segunda-feira, 18 de maio de 2020

“Isto está horrível.” Rua Augusta desespera por clientes e anseia pela reabertura dos cafés

Durante anos, muitos avisaram sistemáticamente,  para a dependência total do TURISMO!
OVOODOCORVO

Reportagem por:
Hugo Amaral
“Isto está horrível.” Rua Augusta desespera por clientes e anseia pela reabertura dos cafés
17 Maio 2020



Numa rua que depende do turismo, a falta de turistas revela-se um enorme travão à retoma da atividade de todo o comércio da Rua Augusta. A esperança pode estar na reabertura de cafés e restaurantes.

Duas semanas depois do início da primeira fase de desconfinamento e abertura gradual das lojas, o regresso à atividade comercial parece fazer-se a duas velocidades na cidade de Lisboa.

Num bairro como o de Alvalade, a agitação fez-se notar no comércio local logo nos primeiros dias. As pessoas saíram à rua em busca dos mais variados serviços e deste ou daquele artigo que não puderam comprar durante as semanas em que o comércio esteve fechado. Na Rua Augusta, zona fortemente dependente do fluxo turístico, a realidade é bem diferente e esse “fluxo”, nem vê-lo. O movimento entre o Terreiro do Paço e o Rossio é escasso, muitas lojas ainda estão fechadas, e as que abriram desesperam com a falta de clientes.

“Veja como é que isto está! Eu só abri porque fui obrigado…acabei de fazer contas e em relação ao mesmo período do ano passado vendemos menos 85%” conta José Quadros, proprietário da Londres Salão, uma loja de tecidos quase no final da Rua Augusta, antes de chegar ao Rossio. Ali, o atendimento é feito a duas pessoas de cada vez, repartido pelos dois balcões da loja que mantém grande parte do mobiliário original, já com algumas dezenas de anos, mas impecavelmente conservado. Na entrada existe um instrumento de desinfeção para as mãos que é acionado com o pé num investimento que custou cerca de 250€.

“Tínhamos cinco pessoas a trabalhar na loja mas neste momento só estão duas em part-time, numa espécie de lay-off parcial que lhes permite recuperar um pouco do seu ordenado. As outras três estão em lay-off total” conta José Quadros. E o que espera daqui para a frente? “Nós vivemos muito de casamentos, batizados e cerimónias. Tudo isso foi adiado para setembro e outubro. Se houver uma segunda onda do surto, vai ser dramático! Mas para mim o mais grave tem a ver com as linhas de crédito. Candidatámo-nos a linhas de crédito aprovadas por dois bancos a 18 de abril. Agora em maio dizem-nos que não há dinheiro! Se o dinheiro não chega às empresas, ninguém vai aguentar se a pandemia se prolongar por muito tempo” desabafa o proprietário da loja ao ECO.

Apesar disso, José tem esperança que a abertura das pastelarias e restaurantes da zona, autorizada a partir do dia 18, possa “trazer mais vida” à Rua Augusta e, consequentemente, mais clientes.



Umas portas mais abaixo, depois de passar por algumas lojas ainda fechadas, Lurdes Leal, gerente da Pé de Meia, partilha o mesmo sentimento. “Penso que a partir desta semana com a abertura dos cafés e restaurantes as pessoas são capazes de se deslocar mais à Baixa”. E como está o negócio? Lurdes encolhe os ombros e o olhar resignado por cima da máscara que lhe cobre o rosto diz quase tudo. “Está muito fraco. A Baixa vive à custa do turismo e agora não há turistas…e como muitos portugueses estão em lay-off e outros ficaram desempregados, perderam o poder de compra”, lamenta.

É por isso que algumas das lojas que se encontram abertas desde o dia 4 de maio foram forçadas a adotar estratégias de incentivo para atrair clientes. E por estratégia entendem-se saldos e promoções. A Pé de Meia vende meias de fabrico exclusivamente português. Quatro pares de meias custam cinco euros. É a promoção que está a fazer neste momento. Mas não é preciso percorrer muitos metros na Rua Augusta para encontrar lojas com descontos que, em alguns casos, podem chegar a 50% do preço do artigo.



Até os sapatos e malas vão de quarentena
“O pouco que se está a vender é a clientes portugueses. Ainda num dia destes uma senhora comprou uma mala porque, por acaso, veio aqui à Baixa ao dentista e entrou na loja” conta Leonor Alves, funcionária da Casa Canadá, uma loja de malas e sapatos, uma dúzia de passos mais abaixo. Normalmente estariam quatro pessoas a trabalhar mas por estes dias só estão duas e com um horário mais reduzido porque “não compensa estar aberto tanto tempo”.

Mas, apesar de estar aberta menos tempo, as medidas de proteção e higienização na loja são uma prioridade. Na Casa Canadá, à semelhança de outras, o atendimento é feito com máscara e luvas de proteção, gel desinfetante na entrada e marcas no chão a indicar o distanciamento entre clientes. Ali, os teclados, telefones e terminal multibanco estão cuidadosamente embrulhados em plástico aderente e até os artigos passam por uma espécie de quarentena. “As peças [sapatos e malas] que as pessoas mexem vão de quarentena para o armazém durante 72 horas porque nestes produtos de pele não se pode usar líquidos. Mas as pessoas têm sido conscientes e não mexem muito nos artigos” conta Leonor atrás do balcão.

E o que espera daqui para a frente? “Nem sei. Tenho esperança que assim que abram as fronteiras isto melhore, mas acho que as pessoas estão um bocadinho receosas. Se começa tudo a sair ao mesmo tempo, por muito cuidado que se tenha, pode não ser suficiente”.

Logo a seguir a um amontoado de cadeiras e mesas de esplanada à espera que um dia voltem as ser usadas, a Sapataria e Chapelaria Lord espera por clientes. Mas a loja está…vazia. “Isto está horrível! Não se vê ninguém na rua. Quem viu a Rua Augusta e quem a vê agora…isto nem aos domingos era assim. O comércio nesta rua depende muito do turismo, mas mesmo não havendo turismo, havia sempre as pessoas que trabalham na Baixa. Mas agora nem os meus clientes da hora de almoço vejo!” conta Paula Lourenço, a encarregada da loja, depois de arrumar algumas caixas de sapatos acabadas de chegar.

E também aqui se faz um incentivo ao consumo desde que reabriu a loja: promoção de 20% em todos sapatos de senhora. E a abertura dos cafés da zona ajuda no incentivo? “Penso que vai trazer um pouco mais de gente. Se as pessoas vêm para a rua e se não houver um sítio para comer ou beber um café, as pessoas deixam de vir” afirma ao ECO.

Cátia, sub-gerente da loja Seaside, já a caminho do Terreiro do Paço, tem a mesma esperança e não é só ela… “até os clientes que aqui entram perguntam quando abrem os cafés e os restaurantes”. Enquanto os turistas não chegam, este poderá ser o elemento motivador para trazer de novo as pessoas à Rua Augusta depois de iniciada a segunda fase de desconfinamento, já esta segunda-feira.

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