ENTREVISTA
CORONAVÍRUS
Jared Diamond: “O próximo vírus pode causar mais danos”
A pandemia de covid-19 “podia ter sido evitada”, diz ao
PÚBLICO o autor de Armas, Germes e Aço. “Cada país está a responder por conta
própria”, faltando uma “resposta global”, critica. Para evitar futuras
epidemias, é preciso restringir o comércio de animais na China e instituir um
“sistema de saúde global”.
Pedro Rios
Pedro Rios 4 de
Abril de 2020, 6:23
Jared Diamond
escreveu vários livros sobre a saga humana e a forma como os humanos evoluíram,
cruzando história, geografia, biologia e antropologia. Um deles, Armas, Germes
e Aço, venceu o Prémio Pulitzer de Não Ficção em 1998. Em Como se Renovam as
Nações (ed. Temas e Debates, 2019), escreveu sobre como os países enfrentam
crises terríveis e desafios aparentemente inultrapassáveis.
Em entrevista por
e-mail ao PÚBLICO, o professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles
(UCLA), de 82 anos, diz que as nações precisam de cooperar entre si se querem
superar a crise da covid-19. “Seria um resultado feliz da nossa actual crise se
ela convencesse as pessoas dos vários países de que agora precisamos de um
sistema de saúde global”, declara.
Em Setembro
passado, o relatório Um mundo em risco, da Organização Mundial de Saúde e do
Banco Mundial, alertou que o mundo não estava preparado para uma pandemia. Esta
crise podia ter sido evitada?
A maneira mais
fácil de ter evitado esta crise teria sido a China ter aprendido com a crise da
SARS [síndrome respiratória aguda grave], de 2003. Essa crise resultou da
transmissão de um coronavírus de civetas para humanos nos mercados de animais
da China. Esta crise que vivemos hoje podia ter sido evitada se a China tivesse
fechado os seus mercados de animais em 2003, em vez de esperar mais de um mês
para o fazer após o início desta pandemia actual.
É uma verdadeira
crise global. Estamos a assistir a uma resposta também global?
É um falhanço
importantíssimo: não estamos a ver uma resposta global. Cada país está a
responder por conta própria, mas isso é desadequado: uma pandemia global requer
uma resposta global.
No livro Como se
Renovam as Nações, compara a forma como sete países lidaram com crises
nacionais. E agora, que países estão a agir melhor e pior?
As melhores
respostas são as da China, agora, e de Singapura, desde o início. A China
acabou por bloquear as viagens. Singapura, desde o início, identificou todos os
contactos de cada pessoa infectada. Uma boa resposta, embora menos drástica,
tem sido a do governador do meu estado, a Califórnia, que ordenou um bloqueio
parcial, menos extremo do que o da China. As respostas mais patéticas foram as
da China (inicialmente, ao manter o segredo), do meu Presidente Trump e dos
presidentes do Brasil e do México.
Em Armas, Germes
e Aço, destaca como as doenças têm sido parte da história e das batalhas entre
países. Por exemplo, o sarampo e a varíola levados pelos europeus mataram um
grande número de indígenas na América. Mas este coronavírus tornou-se global,
pode haver vencedores?
Este não é um
assunto que deva ser alvo de uma competição entre nações. Se as nações
competirem em vez de cooperarem, o mundo inteiro sofrerá, incluindo a nação que
opta por competir. Enquanto houver algum país que continue a ser uma fonte de
infecção, o resto do mundo estará sujeito a uma reinfecção.
Como compara esta
pandemia com a peste negra e a gripe espanhola?
Se compararmos
com a gripe de 1918, a percentagem de mortes por covid-19 é semelhante. A
transmissão em 1918 foi mais fraca porque não havia aviões a jacto. O número de
vítimas em 1918 foi menor do que provavelmente teremos desta vez porque a
população mundial era apenas um quarto da actual. A peste negra teve uma
percentagem muito maior de mortes, mas não havia transmissão entre continentes
e havia muito menos pessoas na Terra. Por isso, a mortandade era limitada à
Eurásia, que tinha uma população muito menor do que tem hoje.
Faz sentido
comparar o combate à covid-19 a uma guerra?
Espero que sim!
Todas as pessoas do mundo enfrentam agora um inimigo comum, o que deveria
unir-nos a todos.
O próximo vírus
“pode causar muito mais danos”, escreveu recentemente no Washington Post.
Porquê?
O próximo vírus
pode causar mais danos porque a taxa de mortalidade deste coronavírus é de
apenas cerca de 2%. Poderíamos ter tido uma epidemia de varíola, peste ou
ébola, que produziram taxas de mortalidade de 30 a 70%. Devíamos estar gratos
por esta ser de apenas 2%.
Compara as crises
nacionais com as crises que as pessoas enfrentam nas suas vidas – dos divórcios
às mortes de familiares ou amigos. Em que passo da resolução desta crise nos
encontramos?
A crise actual
ilustra sobretudo a importância da auto-avaliação honesta ou da falta dela. Ela
varia entre os países e também entre os estados norte-americanos. Por exemplo,
o governador do Mississippi ainda está a minimizar a crise e a recusar actuar,
enquanto muitos outros estados americanos já ordenaram bloqueios.
Escreve que o
primeiro passo para resolver uma crise é reconhecer que se está em crise.
Como podemos
esperar reconhecer que estamos em crise quando temos líderes como Trump e
Bolsonaro? Com líderes tão malvados, não podemos esperar o reconhecimento de
uma crise. Esperemos que a crise leve a que esses líderes sejam expulsos, por
um processo democrático.
No caso da União
Europeia, alguns países do Norte estão a ser criticados por não mostrarem
solidariedade suficiente com Espanha, Itália ou Portugal. O ministro das
Finanças holandês chegou a sugerir que Espanha fosse investigada por não ter
dinheiro público suficiente para responder a esta crise. Poderá a União
Europeia sobreviver a isto sem uma resposta coordenada?
Veremos. Talvez a
crise actual reforce o idealismo dos fundadores da União Europeia nos anos 1950
e deixe claro que todos os países da UE têm de se unir – porque ou vão
sobreviver juntos ou vão cair juntos.
Na pandemia não
há fuga possível: a filosofia pode ajudar?
Escreveu que
outro dos factores que ajudam na resolução de uma crise é usar a experiência de
crises anteriores. Que lições de crises prévias seriam úteis para nós agora?
A crise da SARS
de 2003 deveria ter-nos ajudado a preparar para a crise actual, mas tal não
aconteceu. Quanto ao que pode ser feito agora para prevenir o surgimento de um
novo vírus, a China fechou os seus mercados de animais há dois ou três meses,
mas não deu outro passo igualmente importante: fechar o comércio de animais
selvagens fora dos mercados. É feito por comerciantes individuais para
alimentar a medicina tradicional chinesa. Enquanto esse comércio persistir na
China, podemos prever com certeza que haverá outro vírus emergente.
Em entrevista ao
PÚBLICO, o historiador Yuval Noah Harari disse que a crise da covid-19 põe a nu
a necessidade de um sistema de saúde “verdadeiramente global” para evitar que
os vírus sejam transferidos para a esfera humana. Todos beneficiariam de
sistemas de saúde nacionais fortes em todos os lugares, disse-nos Harari. Mas
estamos longe de ver isso a acontecer. Porque é que a desigualdade parece ser
um fenómeno tão perene na história?
Porque não tivemos
um choque suficientemente grande para nos convencer de que num mundo
globalizado a desigualdade já não é sustentável. Seria um resultado feliz da
nossa actual crise se ela convencesse as pessoas dos vários países de que agora
precisamos de um sistema de saúde global. Agora que as doenças podem ser
transmitidas rapidamente por aviões a jacto, temos de assegurar que as curas de
doenças e os controlos de epidemias também podem ser transmitidos rapidamente
por aviões a jacto.
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