terça-feira, 15 de setembro de 2020

Ex-presidente da Relação de Lisboa investigado por abuso de poder

 


JUSTIÇA

Ex-presidente da Relação de Lisboa investigado por abuso de poder

 

Orlando Nascimento está a ser investigado por ter cedido gratuitamente salão nobre do tribunal para uma arbitragem presidida pelo seu antecessor. Vaz das Neves vai ser acusado na Operação Lex, mas Ministério Público vai continuar a investigar intervenção do sucessor em alegados favorecimentos a Rui Rangel

 

Mariana Oliveira 15 de Setembro de 2020, 6:44

https://www.publico.pt/2020/09/15/sociedade/noticia/expresidente-relacao-lisboa-investigado-abuso-1931564

 

O ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, está a ser investigado por abuso de poder, na sequência de uma participação-criminal feita pelo juiz que está a conduzir seu processo disciplinar. Em causa está o facto de Orlando Nascimento ter cedido gratuitamente o salão nobre daquele tribunal para uma arbitragem presidida pelo seu antecessor, Luís Vaz das Neves, que recebeu 280 mil euros em honorários para decidir este julgamento privado, uma notícia avançada pelo PÚBLICO em primeira mão.

 

Os inquéritos disciplinares a Orlando Nascimento, a Luís Vaz das Neves e a um outro desembargador, Rui Gonçalves, foram abertos na sequência do envio de informações por parte dos titulares da Operação Lex, um processo de corrupção centrado no ex-juiz Rui Rangel e na sua ainda mulher Fátima Galante, que foi igualmente afastada da magistratura por causa deste caso. Esse inquérito-crime está terminado e a acusação vai ser conhecida esta semana, sendo certo que há três antigos ou actuais juízes no rol de acusados, Rangel, Galante e Vaz das Neves.

 

Apesar dos indícios apontarem para suspeitas de viciação na distribuição de três processos decididos pela Relação de Lisboa, um atribuído como relator a Orlando Nascimento e outro a Rui Gonçalves, o Ministério Público decidiu não avançar com imputações contra estes dois juízes no âmbito do Lex. Em alternativa decidiu continuar a investigar a intervenção destes magistrados, ainda na Relação de Lisboa, de forma autónoma.

 

Isto porque o Ministério Público considerava prioritário avançar com a acusação contra Rangel e Galante que já foram afastados da magistratura por causa deste caso no final do ano passado. A acusação está pronta desde Julho, mas o PÚBLICO apurou que se atrasou devido à necessidade de traduzir as 900 páginas do documento para espanhol, já que um dos acusados é um economista e advogado daquela nacionalidade, com escritório em Huelvas, que forneceria informações e documentos de estrangeiros a Rangel para este se livrar de infracções rodoviárias.

 

Tudo indica que foi o que aconteceu com três multas por excesso de velocidade, em que foram indicados como autores das infracções cidadãos de nacionalidade marroquina e equatoriana para convencer as autoridades de que não era Rangel quem ia ao volante do seu automóvel.

 

A par de acusações de corrupção contra Rangel, o Ministério Público irá avançar igualmente com um pedido de indemnização de cerca de um milhão de euros contra o principal arguido e vários envolvidos no esquema, valor que considera ter sido arrecadado ilicitamente.

 

Apesar dos inquéritos disciplinares contra Orlando Nascimento, Vaz das Neves e Rui Gonçalves terem resultado de informações recolhidas na Operação Lex, mais tarde o âmbito dos processos foi alargado para os dois primeiros. No caso de Orlando Nascimento foi acrescentada a parte da cedência do salão nobre e relativamente a Vaz das Neves o facto de este ter alegadamente violado o dever de exclusividade, já que a lei só permite aos juízes jubilados receber pagamentos provenientes da magistratura.

 

Estes processos ainda estão a decorrer. Tanto no inquérito crime, como no disciplinar, Vaz das Neves é suspeito de ter ajudado Rui Rangel na escolha de um juiz relator para decidir um recurso interposto pelo próprio Rangel contra o Correio da Manhã. A distribuição do caso terá sido viciada, tendo tido como resultado a entrega do processo a Orlando Nascimento, que liderou o colectivo que condenou o Correio da Manhã a pagar uma indemnização de 50 mil euros ao magistrado. O dinheiro só acabou por não ser pago porque o jornal e os jornalistas visados recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça que anulou a anterior decisão e absolveu todos, como a primeira instância.

 

Outra distribuição suspeita é relativa a um recurso do antigo agente do futebol, José Veiga, que acabou absolvido pela Relação de Lisboa em Julho de 2013, num caso de fraude fiscal relacionado com a transferência do jogador João Vieira Pinto para o Sporting. A absolvição de Veiga aconteceu depois de o empresário ter sido condenado pela primeira instância, em Setembro de 2012. Apenas o futebolista acabou condenado no caso.

 

Estranho é que, em Outubro de 2012, um oficial de justiça que trabalhava com Rui Rangel na Relação e também é arguido neste caso, recebe um email de José Veiga, de quem era amigo, sobre o recurso que este pretendia apresentar da condenação. O oficial de justiça remete de seguida o email para Rangel e para um colega, Rui Gonçalves, que acabou por ser o juiz relator do caso. A distribuição do caso só é feita em Janeiro de 2013, ou seja, três meses depois de o email chegar aos dois juízes da Relação.

 

tp.ocilbup@arieviloem

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