EDITORIAL
NACIONALIDADE
Os avanços e recuos na lei da nacionalidade
Um “português” que desconhece em absoluto a língua não
passará de um titular de um livrinho com a palavra “passaporte” e uma esfera
armilar.
MANUEL CARVALHO
12 de Maio de
2020, 6:54
Há poucas
matérias mais sensíveis e controversas do que uma lei da nacionalidade. É muito
difícil delimitar direitos e obrigações a pessoas com ligações frágeis ou
inexistentes a Portugal ou situar o quadro mínimo de referências culturais que
estão na base de uma pertença à comunidade nacional. É uma daquelas matérias
que, muitas vezes, são mais discutidas ou decididas com a emoção do que com a
razão, que separam ideologias, partidos e gerações, que começam no protótipo de
um certo ser português que não existe ou que acabam numa tolerância que coloca
a concessão da nacionalidade no mesmo nível de exigência que se reclama à venda
de um bilhete de autocarro.
Portugal é um
país onde ao longo da História desaguaram todas as migrações europeias e tem na
sua História séculos de contactos e colonização em diferentes continentes. Não
pode fechar-se sobre si mesmo. Mas, até pelas suas responsabilidades europeias,
não deve escancarar-se em nome de uma suposta generosidade.
A proposta do PS
no grupo de trabalho que se dedica a desenhar uma nova lei revela um sentido de
equilíbrio que vale a pena considerar. Não fecha as portas a novos cidadãos,
recupera outros que em 1975 se viram injustamente privados da cidadania
nacional, principalmente oriundos das ex-colónias, e coloca entraves a
terceiros, os descendentes da diáspora sefardita, que se suspeita procurarem no
passaporte português um salvo-conduto para se movimentarem na União Europeia.
Um bebé que nasce em Portugal no seio de uma família que vive no território
nacional há mais de um ano deve ser português. Um homem ou uma mulher que seja
casado com um cidadão nacional e que tenha filhos comuns em Portugal deve ter
direito à nacionalidade. Um judeu sefardita só deverá ter nacionalidade
portuguesa se residir em Portugal há pelo menos dois anos.
Mas há um dado
que infelizmente parece condenado a desaparecer na nova lei: a garantia de
existência de “laços de efectiva ligação à comunidade nacional” que a
legislação anterior consagrava. Ao contrário das exigências em muitos países,
um cidadão estrangeiro pode em teoria obter a nacionalidade por naturalização
não percebendo uma palavra de português, não sabendo as cores da bandeira ou
qual a capital política e administrativa do país. Se as propostas do PS colocam
alguma sensatez aos excessos do Bloco, PCP e PAN, que pretendem transformar a
atribuição da nacionalidade a um automatismo burocrático, se revelam equilíbrio
sem prescindir da ideia de um país aberto, falta-lhe ainda assim essa dimensão
da memória e da cultura. Um “português” que desconhece em absoluto a língua não
passará de um titular de um livrinho com a palavra “passaporte” e uma esfera
armilar
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