Mexicana.
De volta à pastelaria que Ferreira Chaves nos deu
Com
tudo a que isso dá direito e ainda mais. Fomos espreitar a nova
versão e ao que parece corre tudo muito bem, porque nem tivemos onde
nos sentar.
CLÁUDIA SOBRAL
(TEXTO) E DIANA TINOCO (FOTOGRAFIAS)
09/12/2015 21:54 /
Jornal i online
É início de tarde
quando chegamos à Mexicana e já não temos lugar para nos
sentarmos, pelo menos na esplanada. Lá dentro está ainda mais
difícil, num vai e vem frenético de empregados que equilibram cafés
e fatias de bolo-rei que não vão parar ao chão nem sabemos como. A
Mexicana tinha fechado, pois tinha, mas agora só queremos boas
notícias. E boas notícias vamos ter.
A pastelaria, que
foi um marco na arquitectura moderna em Portugal, reabriu há cinco
dias, mesmo a tempo do Natal, numa renovação que Rogério Pereira,
que em Abril deste ano comprou a casa ainda a funcionar aos herdeiros
dos fundadores, quis que fosse um regresso ao passado. Ao passado da
Mexicana que viu pela primeira vez tinha os seus 16 anos, algures em
1977 ou 78, quando começou a trabalhar numa outra casa ali perto.
“Chegar à Mexicana é chegar a um pódio e é uma coisa de que me
orgulho”, diz ele que veio da província para a capital tinha 12
anos. “É o meu maior gosto, o meu prazer, devolver a Mexicana, que
estava em baixo, à cidade de Lisboa, uma Lisboa que eu amo.”
Fundada em 1946
pelos empresários da construção civil José Vicente e Adelino
Antunes e por Augusto Godinho e Manuel Penteado, a Mexicana foi nos
primeiros tempos ponto de encontro de artistas do surrealismo e
neorealismo português, além de vários arquitectos como Jorge
Ferreira Chaves, que tinha o seu atelier ali perto e que viria a
fazer o projecto de reconversão da Mexicana, hoje considerada uma
marca no movimento da arquitectura moderna em Portugal. Foi em 1962.
Era a época em que
ali trabalhavam - prepare-se quem acha que reabrir uma casa em 2015
com 25 empregados é muito - 117 pessoas. Sim, 117. “Nessa altura
este movimento que está agora era o movimento que tínhamos desde
que abríamos, às oito, até às duas da manhã”, conta o
empregado ao balcão do bolo-rei, logo à entrada.
Luís chegou em
1974. Eram tempos pós-revolucionários e ele, acabadinho de chegar
da Guiné, onde combateu, foi recomendado por uns amigos que lá
trabalhavam aos patrões, que o chamaram, e ficou até hoje, já lá
vão 41 anos.
Esses eram também
os tempos em que nem qualquer um entrava nesta casa, “frequentada
por gente com muito dinheiro”, conta ele que tem a honra de ser um
dos empregados mais antigos da casa e de ter tido sempre a
responsabilidade de substituir os falecidos patrões quando eles não
estavam. “Os que tinham pouco dinheiro até tinham vergonha de
entrar na Mexicana.” Hoje qualquer um entra aqui, claro está, que
isto é 2015, mas não passam despercebidas as senhoras que se
passeiam em frente aos balcões nos seus penteados impecáveis e
casacos de vison, como se continuássemos em 1965.
Mas nem só estas
senhoras sobram dos velhos tempos. Na verdade, dos velhos tempos
sobra quase tudo e o que Rogério Pereira quis fazer nesta nova vida
da Mexicana foi juntamente manter o que havia e recuperar também o
que se tinha perdido da emblemática pastelaria da Guerra Junqueiro,
um projecto do arquitecto Jorge Ferreira Chaves de 1962, que levou a
pastelaria a ser classificada, com o seu património artístico, como
monumento de interesse público, devido “ao génio do respectivo
criador, ao seu valor estético, técnico e material intrínseco, à
sua concepção arquitectónica e urbanística, e à sua extensão e
ao que nela se reflecte o ponto de vista da memória colectiva”.
Acrescentava o parecer dado na altura que “a Pastelaria Mexicana
constitui, tanto pela concepção espacial como pelos elementos
decorativos integrados, um notável testemunho das tendências
expressionistas do movimento da Arquitetura Moderna em Portugal,
traduzindo exemplarmente a adaptação das linguagens internacionais
e do organicismo típico da década de 1960 numa verdadeira obra
total”.
Daí que, ao fim de
oito meses fechada para obras, a Mexicana tenha reaberto com a mesma
decoração. Na sala do fundo, reconvertida em espaço de refeição
nesta nova vida da pastelaria, continua o painel “Sol Mexicano”
de Querubim Lapa, ao lado do passarinheiro, que teve obras e continua
a ter passarinhos, e da mesma cabine telefónica (para que serve
ainda uma cabine telefónica ninguém sabe, mas faz parte). As mesas
e as cadeiras, essas assinadas pelo designer José Espinho, também
são as mesmas que trouxe o grande projecto de Jorge Ferreira Chaves
em 1962. Já agora, vale a pena dizer que quatro dessas cadeiras
foram para o MUDE. E nem só de painéis e cadeiras se faz o
património da Mexicana. O#engraxador que todos os dias trabalha à
porta desta casa é o mesmo de há 50 anos.
Mas vamos aos bolos,
que isso é o que interessa falando verdade e isto não pode acabar
assim, até porque é Natal e uma das especialidades da casa é o
bolo-rei, que, segundo dizem, até chegou a ganhar vários prémios.
Há ainda, especialmente nesta altura, os doces conventuais e tudo o
que levar ovos moles para provar. E, se ainda houver barriga que
aguente, o belo do pastel de nata. Que não há boa pastelaria sem um
bom pastel.
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