OPINIÃO
CORONAVÍRUS
Palmas? Não é caso para isso
Fazer parte de uma união monetária não é isto. Integrar
uma união assente na partilha de soberania e, portanto, de destino, também não.
TERESA DE SOUSA
12 de Abril de
2020, 7:00
1. Percebem-se as
palmas. Depois de 16 horas de febris negociações, o Eurogrupo tinha alguma
coisa para apresentar. Deve ter sido um enorme alívio para a maioria dos
ministros das Finanças do euro e para Mário Centeno. A ausência de resultados
seria um sinal catastrófico. 540 mil milhões são um número que dá, pelo menos,
bons títulos. Cada um dos ministros pode apresentar os resultados como uma
vitória. Não é nada que não costume acontecer nos dias normais da vida União
Europeia. O problema é que não vivemos dias normais. Não foi preciso muito
tempo para que as críticas começassem a ser surgir. Na sua maioria,
absolutamente pertinentes. Que podem resumir-se numa frase: foi um começo, mas
muita coisa é ainda preciso fazer para resgatar a economia europeia quando a
pandemia abrandar.
O Eurogrupo
confirmou o recurso a linhas de crédito – sublinho, crédito – fornecidas pelo
Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) que podem ir até 2% do PIB de cada
Estado-membro que decida utilizá-las (240 mil milhões de euros). A decisão já
estava praticamente tomada no Eurogrupo anterior, embora a questão da
condicionalidade tenha sido aliviada. Embora não tenha desaparecido. Além
disso, este crédito destina-se apenas a despesas directa ou indirectamente
relacionadas com os serviços de saúde. A grande conquista foi a palavra
“indirectamente”. O programa SURE, delineado por Ursula von der Leyen, foi
adoptada, permitindo o recurso a 100 mil milhões para os custos de layoff e de
horários reduzidos para manter as pessoas empregadas. Finalmente, a segunda
“tranche” também já estava prevista: empréstimos facilitados do BEI da ordem
dos 200 milhões para as PME com uma garantia europeia de 25 mil milhões.
A novidade mais
importante, mas também a mais decepcionante, é a referência vaga a um fundo
destinado ao relançamento da economia europeia gerido pela Comissão, mas cujo
financiamento não se sabe exactamente qual será. A emissão de dívida conjunta
para cada país poder financiar essa reconstrução foi mais uma vez adiada. Ou,
para sermos mais rigorosos, devolvida às mãos de quem tem a responsabilidade
máxima de decidir – o Conselho Europeu. Está já anunciada uma reunião de
líderes para 23 de Abril. A maior parte do caminho está ainda apor fazer.
2. Numa coluna de
opinião publicada há uma semana no Guardian, o historiador britânico Timothy
Garton Ash manifesta ainda uma derradeira esperança, que resume logo no título:
“A União Europeia pode emergir mais forte da pandemia se Merkel estiver à altura
do momento.” Recorda o discurso da chanceler ao país, que foi “uma lição de
democracia, de solidariedade e de responsabilidade individual, feito com o
cérebro de uma cientista e o coração da filha de um pastor”. Faz apenas um
reparo. “Só faltou uma coisa. A palavra ‘Europa’”. Merkel tem pela frente dois
testes fundamentais, diz o historiador de Oxford. “pode ajudar a Europa a
passar o teste da Hungria, porque a CDU é o partido mais poderoso do PPE”,
tendo nas suas mãos a possibilidade de finalmente expulsar o Fidesz de Viktor
Órban. Este é o teste “mais fácil”. O mais difícil é aquele a que chama de
“teste italiano”. “Se a zona euro – e, portanto, a Europa –quer recuperar a
saúde económica, o Governo italiano e outros governos da Europa do Sul têm de conseguir
dinheiro usando a credibilidade financeira da Alemanha e de outros países do
Norte da Europa”. O debate, ao contrário do que por vezes se pensa, também
divide a Alemanha ou, mais exactamente, a sua elite. Seis eminentes economistas
alemães já defenderam que o relançamento da economia europeia devia incluir a
emissão de 1 bilião (1 trilião, em inglês) em eurobonds garantidos pelos
governos da zona euro. O grupo de economistas que aconselha o Governo alemão
está dividido.
Regressemos a
TGA. “Merkel tem uma última e inesperada oportunidade para ficar na História
como a grande arquitecta de uma União Europeia mais forte.” Essa oportunidade
é-lhe dada numa altura em que já entrara no seu ocaso político (tinha anunciado
que sairia depois de cumprir o seu quarto mandato) por uma tempestade
devastadora que ela própria classificou como a maior crise que a Europa
enfrenta desde a II Guerra.
3. Há sinais de
que o desejo do historiador britânico se pode transformar em realidade? É a
única esperança que temos. Numa entrevista à agência Lusa, António Costa fez
críticas contundentes a alguns governos europeus, mais duras do que lhe tem
sido habitual. Em resumo, disse o seguinte. O BCE reagiu com prontidão,
travando a subida dos juros da dívida dos países da Europa do Sul, que já
estava a acontecer. A Comissão e o Parlamento Europeu, dentro dos poderes de
que dispõem, revelaram o mesmo sentido de urgência. O problema não está em
Bruxelas, está sim em algumas capitais que paralisam a União. António Costa
interroga-se sobre se o Conselho Europeu vai continuar refém de uma minoria, da
qual fazem parte governos que estão, por sua vez, reféns de calendários
eleitorais. A Holanda volta a estar na linha de mira. “Precisamos de saber se
podemos continuar com 27 [países] na União Europeia, com 19 na zona euro, ou se
há quem queira sair”. “Naturalmente, estou a referir-me à Holanda”,
acrescentou. Há uma nuance importante que se mantém quase desde o inicio da
crise – a posição da Alemanha não é exactamente a mesma que a dos Países
Baixos, que contam apenas com o apoio indefectível da Áustria e da Finlândia.
Sinal disso é o esforço conjunto entre os ministros das Finanças da Alemanha e
da França para chegarem a um entendimento sobre o fundo de recuperação.
A irritação do
primeiro-ministro foi, provavelmente, desencadeada por um anúncio no mínimo
estranho: perante os resultados do Eurogrupo, ainda manifestamente
insuficientes, foi convocado um Conselho Europeu para o dia… 23 de Abril.
Urgência? Qual urgência?
4. O que António
Costa tem com certeza na cabeça é o que aconteceu a partir de 2009, ainda que
em circunstância muito diversas, quando a Grécia caminhava para a bancarrota.
Os mercados financeiros deixaram de olhar para a zona euro como um todo,
passando a cobrar taxas de juro cada vez mais altas aos países com maiores
fragilidades para enfrentar a crise financeira, até torná-las insustentáveis.
Vieram depois os “programas de ajustamento”, as “troikas” e a austeridade.
Recuperar a credibilidade externa foi uma longa e árdua tarefa para alguns
desses países. Portugal foi um caso exemplar. Noutra entrevista, António Costa
foi taxativo: não haverá em Portugal novo programa de austeridade.
As decisões do
Eurogrupo ainda não merecem palmas, mesmo que possam “encher o olho”. São um
paliativo para enfrentar o tremendo esforço que cada país está a fazer para
travar a pandemia. Não garantem, nem pouco mais ou menos, que esta crise, por
maioria de razão, leve à mesma reacção dos mercados. As economias europeias podem
sofrer este ano uma contracção da ordem dos 7 a 10 por cento do PIB. É disto
que estamos a falar. “Estar no mesmo barco”, como refere o historiador de
Oxford, não é isto. Fazer parte de uma união monetária não é isto. Integrar uma
união assente na partilha de soberania e, portanto, de destino, também não.
5. Enquanto se
fazem contas aos custos económicos e sociais da pandemia, convém não esquecer
os seus custos políticos. Numa sondagem realizada ainda em Março mais de 80 por
cento dos italianos responderam que a Europa não estava a apoiar a Itália – uma
constatação óbvia. O problema é que 65 por cento viam a pertença à União como
uma desvantagem. Não nos deixemos enganar pelo apoio que Giuseppe Conte ainda
mantém nas sondagens. Os dois partidos que estão a subir na preferência dos
italianos são a Liga de Salvini e os Irmãos de Itália, um pequeno partido que
consegue situar-se ainda mais à direita. Mark Rutte pode estar preocupado com
as eleições no seu país. Devia estar muito preocupado com as eleições em Itália.
A crise anterior deu origem a uma vaga crescente de partidos populistas e
nacionalistas em quase todos os países europeus. Parecia mais ou menos contida.
Seria avisado não criar as condições para que regresse em força. É também por
isso que esta crise é uma prova de vida para a União Europeia.
The EU can emerge stronger from the pandemic if
Merkel seizes the moment
Timothy
Garton Ash
One member state has become a dictatorship as
others spiral into debt. Germany must lead through the coronavirus crisis
@fromTGA
Mon 6 Apr
2020 15.30 BSTLast modified on Mon 6 Apr 2020 19.26 BST
“Europe will be forged in crises,” said Jean
Monnet, one of the founding fathers of the European Union, “and will be the sum
of the solutions adopted for those crises.” What kind of Europe emerges from
the coronavirus crisis will depend on the answers given to three tests.
First, the
Hungarian test: can a dictatorship be a member of the EU? Even before this
year, Viktor Orbán and his Fidesz party had so far eroded democracy in Hungary
that the country would not qualify for admission to the EU if it were a
candidate for membership. He has now used the coronavirus pandemic as
justification to take sweeping emergency powers, allowing him to rule by decree
for an unlimited period. Hungary is – for the duration of these powers – a
dictatorship. Monnet also said a dictatorship cannot be a member of the
European Community (which subsequently became the EU). Today, one is.
The
sanctions available to EU institutions are slow and complex, but there is one
organisation that can and should act decisively now: the European People’s
party (EPP), the hugely influential centre-right grouping to which Fidesz still
effectively belongs. (Although the party is notionally suspended, Fidesz MEPs
still operate as part of the EPP group in the European parliament.) The EPP
should have kicked Fidesz out long ago. Instead, it has pursued a policy of
appeasement. If it does not expel the Hungarian dictator’s party now, it will
lose any last shreds of credibility. When EPP politicians make fine speeches
about democracy, the rule of law and European values, young Europeans will be
more than justified in shouting: you utter hypocrites!
Next, the
Italian test. Is there solidarity in the heart of Europe? Will the eurozone
enable its hardest-hit member states to recover? Last month we watched with
horror as one of the most highly developed parts of our continent, with one of
the best health services, was overwhelmed by the pandemic. When Italy emerges
from this Gehenna, it will face a huge challenge of economic recovery,
handicapped by the fact it already has one of the eurozone’s heaviest burdens
of national debt. Its ability to borrow the large sums needed will depend on
the credibility of mutual support inside the eurozone.
Even before
the pandemic, Italy had gone from being one of the most Europhile countries in
the EU to one of the most Eurosceptic. The crisis has exacerbated these
feelings. In one poll conducted early last month, 88% of Italians said they
felt that Europe was not supporting Italy, and a staggering 67% said they saw
EU membership as a disadvantage. There is a European Union without Britain.
There is no European Union without Italy.
And
finally, there is the test facing Germany: can it save the day? Will Europe’s
central power finally face up to the logic of a monetary union from which it
has very significantly benefitted? Germany has produced the most impressive
national response to the pandemic of any democracy outside Asia. Its provision
of large-scale testing, ventilators and critical care beds shows the advantages
of having both good public services and a strong medical industry. Angela
Merkel gave an outstanding television address to the nation – a lecture on
democracy, solidarity and individual responsibility, delivered with the brain
of a scientist and the heart of a pastor’s daughter. Only one thing was
missing. The word “Europe” was not mentioned.
In the
meantime, Germany has shown solidarity with its hard-pressed European
neighbours, sending consignments of face masks to Lombardy and transporting
critically ill Italian and French patients to German hospitals. But it is in
responding to the economic and political crisis that German leadership is
really called for.
Germany can
help Europe pass the Hungarian test, not least because Merkel’s Christian
Democrats are the most powerful party in the EPP. Now they must surely come out
for the expulsion of Fidesz. All the candidates to succeed Merkel as leader of
the Christian Democrats should be asked where they stand on this.
It is in
meeting the Italian test, however, that Germany’s contribution will be decisive.
As one recent headline put it, Italy’s future is in German hands. If the
eurozone – and therefore Europe – is to recover economic health, the Italian
government and other southern European governments must be able to borrow money
using the financial credibility of Germany and other northern European states.
In the dry jargon, there would be “debt mutualisation”. Next to Italy, Spain
has been hardest hit by the crisis. The Spanish prime minister, Pedro Sánchez,
has talked of the need for Europe to build a “wartime economy” and appealed for
a new intra-European Marshall plan.
Seven
leading German economists have cogently argued that this recovery plan should
include the issuance of €1tn of community bonds, jointly guaranteed by all
eurozone governments. Unlike the eurobonds discussed after the financial
crisis, this would be new money, dedicated to addressing the results of a
disaster for which no southern European government could possibly be held
responsible. To ask how precisely this support is best given would take us into
the acronymic weeds of ECB, EIB, ESM and even EFSM (don’t ask). But the basic
question is simple: having cast aside its own fiscal taboos (“debt brake”,
“black zero”) to help itself out, to the tune of what may well turn out to be
close to €1tn, is Germany prepared to do a fraction of that to help other
countries in the same boat? In the case of a monetary union, “the same boat” is
not just a loose metaphor. Whatever package European leaders agree upon this
week, it must be big, and be seen to be big.
Germany’s
leading tabloid, Bild, recently published an open letter to Italy headed “We
are with you!” It praised Italy for having brought “good food” to Germany and
concluded: “Ciao, Italia. We’ll see you again shortly. Here’s to an espresso, a
vino rosso, whether on holiday or in the pizzeria.” An interesting idea of
solidarity. A few days earlier, the same paper published an article headlined
“What will become of the euro? Debt mutualisation is threatened.” Dear Bild
reader, what Italy needs is not your custom over a holiday espresso in Tuscany,
charming though that would doubtless be, but the mutualisation of debt, as a
necessary consequence of a European monetary union from which you, dear Bild
reader, have benefitted greatly.
There is
one person in Europe who can both take and defend the necessary actions:
Chancellor Merkel. Last year, I argued that Germany needed a change of
government, because the grand coalition was exhausted and was strengthening the
political extremes in opposition to it. That is out of the question now, in the
middle of a force-10 storm. Instead, Merkel has an unexpected last chance to go
down in history as a major architect of a stronger European Union. Bismarck
said a politician’s task is to hear God’s footsteps advancing through history,
and then jump to hang on to his coattails. That coat is passing now.
Timothy
Garton Ash is a Guardian columnist
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