O NAMORO COM A TININHA |
OPINIÃO
A
TINA e a TINinhA
JOÃO MIGUEL TAVARES
09/02/2016 - PÚBLICO
Oh, sim, António
Costa virou a página da austeridade – só que na página seguinte
encontrou a mesma austeridade de que se prometeu livrar.
Há um famoso
paradoxo filosófico que se pode formular assim: se eu substituir a
lâmina de uma faca, e de seguida o seu cabo, ela ainda é a mesma
faca? Numa perspectiva ontológica, a questão não é simples. Mas
numa perspectiva meramente utilitária, o que interessa é haver faca
e ela continuar a cortar.
O orçamento de
Estado do actual governo é como a faca do paradoxo: um orçamento
que entrou em Bruxelas disposto a “virar a página da austeridade”
e saiu com mil milhões de euros de austeridade em cima ainda pode
ser considerado o mesmo orçamento? A resposta ontológica é “não”.
Se compararmos o programa original de grupo de trabalho de Mário
Centeno e o Frankenstein orçamental que ele se viu obrigado a
defender (com evidentes dificuldades) na sexta-feira, só mesmo com
testes genéticos aprofundadíssimos será possível encontrar
vestígios de um pai comum. Mais. Quando António Costa afirma que,
“ao contrário do que muitos desejavam, a Comissão Europeia não
chumbou o primeiro orçamento do governo”, importa repor a verdade:
ai chumbou, chumbou. O esboço do primeiro orçamento foi
chumbadíssimo. Aquilo que a Comissão não chumbou foi a última
versão desse orçamento, carregadíssima de impostos e com as metas
revistas, que já pouco tinha a ver com o original.
Mas tudo isto
interessa muito pouco a António Costa – afinal, ele é o rei do
pragmatismo. Desde que se continue a chamar “orçamento” e passe
em Bruxelas e em São Bento, por ele está tudo bem. Evidentemente,
não é um “tudo bem” sério, como se verificou nas suas
declarações de sábado, ao ser confrontado com o aumento colossal
de impostos indirectos nos combustíveis e no tabaco. Nesse momento,
a demagogia de Costa elevou-se à estratosfera, ao aconselhar os
portugueses a “fumar menos” e a “usar transportes públicos”.
O que ele se esqueceu de acrescentar é que se os portugueses
começarem a fumar muito menos e a usar muito mais transportes
públicos, então as receitas destes impostos caem a pique e o
governo tem de encontrar medidas alternativas para compensar a queda
na receita.
Oh, sim, António
Costa virou a página da austeridade – só que na página seguinte
encontrou a mesma austeridade de que se prometeu livrar. Enfim, não
é bem a mesma austeridade. A austeridade da direita era feita de
impostos directos. A austeridade da esquerda privilegia os
indirectos. Não é já a TINA – é a irmã gémea, a TINinhA.
Mas agora vêm as
boas notícias: se o novo orçamento tem tudo para correr mal em
termos económicos, dada a manifesta ausência de uma perspectiva de
futuro e de um caminho sustentável para as finanças públicas, a
sua aprovação em Bruxelas, ainda que com reservas, é uma boa
notícia política. A ninguém aproveitava uma crise neste momento.
Se o regoverno de António Costa conseguiu instalar-se, há que o
deixar regovernar. A frente de esquerda tem de poder praticar todas
as suas espectaculares políticas de crescimento e tem de lhe ser
dado tempo para elas falharem (mais uma vez). Ora, este orçamento é
suficientemente mau para que todos percebam onde essas políticas nos
levam (mais uma vez); mas não suficientemente mau, graças à
intervenção da Comissão Europeia, para obrigar a um novo resgate
em 2018. Nesse sentido, não vale a pena dramatizar, porque poderia
ter sido bem pior – bastaria Bruxelas ter engolido a matemática à
portuguesa. Como não engoliu, o regoverno merece agora uma folga,
para poder namorar com a TINinhA.
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