sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Acordo para cessar-fogo na Síria / Rússia mudou equilíbrio de forças na Síria e dita agora as suas condições

Rússia mudou equilíbrio de forças na Síria e dita agora as suas condições
ANA FONSECA PEREIRA 11/02/2016 - PÚBLICO

Com as forças leais a Assad a fecharem cerco a Alepo, EUA acusam Moscovo de querer adiar trégua até 1 de Março. Primeiro-ministro russo avisa que incursões estrangeiras podem desencadear “nova guerra mundial”.

Um pouco mais de 500 missões aéreas e quase 1900 alvos destruídos numa única semana bastaram para a Rússia quebrar o impasse na mais decisiva das frentes de guerra – Alepo, a maior e mais estratégica cidade da Síria. De uma assentada, Moscovo parece ter invertido a sorte do regime de Bashar Al-Assad, cuja situação era há meses desesperada, e reservou para si um papel central na definição do futuro político do país. Um impulso que lhe permitiu chegar à reunião das potências envolvidas no conflito com a proposta de um cessar-fogo apenas a partir de 1 de Março, o que daria quase três semanas às forças pró-Assad para concluírem o cerco às zonas controladas pelos rebeldes em Alepo.

“A posição ocidental é a de que não existe uma solução militar para a Síria, mas Moscovo mostrou efectivamente que discorda”, escreveu Jonathan Marcus, especialista da BBC em assuntos diplomáticos, num artigo em que contrasta a acção determinada do Presidente russo, Vladimir Putin, desde que, em Setembro, decidiu ir em auxílio de Assad com a falta de estratégia e as contradições dos Estados Unidos e dos seus aliados.

Uma avaliação que se repete na imprensa à medida que o Exército sírio, com o apoio das milícias xiitas em terra e dos aviões russos no ar, progride nos campos e aldeias a norte de Alepo – depois de a 3 de Fevereiro terem cortado a principal via de abastecimento dos rebeldes, as forças leais ao Presidente dizem estar perto de completar o cerco à metade leste da cidade, em poder da rebelião desde 2012. Lá dentro, a situação é cada vez mais difícil: as mercadorias começam a escassear, os preços dos bens essenciais dispararam, os bombardeamentos aéreos são intensos e o medo espalha-se como peste.

“Aqui toda a gente teme o cerco. Sentimos que ele se aproxima, de forma inevitável”, contou à AFP Abu Mohammad, comerciante num dos bairros controlados pelos rebeldes, de onde só se sai agora por uma longa e perigosa estrada que liga o norte da cidade à vizinha província de Idlib, um dos últimos redutos da oposição no Noroeste da Síria. “O que acontecerá quando já não houver nada para comer? Vamos morrer à fome”, alarma-se Mohammad, no mesmo dia em que as Nações Unidas confirmaram que 51 mil pessoas fugiram dos combates na região e há 350 mil civis que arriscam ficar cercados em Alepo.

Um pano de fundo sombrio para a reunião do Grupo Internacional de Apoio à Síria (ISSG, na sigla em inglês), que volta a sentar à mesma mesa os aliados de Assad (Rússia e Irão) e os apoiantes da rebelião. O encontro, agora em Munique, pode ser o último esforço para evitar o colapso do plano, acordado em Novembro, para uma transição política na Síria no prazo de ano e meio. A primeira pedra desse caminho eram as negociações indirectas entre o regime e a oposição mas a ofensiva em Alepo, que coincidiu com o início dos contactos em Genebra, matou a iniciativa à nascença. E as trocas de acusações entre os russos e ocidentais, desde então, não deixam antever grandes avanços em Munique.

Para manter viva a esperança de uma solução política, os ocidentais insistem que o primeiro passo é a definição das condições para um cessar-fogo em todas as frentes que opõem o regime aos rebeldes (a ofensiva internacional contra o Estado Islâmico é excluída) e para o envio de ajuda humanitária a todas as zonas cercadas.

“Queremos um cessar-fogo imediato”, disse à AFP um responsável do Departamento de Estado norte-americano, assegurando que Washington recusa liminarmente a ideia, que Moscovo não confirmou oficialmente, de adiar a trégua por três semanas – um interregno que, teme, seja suficiente para as forças pró-Assad conquistarem terreno decisivo, cercando Alepo e cortando o acesso dos rebeldes à fronteira com a Turquia. “Falar pelo simples facto de falar, ao mesmo tempo que se continua a bombardear, isso ninguém vai aceitar”, disse o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, no avião a caminho de Munique.

O problema é que, ao contrário da Rússia, os Estados Unidos têm pouca margem de manobra para impor as suas condições – e Moscovo sabe disso. “Fizemos propostas de cessar-fogo que são muito concretas. Esperamos uma resposta americana antes de a apresentar ao ISGG”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, à chegada à Alemanha, sem adiantar a partir de que data ou em que condições poderão os aviões que Moscovo tem na Síria ficar em terra – um diplomata russo adiantou à Reuters que o Kremlin não aceitará cessar os bombardeamentos sem a garantia de que a fronteira com a Turquia será selada de forma a quem nem armas nem combatentes se possam juntar às fileiras dos rebeldes entre os quais, lembram, está o braço sírio da Al-Qaeda.

Numa entrevista ao Washington Post, Kerry afirmou terça-feira que, se a reunião de Munique demonstrar que Putin “não está seriamente interessado” numa solução política, os EUA “têm de ter em consideração um plano B”. A afirmação levou a imprensa a especular que o fracasso das negociações forçará o Presidente Barack Obama a tomar a decisão, a que tem resistido até agora, de enviar armamento sofisticado aos rebeldes – o WP admitia a entrega de uma nova geração de mísseis antitanque TOW. Mas mesmo essa opção será dificultada pelos bombardeamentos russos contra as rotas que a CIA estava a usar actualmente para o seu pouco secreto programa de treino e armamento dos rebeldes, escreveu o New York Times.

Com Putin a colher os frutos da arriscada aposta que fez no Outono – quando as forças de Assad estavam pareciam prestes a perder terreno vital no Oeste da Síria –, cresce a irritação dos aliados com Washington e alguns sugerem mesmo que poderão não esperar pela liderança americana para intervir. A Arábia Saudita sugeriu que poderia enviar tropas para a Síria, no quadro das operações contra o Estado Islâmico, e a Turquia não exclui intervir para impedir a aproximação das forças de Assad junto à sua fronteira. Mas às dúvidas sobre o apoio e a capacidade que uns e outros teriam para avançar juntou-se nesta quinta-feira o aviso do primeiro-ministro russo sobre o risco de uma “nova guerra mundial” com epicentro na Síria. “As ofensivas terrestres tendem a tornar as guerras permanentes”, lembrou Dmitri Medvedev numa entrevista ao diário económico alemão Handelsblatt, em que aconselhou os “americanos e os seus parceiros árabes a pensar cuidadosamente” antes de agirem.

Os analistas dividem-se sobre quanto tempo estará Putin disposto a prosseguir a ofensiva aérea e que objectivos exactos quer alcançar, mas mesmo em Washington se admite que a sua estratégia está, pelo menos para já, a dar frutos. “As intervenções russas [na Síria e na Ucrânia] demonstram a melhoria das capacidades militares russas e a confiança do Kremlin a usá-las”, disse James Clapper, o patrão das secretas norte-americanas numa audição, terça-feira, no Senado.

Acordo para cessar-fogo na Síria
PÚBLICO 12/02/2016 - PÚBLICO

Paragem das hostilidades dentro de uma semana, anunciou John Kerry. Russos dizem que vão continuar bombardeamentos ao Estado Islâmico.

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, anunciou na madrugada desta sexta-feira que a comunidade internacional, Rússia incluída, chegou a um acordo “ambicioso” para um cessar-fogo na Síria dentro uma semana.

A declaração de Kerry foi feita numa conferência de imprensa ao lado do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, após um encontro em Munique, na Alemanha, do Grupo Internacional de Apoio à Síria.

“Acordámos uma cessação das hostilidades em todo o país no prazo de uma semana”, disse John Kerry. O acesso à ajuda humanitária vai ser alargado a uma série de cidades.

O cessar-fogo dentro de uma semana acaba por ser uma solução de compromisso entre os norte-americanos, que desejavam que as hostilidades cessassem imediatamente, e os russos, que pretendiam uma trégua dentro de três semanas.

Este anúncio surge numa altura em que as forças do regime de Bashar Al-Assad, com a ajuda da Rússia, estão a fechar um cerco a Alepo, a maior e mais estratégica cidade da Síria.

"O que temos aqui são palavras no papel. O que precisamos nos próximos dias é de ver acções no terreno", acrescentou o secretário de Estado norte-americano.

O acordo de cessar-fogo não se aplica aos bombardeamentos ao autoproclamado Estado Islâmico e à frente Al-Nusra (o braço sírio da Al-Qaeda). "A nossa força aérea vai continuar a trabalgar contra estas organizações", afirmou Serguei Lavrov. Os Estados Unidos e os aliados europeus dizem que poucos bombardeamentos russos atingiram estes grupos, com a maioria deles a serem destinados a grupos rebeldes moderados que procuram destronar o Governo de Bashar al-Assad, nota a Reuters.

Quem são as forças em combate na Síria

As negociações entre sírios devem entretanto “recomeçar assim que possível”, acrescentou Kerry.

Também na madrugada desta sexta-feira, o director da CIA, John Brennan, afirmou que grupo extremista Estado Islâmico já utilizou várias vezes armas químicas no campo de batalha e consegue fabricar pequenas quantidades de cloro e gás mostarda.

“Houve um certo número de vezes em que o grupo extremista Estado Islâmico utilizou armas químicas no campo de batalha” e a “CIA acha que o grupo tem capacidade de fabricar pequenas quantidades de cloro e gás mostarda”, afirmou em entrevista à estação televisiva CBS.


A guerra na Síria já fez pelo menos 470.000 mortos e quase dois milhões de feridos, segundo o relatório de um instituto sírio publicado esta quinta-feira.

Sem comentários: