AMBIENTE
Infra-estruturas de Portugal também chumba novo “palácio”
de Berardo por estar em cima da estrada nacional
Tal como os emitidos pelo ICNF e Direcção-Geral do
Património Cultural, parecer da IP, também vinculativo, é igualmente negativo.
Francisco Alves
Rito
Francisco Alves
Rito 2 de Novembro de 2020, 20:49
A
Infra-estruturas de Portugal (IP) também deu parecer negativo ao novo “palácio”
que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, do empresário Joe Berardo, está a construir
em Vila Fresca de Azeitão, Setúbal, sem a devida licença camarária.
A empresa
pública, que gera a rede rodoviária nacional, confirmou ao PÚBLICO que a
remodelação do edifício da antiga estação de camionagem “não cumpre os
afastamentos” previstos na lei que “estipula como zona de servidão non
aedificandi, 20 metros para cada lado do eixo da estrada e nunca a menos de
cinco metros da zona da estrada.
A fachada, já
concluída, aproximou o edifício da Estrada Nacional (EN)10, transformando as
duas palas frontais em área coberta fechada, e o espaço exteriores, coberto com
pavimento, termina num muro junto à faixa de rodagem.
A IP confirma
“ter recebido, por parte da Bacalhoa, Vinhos de Portugal, S.A., um pedido de
parecer relativo à operação de alteração do edifício industrial localizado no
terreno limítrofe junto ao quilómetro 28 da EN10” e explica que a alteração do
edifício teria de ser “autorizada previamente” pelo Instituto de Mobilidade e
Transportes (IMT).
Presidente do ICNF diz que está fora de questão ser o
Parque Natural da Arrábida a ceder
O presidente do
ICNF é peremptório quando diz que não pode ser o Plano de Ordenamento do Parque
Natural da Arrábida (POPNA) a ceder para que seja possível legalizar o novo
palácio de Joe Berardo e assegura que essa possibilidade não será equacionada.
“A lei pode mudar
em função de fundamentos para isso acontecer, não em função de incumprimentos.
Não é pelo facto de a obra não se adaptar ao POPNA que este tem de mudar. Está
fora de questão”, afirmou Nuno Banza em declarações ao jornal O Setubalense, na
semana passada.
O responsável acrescentou
nem perceber a “discussão” sobre a possibilidade de o PDM legalizar a
intervenção. “Não é uma questão de PDM. Nós aplicamos o plano de ordenamento do
parque [POPNA] e aquela obra não tem enquadramento no âmbito do POPNA”,
afirmou.
“Portanto, aquilo
que nós dizemos é: no plano de ordenamento do parque aquela obra não tem
condições de ser licenciada. Ponto!”, atirou Nuno Banza para concluir que “a
solução para os incumprimentos da lei não pode ser mudá-la”.
A
Infra-estruturas de Portugal diz já ter transmitido “diversas vezes” à Bacalhôa
Vinhos que “Só após a obtenção” da autorização do IMT é que pode ser submetido
à IP o pedido de licenciamento dos acessos à zona do edifício e que, apenas
depois da “pronúncia do IMT e da IP, deverão as mesmas ser apresentadas na
Câmara Municipal [de Setúbal] para efeitos de prosseguimento do processo de
licenciamento camarário.
A empresa pública
que gere as estradas nacionais mostra preocupação com o aumento do cruzamento
entre peões e carros no local, provocado pela “alteração de uso das
instalações”, onde a Bacalhôa pretende instalar um centro interpretativo do
vinho e um grande espaço cultural, pelo que “os serviços da IP” já reuniram
“com o requerente para discutir as melhores soluções a implementar para garantir
a convivência segura do tráfego rodoviário com o tráfego pedonal”.
Joe Berardo
sonhou com um museu de azulejaria em Estremoz e ele tornou-se realidade
Joe Berardo
sonhou com um museu de azulejaria em Estremoz e ele tornou-se realidade
As obras que a empresa
de Joe Berardo está a fazer, para transformar a antiga estação rodoviária de
Vila Fresca de Azeitão numa espécie de palácio, decorrem há cerca de um ano e
meio, sem a licença municipal de construção, que além de obrigatória deveria
ser prévia ao início dos trabalhados.
A intervenção não
pode ser licenciada pela Câmara de Setúbal sem os pareceres positivos do
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), por tratar-se de
zona abrangida pela Reserva do Parque Natural da Arrábida, e da Direcção-Geral
do Património Cultural (DGPC), por afectar a área de protecção de monumento
nacional, o Palácio da Bacalhôa, que fica em frente ao edifício em obras.
Como o PÚBLICO
avançou nas últimas semanas, tanto o ICNF como a DGPC deram parecer negativo ao
projecto de alteração, tendo o ICNF avançado com um processo de
contra-ordenação que, segundo adiantou o instituto na sexta-feira, se encontra
em “fase de instrução”.
Apesar de a obra
ser ilegal, a Câmara de Setúbal, não a embargou e a presidente Maria das Dores
Meira ainda não explicou porque não foi feita qualquer fiscalização municipal.
A autarca disse apenas, numa reunião da assembleia municipal, que o caso está “em
processo de legalização”.
Sem responder às
perguntas do PÚBLICO, e após duas semanas em silêncio, a presidente da
autarquia leu uma declaração na reunião pública da câmara municipal em que
revelou a intenção de legalizar a obra com a revisão do Plano Director
Municipal (PDM), que está em fase de conclusão.
Ao contrário do
que diz a autarca de Setúbal, a revisão do PDM não pode legalizar as alterações
na estação de camionagem, tal como estão feitas, no edifício e no uso das
instalações.
Para ser
aprovada, a revisão do PDM, cuja consulta pública terminou em Agosto, precisa
de parecer positivo do ICNF e este instituto, que integrou a comissão
consultiva, quer como Entidade com Responsabilidades Ambientais Especificas
(ERAE), quer como Entidade Representativa de Interesses Públicos (ERIP), emitiu
parecer desfavorável à proposta de Plano Director Municipal e ao Relatório
Ambiental.
Estes pareceres
negativos devem-se “ao facto da algumas das opções do PDM não estarem em
sintonia com o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA), em
vigor nesta data e que obriga, nos termos da legislação de Ordenamento do
Território, o PDM”, refere o ICNF em nota enviada ao PÚBLICO.
Naquele local,
classificado como “espaço de médio valor natural e paisagístico”, o POPNA
proíbe obras que aumentem a cércea e área de construção e, mesmo as
intervenções de reconstrução e alteração apenas são permitidas “quando
associadas à agricultura, pastorícia ou turismo da natureza”, o que não é o
caso.
Na sua proposta
de revisão do PDM a Câmara de Setúbal pretendia reclassificar aquela zona para
“solo rustico” (páginas 90 a 93 do relatório) de forma a afastar a proibição
imposta pelo POPNA, mas o parecer do ICNF é contrário a tal pretensão.
Em resposta ao
PÚBLICO, o instituto reforça que “a delimitação de regimes de protecção são da exclusiva
responsabilidade do ICNF enquanto autoridade para a conservação da natureza e
biodiversidade” e que tais regimes “são definidos de acordo com a importância
dos valores e recursos naturais presentes e a respectiva sensibilidade
ecológica”.
Na sua apreciação
final à proposta de revisão do PDM, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento
Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) concluiu que “não foi dado cabal
cumprimento à integração obrigatória” das normas dos planos, como o POPNA, que
condicionam a ocupação, o uso e a transformação do solo através do
estabelecimento de actividades permitidas, condicionadas ou interditas, e
sublinha que essa obrigatoriedade é “vinculativa, sob pena de nulidade”.
O parecer final
da CCDR-LVT ao PDM é favorável condicionado “à satisfação das questões de
legalidade e à ponderação das matérias enunciadas” nos pareceres emitidos pelas
diversas entidades. A comissão consultiva da revisão também deu idêntico
parecer favorável condicionado.
De notar que o
Relatório Ambiental mereceu parecer desfavorável das duas principais
autoridades ambientais, a APA e o ICNF.
Agora, concluída
a consulta pública, a Câmara de Setúbal está a elaborar a versão final da
proposta de revisão do PDM para aprovação pela Assembleia Municipal de Setúbal.
Se essa proposta final mantiver o teor desconforme ou incompatível com o POPNA,
o município terá de tentar obter a aprovação do PDM por ratificação do Conselho
de Ministros. Ou seja, se a Câmara de Setúbal persistir na tentativa de alterar
a classificação da zona onde está o novo palácio de Berardo, colocará a decisão
nas mãos do Governo.
No entanto, mesmo
que a proibição imposta pelo ICNF seja ultrapassada, o PDM não poderá afastar o
impedimento colocado pela Direcção-Geral do Património Cultural. É que as
alterações já feitas no edifício, transformaram-no numa espécie de palácio que
a DGPC não aceita, por concorrer com o Palácio e Quinta da Bacalhoa.
A DGPC entende
que a estratégia constante no projecto de Joe Berardo para a antiga estação
rodoviária, se fosse viabilizada “seria equívoca quanto (i) à cronologia
história e (ii) relevância arquitectónica do edifício, com evidentes
implicações na percepção, em certa medida ‘concorrencial’, junto do imóvel
classificado localizado na proximidade”.
Entretanto, a
alteração do edifício, que a DGPC considera “inadequada do ponto de vista
patrimonial”, por implementar um “falso histórico”, já foi efectuada, estando
os trabalhos de construção da fachada principal em fase de últimos acabamentos
e arranjos exteriores.
Em suma, ainda que o PDM seja ratificado com as alterações que afastam o regime de protecção do POPNA, as alterações já feitas no imóvel, que o transformam num palácio, não ficam legalizadas por essa via. O mesmo acontece relativamente à proximidade com a Estrada Nacional.
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