Durante anos, muitos avisaram sistemáticamente, para a dependência total do TURISMO! OVOODOCORVO |
Reportagem por:
Hugo Amaral
“Isto está horrível.” Rua Augusta desespera por clientes
e anseia pela reabertura dos cafés
17 Maio 2020
Numa rua que
depende do turismo, a falta de turistas revela-se um enorme travão à retoma da
atividade de todo o comércio da Rua Augusta. A esperança pode estar na reabertura
de cafés e restaurantes.
Duas semanas
depois do início da primeira fase de desconfinamento e abertura gradual das
lojas, o regresso à atividade comercial parece fazer-se a duas velocidades na
cidade de Lisboa.
Num bairro como o
de Alvalade, a agitação fez-se notar no comércio local logo nos primeiros dias.
As pessoas saíram à rua em busca dos mais variados serviços e deste ou daquele
artigo que não puderam comprar durante as semanas em que o comércio esteve
fechado. Na Rua Augusta, zona fortemente dependente do fluxo turístico, a
realidade é bem diferente e esse “fluxo”, nem vê-lo. O movimento entre o
Terreiro do Paço e o Rossio é escasso, muitas lojas ainda estão fechadas, e as
que abriram desesperam com a falta de clientes.
“Veja como é que
isto está! Eu só abri porque fui obrigado…acabei de fazer contas e em relação
ao mesmo período do ano passado vendemos menos 85%” conta José Quadros,
proprietário da Londres Salão, uma loja de tecidos quase no final da Rua
Augusta, antes de chegar ao Rossio. Ali, o atendimento é feito a duas pessoas
de cada vez, repartido pelos dois balcões da loja que mantém grande parte do
mobiliário original, já com algumas dezenas de anos, mas impecavelmente
conservado. Na entrada existe um instrumento de desinfeção para as mãos que é
acionado com o pé num investimento que custou cerca de 250€.
“Tínhamos cinco
pessoas a trabalhar na loja mas neste momento só estão duas em part-time, numa
espécie de lay-off parcial que lhes permite recuperar um pouco do seu ordenado.
As outras três estão em lay-off total” conta José Quadros. E o que espera daqui
para a frente? “Nós vivemos muito de casamentos, batizados e cerimónias. Tudo
isso foi adiado para setembro e outubro. Se houver uma segunda onda do surto,
vai ser dramático! Mas para mim o mais grave tem a ver com as linhas de
crédito. Candidatámo-nos a linhas de crédito aprovadas por dois bancos a 18 de
abril. Agora em maio dizem-nos que não há dinheiro! Se o dinheiro não chega às empresas,
ninguém vai aguentar se a pandemia se prolongar por muito tempo” desabafa o
proprietário da loja ao ECO.
Apesar disso,
José tem esperança que a abertura das pastelarias e restaurantes da zona,
autorizada a partir do dia 18, possa “trazer mais vida” à Rua Augusta e,
consequentemente, mais clientes.
Umas portas mais
abaixo, depois de passar por algumas lojas ainda fechadas, Lurdes Leal, gerente
da Pé de Meia, partilha o mesmo sentimento. “Penso que a partir desta semana
com a abertura dos cafés e restaurantes as pessoas são capazes de se deslocar
mais à Baixa”. E como está o negócio? Lurdes encolhe os ombros e o olhar
resignado por cima da máscara que lhe cobre o rosto diz quase tudo. “Está muito
fraco. A Baixa vive à custa do turismo e agora não há turistas…e como muitos
portugueses estão em lay-off e outros ficaram desempregados, perderam o poder
de compra”, lamenta.
É por isso que
algumas das lojas que se encontram abertas desde o dia 4 de maio foram forçadas
a adotar estratégias de incentivo para atrair clientes. E por estratégia
entendem-se saldos e promoções. A Pé de Meia vende meias de fabrico
exclusivamente português. Quatro pares de meias custam cinco euros. É a
promoção que está a fazer neste momento. Mas não é preciso percorrer muitos
metros na Rua Augusta para encontrar lojas com descontos que, em alguns casos,
podem chegar a 50% do preço do artigo.
Até os sapatos e
malas vão de quarentena
“O pouco que se
está a vender é a clientes portugueses. Ainda num dia destes uma senhora
comprou uma mala porque, por acaso, veio aqui à Baixa ao dentista e entrou na
loja” conta Leonor Alves, funcionária da Casa Canadá, uma loja de malas e
sapatos, uma dúzia de passos mais abaixo. Normalmente estariam quatro pessoas a
trabalhar mas por estes dias só estão duas e com um horário mais reduzido
porque “não compensa estar aberto tanto tempo”.
Mas, apesar de
estar aberta menos tempo, as medidas de proteção e higienização na loja são uma
prioridade. Na Casa Canadá, à semelhança de outras, o atendimento é feito com
máscara e luvas de proteção, gel desinfetante na entrada e marcas no chão a
indicar o distanciamento entre clientes. Ali, os teclados, telefones e terminal
multibanco estão cuidadosamente embrulhados em plástico aderente e até os
artigos passam por uma espécie de quarentena. “As peças [sapatos e malas] que
as pessoas mexem vão de quarentena para o armazém durante 72 horas porque
nestes produtos de pele não se pode usar líquidos. Mas as pessoas têm sido
conscientes e não mexem muito nos artigos” conta Leonor atrás do balcão.
E o que espera
daqui para a frente? “Nem sei. Tenho esperança que assim que abram as fronteiras
isto melhore, mas acho que as pessoas estão um bocadinho receosas. Se começa
tudo a sair ao mesmo tempo, por muito cuidado que se tenha, pode não ser
suficiente”.
Logo a seguir a
um amontoado de cadeiras e mesas de esplanada à espera que um dia voltem as ser
usadas, a Sapataria e Chapelaria Lord espera por clientes. Mas a loja
está…vazia. “Isto está horrível! Não se vê ninguém na rua. Quem viu a Rua
Augusta e quem a vê agora…isto nem aos domingos era assim. O comércio nesta rua
depende muito do turismo, mas mesmo não havendo turismo, havia sempre as
pessoas que trabalham na Baixa. Mas agora nem os meus clientes da hora de
almoço vejo!” conta Paula Lourenço, a encarregada da loja, depois de arrumar algumas
caixas de sapatos acabadas de chegar.
E também aqui se
faz um incentivo ao consumo desde que reabriu a loja: promoção de 20% em todos
sapatos de senhora. E a abertura dos cafés da zona ajuda no incentivo? “Penso
que vai trazer um pouco mais de gente. Se as pessoas vêm para a rua e se não
houver um sítio para comer ou beber um café, as pessoas deixam de vir” afirma
ao ECO.
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