domingo, 5 de abril de 2020

Jared Diamond: “O próximo vírus pode causar mais danos”



ENTREVISTA CORONAVÍRUS
Jared Diamond: “O próximo vírus pode causar mais danos”

A pandemia de covid-19 “podia ter sido evitada”, diz ao PÚBLICO o autor de Armas, Germes e Aço. “Cada país está a responder por conta própria”, faltando uma “resposta global”, critica. Para evitar futuras epidemias, é preciso restringir o comércio de animais na China e instituir um “sistema de saúde global”.

Pedro Rios
Pedro Rios 4 de Abril de 2020, 6:23

Jared Diamond escreveu vários livros sobre a saga humana e a forma como os humanos evoluíram, cruzando história, geografia, biologia e antropologia. Um deles, Armas, Germes e Aço, venceu o Prémio Pulitzer de Não Ficção em 1998. Em Como se Renovam as Nações (ed. Temas e Debates, 2019), escreveu sobre como os países enfrentam crises terríveis e desafios aparentemente inultrapassáveis.

Em entrevista por e-mail ao PÚBLICO, o professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), de 82 anos, diz que as nações precisam de cooperar entre si se querem superar a crise da covid-19. “Seria um resultado feliz da nossa actual crise se ela convencesse as pessoas dos vários países de que agora precisamos de um sistema de saúde global”, declara.

Em Setembro passado, o relatório Um mundo em risco, da Organização Mundial de Saúde e do Banco Mundial, alertou que o mundo não estava preparado para uma pandemia. Esta crise podia ter sido evitada?
A maneira mais fácil de ter evitado esta crise teria sido a China ter aprendido com a crise da SARS [síndrome respiratória aguda grave], de 2003. Essa crise resultou da transmissão de um coronavírus de civetas para humanos nos mercados de animais da China. Esta crise que vivemos hoje podia ter sido evitada se a China tivesse fechado os seus mercados de animais em 2003, em vez de esperar mais de um mês para o fazer após o início desta pandemia actual.

É uma verdadeira crise global. Estamos a assistir a uma resposta também global?
É um falhanço importantíssimo: não estamos a ver uma resposta global. Cada país está a responder por conta própria, mas isso é desadequado: uma pandemia global requer uma resposta global.

No livro Como se Renovam as Nações, compara a forma como sete países lidaram com crises nacionais. E agora, que países estão a agir melhor e pior?
As melhores respostas são as da China, agora, e de Singapura, desde o início. A China acabou por bloquear as viagens. Singapura, desde o início, identificou todos os contactos de cada pessoa infectada. Uma boa resposta, embora menos drástica, tem sido a do governador do meu estado, a Califórnia, que ordenou um bloqueio parcial, menos extremo do que o da China. As respostas mais patéticas foram as da China (inicialmente, ao manter o segredo), do meu Presidente Trump e dos presidentes do Brasil e do México.

Em Armas, Germes e Aço, destaca como as doenças têm sido parte da história e das batalhas entre países. Por exemplo, o sarampo e a varíola levados pelos europeus mataram um grande número de indígenas na América. Mas este coronavírus tornou-se global, pode haver vencedores?
Este não é um assunto que deva ser alvo de uma competição entre nações. Se as nações competirem em vez de cooperarem, o mundo inteiro sofrerá, incluindo a nação que opta por competir. Enquanto houver algum país que continue a ser uma fonte de infecção, o resto do mundo estará sujeito a uma reinfecção.

Como compara esta pandemia com a peste negra e a gripe espanhola?
Se compararmos com a gripe de 1918, a percentagem de mortes por covid-19 é semelhante. A transmissão em 1918 foi mais fraca porque não havia aviões a jacto. O número de vítimas em 1918 foi menor do que provavelmente teremos desta vez porque a população mundial era apenas um quarto da actual. A peste negra teve uma percentagem muito maior de mortes, mas não havia transmissão entre continentes e havia muito menos pessoas na Terra. Por isso, a mortandade era limitada à Eurásia, que tinha uma população muito menor do que tem hoje.

Faz sentido comparar o combate à covid-19 a uma guerra?
Espero que sim! Todas as pessoas do mundo enfrentam agora um inimigo comum, o que deveria unir-nos a todos.

O próximo vírus “pode causar muito mais danos”, escreveu recentemente no Washington Post. Porquê?
O próximo vírus pode causar mais danos porque a taxa de mortalidade deste coronavírus é de apenas cerca de 2%. Poderíamos ter tido uma epidemia de varíola, peste ou ébola, que produziram taxas de mortalidade de 30 a 70%. Devíamos estar gratos por esta ser de apenas 2%.

Compara as crises nacionais com as crises que as pessoas enfrentam nas suas vidas – dos divórcios às mortes de familiares ou amigos. Em que passo da resolução desta crise nos encontramos?
A crise actual ilustra sobretudo a importância da auto-avaliação honesta ou da falta dela. Ela varia entre os países e também entre os estados norte-americanos. Por exemplo, o governador do Mississippi ainda está a minimizar a crise e a recusar actuar, enquanto muitos outros estados americanos já ordenaram bloqueios.

Escreve que o primeiro passo para resolver uma crise é reconhecer que se está em crise.
Como podemos esperar reconhecer que estamos em crise quando temos líderes como Trump e Bolsonaro? Com líderes tão malvados, não podemos esperar o reconhecimento de uma crise. Esperemos que a crise leve a que esses líderes sejam expulsos, por um processo democrático.

No caso da União Europeia, alguns países do Norte estão a ser criticados por não mostrarem solidariedade suficiente com Espanha, Itália ou Portugal. O ministro das Finanças holandês chegou a sugerir que Espanha fosse investigada por não ter dinheiro público suficiente para responder a esta crise. Poderá a União Europeia sobreviver a isto sem uma resposta coordenada?
Veremos. Talvez a crise actual reforce o idealismo dos fundadores da União Europeia nos anos 1950 e deixe claro que todos os países da UE têm de se unir – porque ou vão sobreviver juntos ou vão cair juntos.

Na pandemia não há fuga possível: a filosofia pode ajudar?
Escreveu que outro dos factores que ajudam na resolução de uma crise é usar a experiência de crises anteriores. Que lições de crises prévias seriam úteis para nós agora?
A crise da SARS de 2003 deveria ter-nos ajudado a preparar para a crise actual, mas tal não aconteceu. Quanto ao que pode ser feito agora para prevenir o surgimento de um novo vírus, a China fechou os seus mercados de animais há dois ou três meses, mas não deu outro passo igualmente importante: fechar o comércio de animais selvagens fora dos mercados. É feito por comerciantes individuais para alimentar a medicina tradicional chinesa. Enquanto esse comércio persistir na China, podemos prever com certeza que haverá outro vírus emergente.

Em entrevista ao PÚBLICO, o historiador Yuval Noah Harari disse que a crise da covid-19 põe a nu a necessidade de um sistema de saúde “verdadeiramente global” para evitar que os vírus sejam transferidos para a esfera humana. Todos beneficiariam de sistemas de saúde nacionais fortes em todos os lugares, disse-nos Harari. Mas estamos longe de ver isso a acontecer. Porque é que a desigualdade parece ser um fenómeno tão perene na história?
Porque não tivemos um choque suficientemente grande para nos convencer de que num mundo globalizado a desigualdade já não é sustentável. Seria um resultado feliz da nossa actual crise se ela convencesse as pessoas dos vários países de que agora precisamos de um sistema de saúde global. Agora que as doenças podem ser transmitidas rapidamente por aviões a jacto, temos de assegurar que as curas de doenças e os controlos de epidemias também podem ser transmitidos rapidamente por aviões a jacto.

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