João Miguel
Tavares
OPINIÃO
Costa, Medina e Vieira ou a cultura da impunidade
Só um idiota – e deixem-me sublinhar a palavra “idiota” –
é que pode achar neste momento que Vieira é um homem impoluto, que está a ser
vítima, para usar as suas palavras, de “uma campanha ofensiva e caluniosa”.
João Miguel
Tavares
15 de Setembro de
2020, 0:00
https://www.publico.pt/2020/09/15/opiniao/opiniao/costa-medina-vieira-cultura-impunidade-1931541
No dia 2 de Julho
– dois meses e meio antes de António Costa declarar publicamente o seu amor por
Luís Filipe Vieira –, a TVI noticiou que o presidente do Benfica iria ser
acusado no âmbito da Operação Lex, que envolve Rui Rangel e outros juízes da
Relação de Lisboa. A investigação, conduzida por Maria José Morgado, estava
terminada, e Vieira acusado do crime de recebimento indevido de vantagem.
Segundo a
notícia, “Vieira serviu-se da sua posição de poder no Benfica para oferecer
cargos no clube a Rangel em troca de favores judiciais para a sua vida
pessoal”. Os favores prendiam-se com uma dívida fiscal de 1,6 milhões de euros,
a decorrer no tribunal de Sintra, cuja decisão deveria ser favorável a Luís
Filipe Vieira. Em troca, segundo escutas no processo envolvendo um advogado e
um vice-presidente do Benfica que assumiram o papel de intermediários, Vieira
dispunha-se a oferecer a Rangel – caso o juiz resolvesse “o assunto do Luís” –
um cargo na direcção do Benfica ou na futura universidade do clube, a instalar
no Seixal.
A Operação Lex é
um dos episódios mais graves da história da democracia portuguesa. O seu
impacto é difícil de estimar. Não só porque atinge a cúpula da Relação de
Lisboa – ou seja, envolve a compra de vários juízes de um tribunal superior,
algo absolutamente inédito –, mas também porque tem implicações em dezenas,
senão centenas de acórdãos, que poderão ter sido forjados, com a consequente
denegação de justiça. É neste inconcebível caso que Luís Filipe Vieira está
envolvido, neste momento como arguido, e muito em breve como acusado.
Ora, como é
possível que António Costa aceite fazer parte da comissão de honra de um homem
que daqui a dias vai ser acusado pela justiça de comprar um juiz? Será que não
lê jornais? Aos poucos, Costa tem vindo a ultrapassar linhas vermelhas
impensáveis há apenas cinco anos, quando a sombra de Sócrates pairava sobre o
PS. Esta é mais uma dessas linhas – e das grossas. É certo que Costa está
acompanhado de Fernando Medina, que fez em Lisboa a mesma triste figura que Rui
Moreira já tinha feito no Porto, ao integrar as listas de Pinto da Costa. E
também dos deputados Duarte Pacheco (PSD) e Telmo Correia (CDS). Todos ajudam a
descredibilizar a actividade política. Só que um primeiro-ministro é um
primeiro-ministro.
A Operação Lex
deverá produzir a primeira acusação formal da justiça contra Luís Filipe
Vieira. Mas nos últimos anos o nome do presidente do Benfica esteve envolvido
em inúmeros escândalos: o caso e-toupeira, o caso Mala Ciao, uma alegada burla
ao BPN, o buraco de 600 milhões da Promovalor no BES, a estranhíssima
reestruturação da dívida da Promovalor já com o Novo Banco, as recentes
suspeitas da Doyen, a OPA ilegal sobre as acções da SAD do Benfica, o papel do
“rei dos frangos” no meio de tudo isto. A lista poderia continuar.
Luís Filipe
Vieira chegou a 2020 no estado em que José Sócrates se encontrava em 2010. São
demasiados casos, demasiadas suspeitas comprometedoras, demasiados indícios
sólidos e nenhumas boas explicações. Só um idiota – e deixem-me sublinhar a
palavra “idiota” – pode achar neste momento que Vieira é um homem impoluto, que
está a ser vítima, para usar as suas palavras, de “uma campanha ofensiva e
caluniosa”. E se por acaso pensam que estou a chamar idiotas a António Costa,
Fernando Medina, Duarte Pacheco ou Telmo Correia, posso garantir que estão
enganados. De idiotas eles não têm absolutamente nada.
Sem comentários:
Enviar um comentário