OPINIÃO
CORONAVÍRUS
O lar de Reguengos e o inquérito que nunca existiu
O inquérito da Segurança Social ao lar de Reguengos foi
uma vichyssoise servida por António Costa na primeira página do Expresso.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
17 de Setembro de
2020, 0:08
https://www.publico.pt/2020/09/17/opiniao/opiniao/lar-reguengos-inquerito-existiu-1931833
Nesta
quinta-feira, o Expresso ofereceu-nos uma notícia extraordinária e
particularmente esclarecedora sobre o uso do spin na política. Ela diz respeito
a um dos temas mais sensíveis para o Governo desde o início da pandemia: a
tragédia no lar de Reguengos de Monsaraz. O spin é do próprio António Costa e
foi criado por declarações suas numa entrevista ao Expresso. Vale a pena recordar
a linha dos acontecimentos, passo a passo.
Como todos
sabemos, o surto de Monsaraz causou 17 mortos no lar da Fundação Maria Inácia
Silva em Julho deste ano, e causou grandes danos políticos ao Governo, devido a
uma auditoria promovida pela Ordem dos Médicos. Divulgada no início de Agosto,
essa auditoria arrasava as condições do lar e a actuação da Administração
Regional de Saúde do Alentejo. Por tabela, apanhavam a DGS, a Segurança Social
e o próprio PS, porque entre a ARS local, o lar e a câmara de Reguengos, o que
tínhamos era o habitual albergue de jobs for the boys e a costumeira
incompetência gerada pelas escolhas por cartão partidário.
Como se isto já
não fosse suficientemente mau para o Governo, a ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, deu uma entrevista
desastrada ao Expresso no dia 15 de Agosto, afirmando a propósito do relatório
da Ordem dos Médicos de que toda a gente falava, dez dias após ele ter sido
revelado: “Não o li pessoalmente, mas já pedi que o analisassem.” Aquele “não o
li pessoalmente” era uma confissão terrível, e o presidente da República
percebeu-o muito bem, tendo declarado no próprio dia da entrevista da ministra:
“Eu li os vários relatórios. É preciso lê-los todos.”
O inquérito de Julho pura e simplesmente nunca existiu.
Aquilo que a ministra da Segurança Social fez nessa data foi somente pedir aos
serviços toda a informação que havia disponível sobre o lar.
Três dias depois,
a 18 de Agosto, António Costa saiu em defesa de Ana Mendes Godinho, afirmando:
“Gostaria de recordar que a senhora ministra instaurou um inquérito logo no dia
12 de Julho e no dia 16 de Julho já estava a comunicar os resultados do
inquérito ao Ministério Público.” Uma semana depois, foi a vez de o próprio
Costa dar uma entrevista ao Expresso, e aí o spin atingiu todo o seu esplendor.
Após repetir as declarações sobre o inquérito aberto em Julho, coisa de que a
ministra nunca informara o Expresso, Costa foi confrontado pelos jornalistas
com essa estranha omissão. Resposta: “Pois, não sei. Acho que tive mais sorte
do que vocês na pergunta que fiz à ministra.”
Esta quinta-feira
soube-se que, afinal, não foi sorte. O inquérito de Julho pura e simplesmente
nunca existiu. Aquilo que a ministra da Segurança Social fez nessa data foi
somente pedir aos serviços toda a informação que havia disponível sobre o lar.
E, entre essa informação, constava um relatório de 24 páginas acerca do lar da
Fundação Maria Inácia Silva, produzido após uma visita de técnicos da Segurança
Social a… 11 de Março de 2020! Cinco dias antes da primeira morte por covid em
Portugal. Uma semana antes da declaração de estado de emergência. Três meses
prévios ao início do surto em Reguengos de Monsaraz.
O inquérito da
Segurança Social ao lar de Reguengos foi uma vichyssoise servida por António
Costa na primeira página do Expresso, a 22 de Agosto de 2020. Se não fosse a
auditoria da Ordem dos Médicos, a tal que Costa garantiu na mesma entrevista
não ter competência legal para fiscalizar o que se passou, nós teríamos tido
nada. Zero. Bola. Nicles. A culpa teria morrido solteira, como morreu em
dezenas de lares por esse país fora. Bem-vindos ao mundo do spin costista. Viva
o Governo. Morra a verdade.
Jornalista

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