JUSTIÇA
Ex-presidente da Relação de Lisboa investigado por abuso
de poder
Orlando Nascimento está a ser investigado por ter cedido
gratuitamente salão nobre do tribunal para uma arbitragem presidida pelo seu
antecessor. Vaz das Neves vai ser acusado na Operação Lex, mas Ministério
Público vai continuar a investigar intervenção do sucessor em alegados
favorecimentos a Rui Rangel
Mariana Oliveira
15 de Setembro de 2020, 6:44
O ex-presidente
do Tribunal da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, está a ser investigado
por abuso de poder, na sequência de uma participação-criminal feita pelo juiz
que está a conduzir seu processo disciplinar. Em causa está o facto de Orlando
Nascimento ter cedido gratuitamente o salão nobre daquele tribunal para uma
arbitragem presidida pelo seu antecessor, Luís Vaz das Neves, que recebeu 280
mil euros em honorários para decidir este julgamento privado, uma notícia
avançada pelo PÚBLICO em primeira mão.
Os inquéritos
disciplinares a Orlando Nascimento, a Luís Vaz das Neves e a um outro
desembargador, Rui Gonçalves, foram abertos na sequência do envio de
informações por parte dos titulares da Operação Lex, um processo de corrupção
centrado no ex-juiz Rui Rangel e na sua ainda mulher Fátima Galante, que foi
igualmente afastada da magistratura por causa deste caso. Esse inquérito-crime
está terminado e a acusação vai ser conhecida esta semana, sendo certo que há
três antigos ou actuais juízes no rol de acusados, Rangel, Galante e Vaz das
Neves.
Apesar dos
indícios apontarem para suspeitas de viciação na distribuição de três processos
decididos pela Relação de Lisboa, um atribuído como relator a Orlando
Nascimento e outro a Rui Gonçalves, o Ministério Público decidiu não avançar
com imputações contra estes dois juízes no âmbito do Lex. Em alternativa
decidiu continuar a investigar a intervenção destes magistrados, ainda na
Relação de Lisboa, de forma autónoma.
Isto porque o
Ministério Público considerava prioritário avançar com a acusação contra Rangel
e Galante que já foram afastados da magistratura por causa deste caso no final
do ano passado. A acusação está pronta desde Julho, mas o PÚBLICO apurou que se
atrasou devido à necessidade de traduzir as 900 páginas do documento para
espanhol, já que um dos acusados é um economista e advogado daquela
nacionalidade, com escritório em Huelvas, que forneceria informações e
documentos de estrangeiros a Rangel para este se livrar de infracções
rodoviárias.
Tudo indica que
foi o que aconteceu com três multas por excesso de velocidade, em que foram
indicados como autores das infracções cidadãos de nacionalidade marroquina e
equatoriana para convencer as autoridades de que não era Rangel quem ia ao
volante do seu automóvel.
A par de
acusações de corrupção contra Rangel, o Ministério Público irá avançar
igualmente com um pedido de indemnização de cerca de um milhão de euros contra
o principal arguido e vários envolvidos no esquema, valor que considera ter
sido arrecadado ilicitamente.
Apesar dos
inquéritos disciplinares contra Orlando Nascimento, Vaz das Neves e Rui
Gonçalves terem resultado de informações recolhidas na Operação Lex, mais tarde
o âmbito dos processos foi alargado para os dois primeiros. No caso de Orlando
Nascimento foi acrescentada a parte da cedência do salão nobre e relativamente
a Vaz das Neves o facto de este ter alegadamente violado o dever de
exclusividade, já que a lei só permite aos juízes jubilados receber pagamentos
provenientes da magistratura.
Estes processos
ainda estão a decorrer. Tanto no inquérito crime, como no disciplinar, Vaz das
Neves é suspeito de ter ajudado Rui Rangel na escolha de um juiz relator para
decidir um recurso interposto pelo próprio Rangel contra o Correio da Manhã. A
distribuição do caso terá sido viciada, tendo tido como resultado a entrega do
processo a Orlando Nascimento, que liderou o colectivo que condenou o Correio
da Manhã a pagar uma indemnização de 50 mil euros ao magistrado. O dinheiro só
acabou por não ser pago porque o jornal e os jornalistas visados recorreram
para o Supremo Tribunal de Justiça que anulou a anterior decisão e absolveu todos,
como a primeira instância.
Outra
distribuição suspeita é relativa a um recurso do antigo agente do futebol, José
Veiga, que acabou absolvido pela Relação de Lisboa em Julho de 2013, num caso
de fraude fiscal relacionado com a transferência do jogador João Vieira Pinto
para o Sporting. A absolvição de Veiga aconteceu depois de o empresário ter
sido condenado pela primeira instância, em Setembro de 2012. Apenas o
futebolista acabou condenado no caso.
Estranho é que,
em Outubro de 2012, um oficial de justiça que trabalhava com Rui Rangel na
Relação e também é arguido neste caso, recebe um email de José Veiga, de quem
era amigo, sobre o recurso que este pretendia apresentar da condenação. O
oficial de justiça remete de seguida o email para Rangel e para um colega, Rui
Gonçalves, que acabou por ser o juiz relator do caso. A distribuição do caso só
é feita em Janeiro de 2013, ou seja, três meses depois de o email chegar aos
dois juízes da Relação.
tp.ocilbup@arieviloem
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