OPINIÃO
O arrendamento depois da covid-19
A covid-19 veio evidenciar as fraquezas do alojamento
local, um negócio montado apressadamente, ocasional e sem a mínima estrutura
profissional e económica para resistir ao menor embate e a uma drástica redução
do turismo de agenda e de monocultura económica em muitas cidades.
Romão Lavadinho
10 de Maio de
2020, 5:40
Este artigo
aborda a relação do Alojamento Local (AL) com o mercado de arrendamento e a
necessidade cada vez mais evidente de revogar a legislação existente e elaborar
outra que regule este mercado.
As consequências
da covid-19, sociais e económicas, o confinamento, primeiro, o estado de
emergência depois, vieram pôr a nu as fragilidades, a insegurança e a
desregulação do mercado de arrendamento.
O Alojamento
Local (AL) surge como resposta a problemas socio-economicos que a troika
provocou a muitas famílias deixando-as à beira da insolvência.
Muitas delas
viram no AL a possibilidade de ceder um quarto ou parte de casa para conseguir
alguma verba que lhes desse a possibilidade de resistir a tamanha tragédia que
então se vivia.
A dinamização do
AL e a sua procura por uma significativa parte de turistas não foi inicialmente
bem recebida pelo setor hoteleiro, por considerarem haver conflito de
interesses, situação que veio a ser ultrapassada devido à elevada dimensão que
o setor turístico atingiu posteriormente. Esse aumento muito significativo do
turismo também influenciou o desenvolvimento do AL, que é alvo de uma grande
procura por parte dos turistas em geral.
Em resultado da
pandemia, foram tomadas várias medidas necessárias que implicaram em
confinamentos e numa enorme redução de movimentação das pessoas. Em
consequência, o turismo em geral entra em crise e com fortíssima incidência no
turismo de habitação, o designado AL.
Assim,
evidenciam-se as fraquezas deste negócio montado apressadamente, ocasional e
sem a mínima estrutura profissional e económica para resistir ao menor embate,
quanto mais a um embate da dimensão provocada por esta pandemia e a uma
drástica redução deste turismo de agenda e de monocultura económica em muitas
cidades.
Eis, portanto,
uma súbita e também apressada tendência para se alterar o uso turístico do
Alojamento Local para o arrendamento habitacional, de que muitos apartamentos
tinham sido retirados, de modo a que os operadores turísticos mantenham algum
rendimento dos seus locados.
Realçamos três
aspetos deste novo desvio de uso turístico (AL) para o arrendamento
habitacional que nos levam a refletir.
O primeiro
respeita à qualidade da reabilitação efetuada e à dimensão dos apartamentos
desviados para o uso turístico, cujo único critério era o de por a render o
mais depressa possível. Quem esteve atento a este fenómeno, sabe que muita da
reabilitação efetuada foi apressada e de pouca qualidade, disfarçando e tapando
mazelas estruturais e funcionais dos apartamentos, utilizando em larga escala
materiais pouco resistentes, coisa de pouca monta para os turistas que iriam
utilizar, sucessivamente, umas breves noites esses espaços. O que se pretendia
era faturar o mais rapidamente, e o máximo possível, aproveitando o surto
turístico.
O segundo
respeita à dimensão dos locados, sabendo-se que muita dessa reabilitação
alterou as funcionalidades e as dimensões dos apartamentos, reduzindo-os para
acolherem mais turistas, não se preocupando com as necessidades de uma família
com uma vivência quotidiana mais prolongada, além da qualidade do locado para
esta forma de utilização. Se o espaço de uma casa já era de grande importância
para a vivência de uma família, agora tem uma importância acrescida face ao
confinamento em que somos obrigados a viver neste período. Portanto, como
muitos dos apartamentos destinados ao alojamento turístico não oferecem as
necessárias condições espaciais, número e dimensão de quartos e salas, e
funcionais, cozinhas e casas de banho, ir-se-á colocar para muitos uma nova
intervenção nos apartamentos de forma a torná-los habitáveis para as famílias.
O que não significa não haver a necessária diversidade da oferta para a
diversidade da procura.
O terceiro, e o
mais importante, respeita às condições e preço do arrendamento que estes novos
senhorios se propõem praticar. Em primeiro lugar, se esta disponibilidade não
será apenas momentânea e de curto prazo mantendo a expetativa de retornar à
atividade turística logo que possível ou se, em segundo lugar, será mesmo uma
opção séria de alteração de uso. O que nos coloca, então, as condições
contratuais e o valor das rendas. Quanto à relação contratual, importará
verificar se continuará a estar assente numa utilização de natureza diária, sem
qualquer compromisso, ou se será assente num contrato de arrendamento escrito,
por um prazo razoável que garanta estabilidade ao inquilino e rendimento certo
e prolongado ao senhorio e manifestado na Autoridade Tributária. Quanto às
rendas, importará verificar se terão valores comportáveis ou se manterão
valores assentes na especulação. Mesmo que baixem alguma coisa, convém ter
presente que os rendimentos de muitas famílias também se reduziram. Portanto,
essa relação poderá manter um caráter especulativo.
Realçamos uma vez mais a urgência em revogar a legislação
do arrendamento, desadequada e avulsa, e discutir e elaborar uma nova
legislação que regule o mercado de arrendamento, em suma, que credibilize e
estabilize este mercado
Considerando o
exposto, poderemos afirmar que o mercado de arrendamento, ou qualquer outro,
não se auto regula. Pelo contrário. Logo tem de ser regulado e fiscalizado, e
deveria sê-lo em primeira linha pelos municípios.
Verifica-se uma
carência de habitação pública, uma ausência e atraso de medidas que
disponibilizassem muita da propriedade pública existente para a sua utilização
no arrendamento, em vez da sua alienação.
Releva a
necessidade de constituir bolsas para arrendamento, alocando propriedade
pública, numa primeira fase, e agregar depois propriedade não pública, por
exemplo de IPSS e fundações.
Por fim,
realçamos uma vez mais a urgência em revogar a legislação do arrendamento,
desadequada e avulsa, e discutir e elaborar uma nova legislação que regule o
mercado de arrendamento, que obrigue ao registo em plataforma eletrónica de
todos os locados destinados ao arrendamento, os já arrendados e os disponíveis,
que garanta segurança e prazos razoáveis para o arrendamento e a sua
continuidade, que introduza uma fiscalidade adequada a esta atividade económica
e social, em suma, que credibilize e estabilize o mercado de arrendamento.
O autor escreve
segundo o novo acordo ortográfico
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