ministros. Ou seja, se a Câmara de Setúbal persistir na tentativa de alterar a classificação da zona onde está o novo palácio de Berardo, colocará a decisão nas mãos do Governo.

 

No entanto, mesmo que a proibição imposta pelo ICNF seja ultrapassada, o PDM não poderá afastar o impedimento colocado pela Direcção-Geral do Património Cultural. É que as alterações já feitas no edifício, transformaram-no numa espécie de palácio que a DGPC não aceita, por concorrer com o Palácio e Quinta da Bacalhoa.

 

A DGPC entende que a estratégia constante no projecto de Joe Berardo para a antiga estação rodoviária, se fosse viabilizada “seria equívoca quanto (i) à cronologia história e (ii) relevância arquitectónica do edifício, com evidentes implicações na percepção, em certa medida ‘concorrencial’, junto do imóvel classificado localizado na proximidade”.

 

Entretanto, a alteração do edifício, que a DGPC considera “inadequada do ponto de vista patrimonial”, por implementar um “falso histórico”, já foi efectuada, estando os trabalhos de construção da fachada principal em fase de últimos acabamentos e arranjos exteriores.

 

Em suma, ainda que o PDM seja ratificado com as alterações que afastam o regime de protecção do POPNA, as alterações já feitas no imóvel, que o transformam num palácio, não ficam legalizadas por essa via. O mesmo acontece relativamente à proximidade com a Estrada Nacional.

Sem comentários: