Bárbara
Guimarães sobre Carrilho: “Se fosse hoje, teria feito queixa”
ANDREIA SANCHES
12/02/2016 - PÚBLICO
Na
primeira sessão do julgamento, Manuel Maria Carrilho, acusado de
violência doméstica, não quis falar. Apresentadora descreveu
agressões e ameaças. “Não fui ao hospital por vergonha.”
Logo no arranque do
julgamento em que Manuel Maria Carrilho é acusado de violência
doméstica, a juíza Joana Ferrer mostrou um livro que tem um
prefácio do ex-ministro da Cultura. E pediu o seguinte: que, "para
falar dos factos" de que está acusado, Carrilho usasse ali “a
mesma clareza de exposição" que usara no dito prefácio — um
prefácio que a juíza leu “como trabalho de casa”, para melhor
“perceber” o arguido que ia julgar. Mas o ex-governante não quis
falar. Não para já. A sessão prosseguiu e chamaram Bárbara
Guimarães. Ao longo de mais de três horas, a apresentadora de
televisão descreveu as agressões de que diz ter sido alvo
(“pontapés”, “empurrões”, “murros”), as “ameaças”
(“Ele disse: ‘mato-te a ti, mato os nossos filhos e a seguir
mato-me a mim.’”), os insultos.
Nesta sexta-feira,
em Lisboa, a juíza perguntou a Bárbara Guimarães quando é que as
coisas “mudaram” afinal — “Confesso que estive a ver
fotografias do vosso casamento”, disse Joana Ferrer, e tudo parecia
maravilhoso. “Parece que o Professor Carrilho foi um homem, até ao
nascimento da Carlota [a segunda filha do casal], e depois passou a
ser um monstro.” Ora “o ser humano não muda assim”, disse a
juíza, que pediu várias vezes à apresentadora que explicasse
melhor como se dera a transformação, num casamento que durou mais
de dez anos.
Bárbara Guimarães
— que a juíza tratou sempre como Bárbara — manteve-se em geral
serena. Atrás dela, afastado do seu ângulo de visão, Manuel Maria
Carrilho — que a juíza tratou sempre como Professor —
observava-a, uma vezes com o rosto fechado, outras vezes a sorrir.
O casamento “não
era perfeito”, mas no fim de 2012 iniciaram-se as agressões,
segundo explicou a apresentadora — a primeira, física, aconteceu
depois de um episódio do “Toca a Mexer”, programa que ela
apresentava, no qual dançou com o ex-futebolista Futre; quando
chegou a casa, disse, Carrilho humilhou-a. “Deu-me dois ou três
pontapés.”
Mas houve sinais
antes, sim, prosseguiu, ainda em resposta à juíza. A apresentadora
recordou um debate televisivo em 2005 que opôs Manuel Maria
Carrilho, candidato à Câmara Municipal de Lisboa, pelo PS, a
Carmona Rodrigues, do PSD. Já de pé e pronto para abandonar o
estúdio da SIC, Rodrigues aproximou-se de Carrilho, estendeu-lhe a
mão para o cumprimentar, mas este recusou o aperto de mão. Esta
reacção deu que falar. Quando chegaram a casa, Bárbara Guimarães
preparava algo para o marido e os assessores dele beberem. “Estávamos
na cozinha. O meu ex-marido perguntou-me: ‘Não dizes nada? Não
tens nada a dizer sobre o debate?’ E eu disse que achava que se até
ali ninguém ligava ao Carmona Rodrigues, a partir dali ele ia
começar a subir nas sondagens. E ele respondeu: ‘És mesmo
estúpida. És muito estúpida!’ Foi a primeira vez que ele me
chamou estúpida. Depois disso, ‘estúpida’ passou a ser uma
palavra que fazia parte do casamento.”
Mas um dos pontos
centrais das perguntas feitas pela juíza — e também pela
procuradora do Ministério Público — foi este: porque não se
queixou antes? Por que razão não ia ao hospital quando era agredida
e deixou a situação arrastar-se? “Não fui ao hospital por
vergonha”, disse Bárbara Guimarães.
A juíza lamentou o
facto de, assim, ser difícil provar que houve violência doméstica.
“Preciso de provas”, declarou.
Bárbara Guimarães,
que diz ter pedido muitas vezes o divórcio naquele ano de 2013,
disse que também tinha medo. “‘Mas tu achas que alguma vez sais
deste casamento?’ — dizia-me ele.” Medo e vergonha. “Os
filhos, o facto de sermos duas figuras públicas... Nunca imaginei,
nunca, dizer a alguém que ele me batia.” E acrescentou, mais
tarde: “Ele não vai parar enquanto não me destruir.”
Só “em Outubro de
2013 disse para mim: sim, sou uma vítima.” Foi depois de uma cena
que foi descrita pela própria do seguinte modo: “Ele levou-me para
o sótão, pôs-me virada para as escadas, disse-me, ‘vai pelas
escadas, bates com a cabeça e eu e os teus filhos ficamos a rezar
por ti.’”
“Não tem que se
justificar ao tribunal por que é que não foi ao médico. Ninguém a
pode censurar”, disse a certa altura a procuradora do Ministério
Público. Mas a juíza declarou, pouco depois, algo diferente: quando
a apresentadora contou mais um episódio sobre como, “no epicentro
do furacão”, continuava a dar uma imagem pública de que tudo
estava bem, Joana Ferrer declarou: “Causa-me alguma impressão a
atitude de algumas mulheres” vítimas de violência, algumas das
quais “acabam mortas”. E acrescentou: “A senhora procuradora
diz que não tem que se sentir censurada. Pois eu censuro-a!” É
que “se tinha fundamento” para se queixar, devia tê-lo feito,
rematou.
“Se fosse hoje
faria tudo ao contrário do que fiz na altura e à primeira agressão
teria imediatamente feito queixa”, disse a apresentadora.
A próxima sessão
do julgamento de Manuel Maria Carrilho está marcada para dia 19. O
ex-ministro, ex-embaixador de Portugal na UNESCO, professor
catedrático aposentado, é acusado de violência doméstica. No
despacho de acusação diz-se que Carrilho “começou a controlar os
movimentos diários” de Bárbara Guimarães após o nascimento da
filha, que usava expressões como: “És uma alcoólica, não vales
nada, estás acabada, és um fiasco total, não tens cabecinha para
nada”. E que houve agressões físicas. Manuel Maria Carrilho tem
dito em diferentes ocasiões que é tudo falso.
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