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NOVO BANCO
Centeno fica a prazo, depois de Marcelo lhe apontar a
saída
Desta vez, a sintonia entre o Presidente e o
primeiro-ministro foi total e o dia acabou com uma longa reunião de Costa com o
ministro das Finanças. No Parlamento, a oposição falou de remodelação em
directo. Mas ainda não foi desta que Centeno saiu.
Leonete Botelho e
Marta Moitinho Oliveira 13 de Maio de 2020, 23:39
O Presidente da
República deu nesta quarta-feira um pontapé de saída de Mário Centeno do
Governo, ao desautorizá-lo em directo por causa da injecção de capital ao Novo
Banco e ao lado de um primeiro-ministro com o qual o ministro das Finanças
entrou publicamente em rota de colisão.
Pelas 23h desta
quarta-feira, António Costa e Mário Centeno acabaram, sorridentes, uma reunião
de cerca de três horas em São Bento, da qual saiu um comunicado a informar que
o primeiro-ministro mantém a confiança pessoal e política no seu ministro das
Finanças, com quem discutiu a reunião de sexta-feira do Eurogrupo e a
elaboração do Orçamento Suplementar que o Governo pretende apresentar em Junho.
O comunicado diz
ainda que ficou esclarecida a “falha de informação atempada do
primeiro-ministro” sobre a transferência dos 850 milhões de euros para o Novo
Banco. Foi o ponto final possível, para já, numa novela cuja trama se adensou
quando Marcelo deu publicamente razão a António Costa.
“O senhor
primeiro-ministro esteve muito bem no Parlamento, quando disse que fazia
sentido que o Estado cumprisse as suas responsabilidades, mas naturalmente se
conhecesse previamente a conclusão da auditoria” ao Novo Banco, afirmou o
Presidente da República, após a visita que fez com o líder do executivo à
fábrica da Volkswagen em Palmela. Desta vez, a sintonia entre Marcelo Rebelo de
Sousa e António Costa foi à prova de bala, a ponto de o chefe de Governo ter
aproveitado a mesma ocasião – para dar um empurrão à recandidatura
presidencial.
Privilegiando a
vertente política em relação à explicação técnica dada por Mário Centeno pouco
antes no Parlamento, Marcelo foi claro: “É politicamente diferente o Estado
assumir responsabilidades dias antes de a auditoria ser conhecida ou a
auditoria ser conhecida dias antes de o Estado assumir responsabilidades”.
“Mário Centeno
quer sair do Governo e António Costa quer que ele saia”, ouviu o PÚBLICO junto
de fonte próxima do primeiro-ministro e do Presidente da República, que
sublinha que “Centeno sai muito ferido desta história”.
No entanto,
fontes próximas do também presidente do Eurogrupo afirmavam durante a tarde ao
PÚBLICO que, se o ministro saísse agora, sairia com o ónus de ter feito uma
transferência de 850 milhões de euros sem o aval do primeiro-ministro, quando a
injecção no Novo Banco estava prevista desde o início de Abril e estava
inscrita no Orçamento do Estado para 2020, que entrou em vigor há pouco tempo.
Parlamento ao
rubro
As declarações do
chefe de Estado caíram como uma bomba nos meios políticos. De manhã, no
Parlamento, o ministro das Finanças tinha dito que a transferência de capital
“não foi feita à revelia de ninguém”, depois de dias antes ter admitido
tratar-se de uma “falha de comunicação”.
Marcelo puxou as
orelhas a Centeno pouco depois, à hora do almoço, mesmo antes do debate de
actualidade pedido por alguns partidos sobre a polémica injecção de capital no
Novo Banco, onde foi o secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix, a dar
o corpo às balas.
Os partidos não
hesitaram em fragilizar o Governo. “Ou estamos a assistir a uma remodelação em
directo e o ministro das Finanças sairá do Governo porque considera o seu
primeiro-ministro ‘irresponsável’; ou já assistimos a uma remodelação e o
ministro das Finanças passou a dirigir o Governo”, disse a bloquista Mariana
Mortágua.
Ao final da tarde
foi Rui Rio, presidente do PSD, a pedir a cabeça de Centeno. O ministro das
Finanças “não tem condições para continuar” no Governo e, se estivesse no lugar
do primeiro-ministro, o governante, “se não se demitisse, seria demitido”,
disse Rio.
Pouco depois, o
líder do CDS desafiou Costa a dizer se mantinha a confiança em Centeno - e
Costa fez-lhe a vontade -, mas foi sobretudo Marcelo que Francisco Rodrigues
dos Santos visou: “Seria prudente que neste processo o Presidente da República
zelasse pelo regular funcionamento das instituições e evitasse ser arrastado
para o conflito, não lhe cabendo coordenar o Governo.”
Apesar do escalar
da tensão, ao longo da tarde o PS foi pondo água na fervura. Primeiro foi o
presidente do partido, Carlos César, que na TSF falou em “novelas” sobre a
relação entre o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, “que nunca foram
nem são baseadas em factos reais, procuram apenas cavar divergências dentro do
Governo”.
Já depois de Rio
falar, o PS voltou a sair em defesa do ministro das Finanças. “As declarações
de Rui Rio são abusivas relativamente ao que se passou no debate parlamentar
desta tarde, o debate não passou por saber se o dr. Mário Centeno iria
continuar ou não como ministro das Finanças”, afirmou o vice-presidente da
bancada socialista João Paulo Correia, elogiando como “notável” o trabalho do
ministro das Finanças, tendo em conta os números das contas públicas e do
crescimento económico.
A possível saída
de Mário Centeno já foi dada como certa em momentos anteriores. O ministro é o
nome mais falado para substituir Carlos Costa como governador do Banco de
Portugal. E os calendários jogam a seu favor. O mandato de Carlos Costa termina
em Julho, mês em que também chega ao fim o mandato de Centeno no Eurogrupo.
No entanto, a ida
de Centeno para o Banco de Portugal era nesta quarta-feira vista como mais
difícil. Esta situação mostra que Mário Centeno “não tem idoneidade” para ser
governador do Banco de Portugal, defendeu o eurodeputado do PSD Paulo Rangel.
Costa lança
recandidatura de Marcelo
Se o Presidente
da República deixou explícito o apoio ao primeiro-ministro, Costa tinha
começado por dar um empurrão à recandidatura de Marcelo com o seu apoio
implícito. Numa declaração que surpreendeu tudo e todos – incluindo Marcelo – ,
recordou que as visitas conjuntas de ambos à Autoeuropa já se tinham
transformado numa “nova tradição”.
“Foi assim em
2016, no primeiro ano de mandato do Presidente da República, e foi agora no
último ano do seu actual mandato. Tenho uma boa data simbólica a propor para
fazermos uma terceira visita em conjunto e para partilharmos uma refeição com
os colaboradores da Autoeuropa: no primeiro ano do próximo mandato do senhor
Presidente da República”, declarou António Costa.
A máscara de protecção
não deixou perceber a expressão de Marcelo, mas o PÚBLICO sabe que ficou
surpreendido. Aos jornalistas, afirmou ser prematuro falar da recandidatura e
que ninguém se pode “substituir à vontade do povo português”, mas acabou por
reconhecer que “a vontade de todos nós é estarmos cá e fazermos o que temos de
fazer para que aquilo que é o exemplo da Autoeuropa, foi em 2016 e é hoje, seja
em 2021, 2022, 2023 e por aí adiante”.
“Nós vamos
ultrapassar esta pandemia e os efeitos económicos e sociais este ano, no ano
que vem, nos anos próximos. E eu cá estarei, e cá estaremos todos, porque isto
é um espírito de equipa que se formou e que nada vai quebrar. Cá estaremos este
ano e nos próximos anos a construir um Portugal melhor”, declarou Marcelo, com
António Costa ao seu lado.
Se as declarações
de António Costa foram entendidas como uma manobra de diversão em relação ao
escaldante tema Centeno/Novo Banco, acabaram por representar um apoio à
recandidatura do actual Presidente, pois retiram espaço ao surgimento de
qualquer eventual candidatura a Belém na área socialista. A partir de agora,
quem avançar contra Marcelo está também a avançar contra Costa.
“O espaço de
manobra dos adversários, se já era reduzido, fica agora reduzidíssimo”, disse
ao PÚBLICO um conselheiro de Estado, salientando que “o país adora este bloco
central institucional” que saiu reforçado com a pandemia e que “é muito útil”,
tanto ao primeiro-ministro como ao Presidente da República. Ainda que seja
pouco mais do que um “casamento de conveniência”. com Sofia Rodrigues e
Margarida Gomes
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