O
maior partido de França? A Europa gela
TERESA DE SOUSA
07/12/2015 – PÚBLICO
1. Pouco interessa o
número de regiões que Marine Le Pen venha a ganhar na segunda volta
das eleições regionais francesas. O aviso está dado. Hoje, muitos
responsáveis europeus vão ser obrigados a pensar no que aconteceria
se Marine Le Pen, a líder do “maior partido de França”, viesse
a entrar no Eliseu na Primavera de 2017. Não pode haver pesadelo
maior. A França está no coração da integração europeia,
construída a partir da sua aliança com a Alemanha depois da II
Guerra Mundial. O cenário é tão assustador que a tentação será
tentar minimizá-lo. O problema é que a FN se colocou no centro
político da França e vai provavelmente condicionar as agendas dos
outros partidos, à direita e à esquerda. É o culminar de uma
estratégia bem conseguida cujo objectivo foi despir a FN da
truculência do velho nacionalismo francês anti-semita e
antidemocrático, dando-lhe as cores mais suaves de um partido do
sistema, mesmo que antieuropeu (Marine falou pouco da Europa na
celebração da vitória, o que os analistas consideram o início da
sua estratégia presidencial), xenófobo e oportunamente virado
contra o “islamismo radical”. Agora ficou demonstrado que os
franceses passaram a considerar normal votar nela. A FN deixou de ser
um partido contra o sistema, mas no centro do sistema.
2. A derrota dos
socialistas de François Hollande (que detinham todos os governos
regionais menos um) é a demonstração de que o apoio dos franceses
à determinação do seu Presidente para combater o terror dentro e
fora da França não é suficiente para alterar as suas escolhas
políticas. Foi Le Pen quem mais beneficiou com a tragédia. Os
ingredientes estavam lá todos, uns recentes e outros mais antigos. A
ameaça terrorista, a vaga dos refugiados (que a FN apresenta como
duas faces da mesma moeda), a vasta comunidade muçulmana que há dez
anos “incendiou” os banlieues de Paris alimentam o medo dos
franceses de todas as classes sociais e dão “razão” a Marine.
Outros males já vêm de longe. O desemprego elevado não é de agora
mas não desaparece: a taxa verificada no terceiro trimestre (10,4%)
é a mais alta desde 1997. A velha Frente Nacional tratou de
alimentar o ódio dos franceses aos que lhes vinham roubar os
empregos, mas também a um sistema económico que “deslocalizava”
as fábricas francesas para outros países de mão-de-obra muito mais
barata. Foi ainda com Jean-Marie que se assistiu a uma transferência
directa de votos da classe operária proveniente da velha indústria
pesada do Partido Comunista para a Frente Nacional. Hollande
comprometeu-se com reformas que visam liberalizar a economia e animar
o crescimento, aceitando (mais ou menos) a receita da austeridade. Os
resultados não têm sido os melhores. Marine falou para os
marginalizados da globalização e os que têm apenas medo de ver a
sua vida invadida por gente estranha. É na região do Norte, que foi
a base industrial da França, que os seus ganhos são maiores.
3. Não é a
primeira vez que François Hollande tem pela frente um Le Pen. Nas
presidenciais de Abril de 2002, a França também entrou em choque,
quando a FN ainda de Jean-Marie passou à segunda volta, deixando o
candidato do PS e então primeiro-ministro Lionel Jospin fora da
corrida. Jospin demitiu-se. Coube ao actual Presidente, então
secretário-geral do PSF, aguentar o sismo político. Nessa altura
não hesitou: “Chirac é o nosso adversário na democracia, Le Pen
é um perigo para a República”. A disciplina republicana funcionou
em pleno.
Hoje, Nicolas
Sarkozy, líder do mesmo partido de Chirac que rebaptizou “Os
Republicanos”, já anunciou que não vai obedecer à disciplina da
República. O seu objectivo é regressar ao Eliseu e o seu método é,
como sempre, o “vale tudo”. Em 2007, o então candidato
presidencial conseguiu a proeza de “roubar” votos à FN,
mostrando-se duro com os imigrantes, crítico em relação à Europa
e defensor dos “franceses que trabalham”, tocando a França
profunda. Não lhe resta outro caminho, mesmo que a sua aposta tenha
falhado, porque não foi ele a colher os frutos da impopularidade de
Hollande. E desta vez não tem à sua frente um PS com uma fatal
tendência para ignorar a realidade, mas Manuel Valls, um
primeiro-ministro que também sabe ser duro com as comunidades
imigrantes e liberal quanto às reformas económicas. Foi ele que
disse que a FN levantava problemas reais, para os quais tinha as más
soluções.
4. A França
adaptou-se mal à globalização, da qual chegou a acreditar que a
Europa a protegeria, e ainda não conseguiu encontrar o seu lugar
numa Europa que deixou há muito de ser construída à sua imagem e
semelhança. O problema não é de agora. François Mitterrand ganhou
por uma unha negra o referendo ao Tratado de Maastricht, em 1992, que
teve no centro do debate a unificação alemã. Jacques Chirac viu o
seu país matar à nascença a Constituição europeia num referendo
em 2005, redigida sob a batuta de outro Presidente francês, Valery
Giscard d’Estaing, que se viu a si próprio como George Washington
no Congresso de Filadélfia. Metade dos socialistas desertaram para o
lado do “não”.
A paisagem política
europeia continua a mudar aceleradamente num sentido que pode vir a
ser fatal. A vitória de Le Pen é a antevisão catastrófica dessa
mudança. O melhor seria não ignorar os avisos. Nesta segunda-feira
ainda prevalecia o silêncio na maioria das capitais da União.
Matteo Renzi acabou por quebrá-lo, avisando que a Europa tem de
mudar: “Sem uma visão estratégica sobretudo no que respeita à
economia e ao crescimento, as forças populistas vão ganhar”.
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