quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Mexicana. De volta à pastelaria que Ferreira Chaves nos deu





Mexicana. De volta à pastelaria que Ferreira Chaves nos deu

Com tudo a que isso dá direito e ainda mais. Fomos espreitar a nova versão e ao que parece corre tudo muito bem, porque nem tivemos onde nos sentar.

CLÁUDIA SOBRAL (TEXTO) E DIANA TINOCO (FOTOGRAFIAS)
09/12/2015 21:54 / Jornal i online

É início de tarde quando chegamos à Mexicana e já não temos lugar para nos sentarmos, pelo menos na esplanada. Lá dentro está ainda mais difícil, num vai e vem frenético de empregados que equilibram cafés e fatias de bolo-rei que não vão parar ao chão nem sabemos como. A Mexicana tinha fechado, pois tinha, mas agora só queremos boas notícias. E boas notícias vamos ter.

A pastelaria, que foi um marco na arquitectura moderna em Portugal, reabriu há cinco dias, mesmo a tempo do Natal, numa renovação que Rogério Pereira, que em Abril deste ano comprou a casa ainda a funcionar aos herdeiros dos fundadores, quis que fosse um regresso ao passado. Ao passado da Mexicana que viu pela primeira vez tinha os seus 16 anos, algures em 1977 ou 78, quando começou a trabalhar numa outra casa ali perto. “Chegar à Mexicana é chegar a um pódio e é uma coisa de que me orgulho”, diz ele que veio da província para a capital tinha 12 anos. “É o meu maior gosto, o meu prazer, devolver a Mexicana, que estava em baixo, à cidade de Lisboa, uma Lisboa que eu amo.”

Fundada em 1946 pelos empresários da construção civil José Vicente e Adelino Antunes e por Augusto Godinho e Manuel Penteado, a Mexicana foi nos primeiros tempos ponto de encontro de artistas do surrealismo e neorealismo português, além de vários arquitectos como Jorge Ferreira Chaves, que tinha o seu atelier ali perto e que viria a fazer o projecto de reconversão da Mexicana, hoje considerada uma marca no movimento da arquitectura moderna em Portugal. Foi em 1962.

Era a época em que ali trabalhavam - prepare-se quem acha que reabrir uma casa em 2015 com 25 empregados é muito - 117 pessoas. Sim, 117. “Nessa altura este movimento que está agora era o movimento que tínhamos desde que abríamos, às oito, até às duas da manhã”, conta o empregado ao balcão do bolo-rei, logo à entrada.
Luís chegou em 1974. Eram tempos pós-revolucionários e ele, acabadinho de chegar da Guiné, onde combateu, foi recomendado por uns amigos que lá trabalhavam aos patrões, que o chamaram, e ficou até hoje, já lá vão 41 anos.

Esses eram também os tempos em que nem qualquer um entrava nesta casa, “frequentada por gente com muito dinheiro”, conta ele que tem a honra de ser um dos empregados mais antigos da casa e de ter tido sempre a responsabilidade de substituir os falecidos patrões quando eles não estavam. “Os que tinham pouco dinheiro até tinham vergonha de entrar na Mexicana.” Hoje qualquer um entra aqui, claro está, que isto é 2015, mas não passam despercebidas as senhoras que se passeiam em frente aos balcões nos seus penteados impecáveis e casacos de vison, como se continuássemos em 1965.

Mas nem só estas senhoras sobram dos velhos tempos. Na verdade, dos velhos tempos sobra quase tudo e o que Rogério Pereira quis fazer nesta nova vida da Mexicana foi juntamente manter o que havia e recuperar também o que se tinha perdido da emblemática pastelaria da Guerra Junqueiro, um projecto do arquitecto Jorge Ferreira Chaves de 1962, que levou a pastelaria a ser classificada, com o seu património artístico, como monumento de interesse público, devido “ao génio do respectivo criador, ao seu valor estético, técnico e material intrínseco, à sua concepção arquitectónica e urbanística, e à sua extensão e ao que nela se reflecte o ponto de vista da memória colectiva”. Acrescentava o parecer dado na altura que “a Pastelaria Mexicana constitui, tanto pela concepção espacial como pelos elementos decorativos integrados, um notável testemunho das tendências expressionistas do movimento da Arquitetura Moderna em Portugal, traduzindo exemplarmente a adaptação das linguagens internacionais e do organicismo típico da década de 1960 numa verdadeira obra total”.

Daí que, ao fim de oito meses fechada para obras, a Mexicana tenha reaberto com a mesma decoração. Na sala do fundo, reconvertida em espaço de refeição nesta nova vida da pastelaria, continua o painel “Sol Mexicano” de Querubim Lapa, ao lado do passarinheiro, que teve obras e continua a ter passarinhos, e da mesma cabine telefónica (para que serve ainda uma cabine telefónica ninguém sabe, mas faz parte). As mesas e as cadeiras, essas assinadas pelo designer José Espinho, também são as mesmas que trouxe o grande projecto de Jorge Ferreira Chaves em 1962. Já agora, vale a pena dizer que quatro dessas cadeiras foram para o MUDE. E nem só de painéis e cadeiras se faz o património da Mexicana. O#engraxador que todos os dias trabalha à porta desta casa é o mesmo de há 50 anos.


Mas vamos aos bolos, que isso é o que interessa falando verdade e isto não pode acabar assim, até porque é Natal e uma das especialidades da casa é o bolo-rei, que, segundo dizem, até chegou a ganhar vários prémios. Há ainda, especialmente nesta altura, os doces conventuais e tudo o que levar ovos moles para provar. E, se ainda houver barriga que aguente, o belo do pastel de nata. Que não há boa pastelaria sem um bom pastel.

Sem comentários: