OPINIÃO
O desastre do Avante! explicado aos camaradas
O ponto central do Avante! nunca foi se a festa se podia
realizar ou não, ou se iria ou não sair dali um surto, mas se era politicamente
razoável avançar no actual contexto. A resposta é um rotundo “não”.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
8 de Setembro de
2020, 0:00
https://www.publico.pt/2020/09/08/opiniao/opiniao/desastre-avante-explicado-camaradas-1930631
Na semana passada
estive de férias e perdi a oportunidade de molhar a sopa a propósito da Festa
do Avante!, mas o balanço do evento justifica que regresse ao tema com
intenções puramente didácticas, já que manifestamente o PCP não percebeu nada
do que lhe aconteceu. O partido passou as últimas semanas a queixar-se do
tratamento que teve por causa da realização da festa, considerando-se vítima de
“ódio fascizante”, inventando conspirações de direita, imaginado tenebrosos
planos do grande capital para dinamitar o Avante!, e reafirmando, no discurso
de encerramento de Jerónimo de Sousa, que “forças reaccionárias e conservadoras”
se haviam unido para atacar o partido.
Como de costume,
entre a realidade dos factos e as interpretações do PCP instalou-se uma
contradição insanável. De Henrique Raposo a Alexandre Homem Cristo, de José
Eduardo Martins a João Taborda da Gama, o que não faltou no espaço mediático
foi gente de direita ao lado da realização da Festa do Avante!. Nunca os
comunistas estiveram tão bem acompanhados, porque boa parte dos resistentes à
histeria covidiana (e há muitos à direita) deram orgulhosamente o braço ao PCP
nesta hora festivaleira.
O problema nunca
foi a direita mediática ou o “grande capital”. O problema foi mesmo o povo.
Foram as pessoas comuns, de esquerda, de direita e de centro, que andam há seis
meses a braços com inúmeras limitações por causa da pandemia, que não
compreenderam que um partido político, com responsabilidades cívicas
acrescidas, se pusesse a organizar um evento de massas quando os números da
covid-19 estão em ascensão, as escolas preparam a sua abertura, os grandes
festivais de Verão foram suspensos, os estádios permanecem vazios e a DGS tem mais
que fazer do que investir os seus recursos no Avante!. Por insistência do
Presidente da República, Graça Freitas foi obrigada a revelar publicamente as
orientações para a festa, mas ficámos sem saber quantas horas de trabalho teve
a DGS de alocar ao evento da Atalaia, em vez de estar concentrada nas escolas
ou nos lares.
Portanto, o ponto
central do Avante! nunca foi se a festa se podia realizar ou não, ou se iria ou
não sair dali um surto, mas se era politicamente razoável avançar no actual
contexto. A resposta é um rotundo “não”. E ele nem precisa de ser dito por mim.
Esse “não” foi dado por uma festa murcha e a meio-gás, que pelo que se viu na
televisão foi composta apenas pelos militantes mais fiéis. Logo, a insistência
no festival foi um triplo desastre para o PCP: em termos de mobilização, em
termos mediáticos e em termos financeiros.
Não havia forma
de se sair bem daqui. Se o Avante! tivesse gente a mais, o PCP estaria a pôr em
causa a saúde do povo; se tivesse gente a menos, seria um fracasso do partido.
Teve gente a menos. Quão menos? Ninguém sabe, porque o PCP não diz. E aqui
entramos noutra das consequências negativas para os comunistas: os jornais
foram olhar para os resultados financeiros das últimas festas e encontraram a
velha opacidade das contas do partido com paredes de vidro.
Segundo o
PÚBLICO, a Festa do Avante! dá prejuízo desde 2014. Só no ano passado foram
mais de 500 mil euros negativos. Este ano, com dez vezes menos visitantes, o
buraco vai ser de quanto? Cinco milhões? Obviamente, isto é ridículo. As contas
do PCP são tão plausíveis quanto a RDA era democrática. Quer em termos
políticos, quer reputacionais, o desastre do Avante! é um facto consumado. Foi
uma burrice a festa, pá.
Jornalista
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