terça-feira, 15 de setembro de 2020

Costa, Medina e Vieira ou a cultura da impunidade

 


João Miguel Tavares

OPINIÃO

Costa, Medina e Vieira ou a cultura da impunidade

 

Só um idiota – e deixem-me sublinhar a palavra “idiota” – é que pode achar neste momento que Vieira é um homem impoluto, que está a ser vítima, para usar as suas palavras, de “uma campanha ofensiva e caluniosa”.

 

João Miguel Tavares

15 de Setembro de 2020, 0:00

https://www.publico.pt/2020/09/15/opiniao/opiniao/costa-medina-vieira-cultura-impunidade-1931541

 

No dia 2 de Julho – dois meses e meio antes de António Costa declarar publicamente o seu amor por Luís Filipe Vieira –, a TVI noticiou que o presidente do Benfica iria ser acusado no âmbito da Operação Lex, que envolve Rui Rangel e outros juízes da Relação de Lisboa. A investigação, conduzida por Maria José Morgado, estava terminada, e Vieira acusado do crime de recebimento indevido de vantagem.

 

Segundo a notícia, “Vieira serviu-se da sua posição de poder no Benfica para oferecer cargos no clube a Rangel em troca de favores judiciais para a sua vida pessoal”. Os favores prendiam-se com uma dívida fiscal de 1,6 milhões de euros, a decorrer no tribunal de Sintra, cuja decisão deveria ser favorável a Luís Filipe Vieira. Em troca, segundo escutas no processo envolvendo um advogado e um vice-presidente do Benfica que assumiram o papel de intermediários, Vieira dispunha-se a oferecer a Rangel – caso o juiz resolvesse “o assunto do Luís” – um cargo na direcção do Benfica ou na futura universidade do clube, a instalar no Seixal.

 

A Operação Lex é um dos episódios mais graves da história da democracia portuguesa. O seu impacto é difícil de estimar. Não só porque atinge a cúpula da Relação de Lisboa – ou seja, envolve a compra de vários juízes de um tribunal superior, algo absolutamente inédito –, mas também porque tem implicações em dezenas, senão centenas de acórdãos, que poderão ter sido forjados, com a consequente denegação de justiça. É neste inconcebível caso que Luís Filipe Vieira está envolvido, neste momento como arguido, e muito em breve como acusado.

 

Ora, como é possível que António Costa aceite fazer parte da comissão de honra de um homem que daqui a dias vai ser acusado pela justiça de comprar um juiz? Será que não lê jornais? Aos poucos, Costa tem vindo a ultrapassar linhas vermelhas impensáveis há apenas cinco anos, quando a sombra de Sócrates pairava sobre o PS. Esta é mais uma dessas linhas – e das grossas. É certo que Costa está acompanhado de Fernando Medina, que fez em Lisboa a mesma triste figura que Rui Moreira já tinha feito no Porto, ao integrar as listas de Pinto da Costa. E também dos deputados Duarte Pacheco (PSD) e Telmo Correia (CDS). Todos ajudam a descredibilizar a actividade política. Só que um primeiro-ministro é um primeiro-ministro.

 

A Operação Lex deverá produzir a primeira acusação formal da justiça contra Luís Filipe Vieira. Mas nos últimos anos o nome do presidente do Benfica esteve envolvido em inúmeros escândalos: o caso e-toupeira, o caso Mala Ciao, uma alegada burla ao BPN, o buraco de 600 milhões da Promovalor no BES, a estranhíssima reestruturação da dívida da Promovalor já com o Novo Banco, as recentes suspeitas da Doyen, a OPA ilegal sobre as acções da SAD do Benfica, o papel do “rei dos frangos” no meio de tudo isto. A lista poderia continuar.

 

Luís Filipe Vieira chegou a 2020 no estado em que José Sócrates se encontrava em 2010. São demasiados casos, demasiadas suspeitas comprometedoras, demasiados indícios sólidos e nenhumas boas explicações. Só um idiota – e deixem-me sublinhar a palavra “idiota” – pode achar neste momento que Vieira é um homem impoluto, que está a ser vítima, para usar as suas palavras, de “uma campanha ofensiva e caluniosa”. E se por acaso pensam que estou a chamar idiotas a António Costa, Fernando Medina, Duarte Pacheco ou Telmo Correia, posso garantir que estão enganados. De idiotas eles não têm absolutamente nada.

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