Rússia
mudou equilíbrio de forças na Síria e dita agora as suas condições
ANA FONSECA PEREIRA
11/02/2016 - PÚBLICO
Com
as forças leais a Assad a fecharem cerco a Alepo, EUA acusam Moscovo
de querer adiar trégua até 1 de Março. Primeiro-ministro russo
avisa que incursões estrangeiras podem desencadear “nova guerra
mundial”.
Um pouco mais de 500
missões aéreas e quase 1900 alvos destruídos numa única semana
bastaram para a Rússia quebrar o impasse na mais decisiva das
frentes de guerra – Alepo, a maior e mais estratégica cidade da
Síria. De uma assentada, Moscovo parece ter invertido a sorte do
regime de Bashar Al-Assad, cuja situação era há meses desesperada,
e reservou para si um papel central na definição do futuro político
do país. Um impulso que lhe permitiu chegar à reunião das
potências envolvidas no conflito com a proposta de um cessar-fogo
apenas a partir de 1 de Março, o que daria quase três semanas às
forças pró-Assad para concluírem o cerco às zonas controladas
pelos rebeldes em Alepo.
“A posição
ocidental é a de que não existe uma solução militar para a Síria,
mas Moscovo mostrou efectivamente que discorda”, escreveu Jonathan
Marcus, especialista da BBC em assuntos diplomáticos, num artigo em
que contrasta a acção determinada do Presidente russo, Vladimir
Putin, desde que, em Setembro, decidiu ir em auxílio de Assad com a
falta de estratégia e as contradições dos Estados Unidos e dos
seus aliados.
Uma avaliação que
se repete na imprensa à medida que o Exército sírio, com o apoio
das milícias xiitas em terra e dos aviões russos no ar, progride
nos campos e aldeias a norte de Alepo – depois de a 3 de Fevereiro
terem cortado a principal via de abastecimento dos rebeldes, as
forças leais ao Presidente dizem estar perto de completar o cerco à
metade leste da cidade, em poder da rebelião desde 2012. Lá dentro,
a situação é cada vez mais difícil: as mercadorias começam a
escassear, os preços dos bens essenciais dispararam, os
bombardeamentos aéreos são intensos e o medo espalha-se como peste.
“Aqui toda a gente
teme o cerco. Sentimos que ele se aproxima, de forma inevitável”,
contou à AFP Abu Mohammad, comerciante num dos bairros controlados
pelos rebeldes, de onde só se sai agora por uma longa e perigosa
estrada que liga o norte da cidade à vizinha província de Idlib, um
dos últimos redutos da oposição no Noroeste da Síria. “O que
acontecerá quando já não houver nada para comer? Vamos morrer à
fome”, alarma-se Mohammad, no mesmo dia em que as Nações Unidas
confirmaram que 51 mil pessoas fugiram dos combates na região e há
350 mil civis que arriscam ficar cercados em Alepo.
Um pano de fundo
sombrio para a reunião do Grupo Internacional de Apoio à Síria
(ISSG, na sigla em inglês), que volta a sentar à mesma mesa os
aliados de Assad (Rússia e Irão) e os apoiantes da rebelião. O
encontro, agora em Munique, pode ser o último esforço para evitar o
colapso do plano, acordado em Novembro, para uma transição política
na Síria no prazo de ano e meio. A primeira pedra desse caminho eram
as negociações indirectas entre o regime e a oposição mas a
ofensiva em Alepo, que coincidiu com o início dos contactos em
Genebra, matou a iniciativa à nascença. E as trocas de acusações
entre os russos e ocidentais, desde então, não deixam antever
grandes avanços em Munique.
Para manter viva a
esperança de uma solução política, os ocidentais insistem que o
primeiro passo é a definição das condições para um cessar-fogo
em todas as frentes que opõem o regime aos rebeldes (a ofensiva
internacional contra o Estado Islâmico é excluída) e para o envio
de ajuda humanitária a todas as zonas cercadas.
“Queremos um
cessar-fogo imediato”, disse à AFP um responsável do Departamento
de Estado norte-americano, assegurando que Washington recusa
liminarmente a ideia, que Moscovo não confirmou oficialmente, de
adiar a trégua por três semanas – um interregno que, teme, seja
suficiente para as forças pró-Assad conquistarem terreno decisivo,
cercando Alepo e cortando o acesso dos rebeldes à fronteira com a
Turquia. “Falar pelo simples facto de falar, ao mesmo tempo que se
continua a bombardear, isso ninguém vai aceitar”, disse o
secretário de Estado norte-americano, John Kerry, no avião a
caminho de Munique.
O problema é que,
ao contrário da Rússia, os Estados Unidos têm pouca margem de
manobra para impor as suas condições – e Moscovo sabe disso.
“Fizemos propostas de cessar-fogo que são muito concretas.
Esperamos uma resposta americana antes de a apresentar ao ISGG”,
afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, à
chegada à Alemanha, sem adiantar a partir de que data ou em que
condições poderão os aviões que Moscovo tem na Síria ficar em
terra – um diplomata russo adiantou à Reuters que o Kremlin não
aceitará cessar os bombardeamentos sem a garantia de que a fronteira
com a Turquia será selada de forma a quem nem armas nem combatentes
se possam juntar às fileiras dos rebeldes entre os quais, lembram,
está o braço sírio da Al-Qaeda.
Numa entrevista ao
Washington Post, Kerry afirmou terça-feira que, se a reunião de
Munique demonstrar que Putin “não está seriamente interessado”
numa solução política, os EUA “têm de ter em consideração um
plano B”. A afirmação levou a imprensa a especular que o fracasso
das negociações forçará o Presidente Barack Obama a tomar a
decisão, a que tem resistido até agora, de enviar armamento
sofisticado aos rebeldes – o WP admitia a entrega de uma nova
geração de mísseis antitanque TOW. Mas mesmo essa opção será
dificultada pelos bombardeamentos russos contra as rotas que a CIA
estava a usar actualmente para o seu pouco secreto programa de treino
e armamento dos rebeldes, escreveu o New York Times.
Com Putin a colher
os frutos da arriscada aposta que fez no Outono – quando as forças
de Assad estavam pareciam prestes a perder terreno vital no Oeste da
Síria –, cresce a irritação dos aliados com Washington e alguns
sugerem mesmo que poderão não esperar pela liderança americana
para intervir. A Arábia Saudita sugeriu que poderia enviar tropas
para a Síria, no quadro das operações contra o Estado Islâmico, e
a Turquia não exclui intervir para impedir a aproximação das
forças de Assad junto à sua fronteira. Mas às dúvidas sobre o
apoio e a capacidade que uns e outros teriam para avançar juntou-se
nesta quinta-feira o aviso do primeiro-ministro russo sobre o risco
de uma “nova guerra mundial” com epicentro na Síria. “As
ofensivas terrestres tendem a tornar as guerras permanentes”,
lembrou Dmitri Medvedev numa entrevista ao diário económico alemão
Handelsblatt, em que aconselhou os “americanos e os seus parceiros
árabes a pensar cuidadosamente” antes de agirem.
Os analistas
dividem-se sobre quanto tempo estará Putin disposto a prosseguir a
ofensiva aérea e que objectivos exactos quer alcançar, mas mesmo em
Washington se admite que a sua estratégia está, pelo menos para já,
a dar frutos. “As intervenções russas [na Síria e na Ucrânia]
demonstram a melhoria das capacidades militares russas e a confiança
do Kremlin a usá-las”, disse James Clapper, o patrão das secretas
norte-americanas numa audição, terça-feira, no Senado.
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