terça-feira, 8 de setembro de 2020

O desastre do Avante! explicado aos camaradas

 


OPINIÃO

O desastre do Avante! explicado aos camaradas

 

O ponto central do Avante! nunca foi se a festa se podia realizar ou não, ou se iria ou não sair dali um surto, mas se era politicamente razoável avançar no actual contexto. A resposta é um rotundo “não”.

 

JOÃO MIGUEL TAVARES

8 de Setembro de 2020, 0:00

https://www.publico.pt/2020/09/08/opiniao/opiniao/desastre-avante-explicado-camaradas-1930631

 

Na semana passada estive de férias e perdi a oportunidade de molhar a sopa a propósito da Festa do Avante!, mas o balanço do evento justifica que regresse ao tema com intenções puramente didácticas, já que manifestamente o PCP não percebeu nada do que lhe aconteceu. O partido passou as últimas semanas a queixar-se do tratamento que teve por causa da realização da festa, considerando-se vítima de “ódio fascizante”, inventando conspirações de direita, imaginado tenebrosos planos do grande capital para dinamitar o Avante!, e reafirmando, no discurso de encerramento de Jerónimo de Sousa, que “forças reaccionárias e conservadoras” se haviam unido para atacar o partido.

 

Como de costume, entre a realidade dos factos e as interpretações do PCP instalou-se uma contradição insanável. De Henrique Raposo a Alexandre Homem Cristo, de José Eduardo Martins a João Taborda da Gama, o que não faltou no espaço mediático foi gente de direita ao lado da realização da Festa do Avante!. Nunca os comunistas estiveram tão bem acompanhados, porque boa parte dos resistentes à histeria covidiana (e há muitos à direita) deram orgulhosamente o braço ao PCP nesta hora festivaleira.

 

O problema nunca foi a direita mediática ou o “grande capital”. O problema foi mesmo o povo. Foram as pessoas comuns, de esquerda, de direita e de centro, que andam há seis meses a braços com inúmeras limitações por causa da pandemia, que não compreenderam que um partido político, com responsabilidades cívicas acrescidas, se pusesse a organizar um evento de massas quando os números da covid-19 estão em ascensão, as escolas preparam a sua abertura, os grandes festivais de Verão foram suspensos, os estádios permanecem vazios e a DGS tem mais que fazer do que investir os seus recursos no Avante!. Por insistência do Presidente da República, Graça Freitas foi obrigada a revelar publicamente as orientações para a festa, mas ficámos sem saber quantas horas de trabalho teve a DGS de alocar ao evento da Atalaia, em vez de estar concentrada nas escolas ou nos lares.

 

Portanto, o ponto central do Avante! nunca foi se a festa se podia realizar ou não, ou se iria ou não sair dali um surto, mas se era politicamente razoável avançar no actual contexto. A resposta é um rotundo “não”. E ele nem precisa de ser dito por mim. Esse “não” foi dado por uma festa murcha e a meio-gás, que pelo que se viu na televisão foi composta apenas pelos militantes mais fiéis. Logo, a insistência no festival foi um triplo desastre para o PCP: em termos de mobilização, em termos mediáticos e em termos financeiros.

 

Não havia forma de se sair bem daqui. Se o Avante! tivesse gente a mais, o PCP estaria a pôr em causa a saúde do povo; se tivesse gente a menos, seria um fracasso do partido. Teve gente a menos. Quão menos? Ninguém sabe, porque o PCP não diz. E aqui entramos noutra das consequências negativas para os comunistas: os jornais foram olhar para os resultados financeiros das últimas festas e encontraram a velha opacidade das contas do partido com paredes de vidro.

 

Segundo o PÚBLICO, a Festa do Avante! dá prejuízo desde 2014. Só no ano passado foram mais de 500 mil euros negativos. Este ano, com dez vezes menos visitantes, o buraco vai ser de quanto? Cinco milhões? Obviamente, isto é ridículo. As contas do PCP são tão plausíveis quanto a RDA era democrática. Quer em termos políticos, quer reputacionais, o desastre do Avante! é um facto consumado. Foi uma burrice a festa, pá.

 

Jornalista

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