ANÁLISE
O
recuo de António Costa que lhe deu uma vitória
MANUEL CARVALHO
07/02/2016 - PÚBLICO
O
que estava em causa no braço-de-ferro entre Portugal e a Comissão
Europeia era um processo negocial duro, mas longe de ser anormal.
1. Digam o que
disserem os dogmáticos da esquerda extrema ou da direita radical,
António Costa conseguiu uma vez mais superar o limiar do improvável
e salvou-se e salvou o país da humilhação externa nas negociações
do orçamento. Fez afinal a “circulatura do quadrado”, na
expressão feliz de Bagão Félix. O que o intenso processo negocial
da última semana entre o Governo e a Comissão Europeia demonstra
sem margens para dúvidas é que o Governo de Portugal jamais cairá
no risco de pôr em causa os compromissos europeus e restaurar a
memória do Syriza e de Varoufakis de Julho do ano passado. No
confronto entre o António Costa que prometeu “virar a página da
austeridade” e o António Costa que garantiu aos portugueses
cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, ganhou o
segundo. É normal que esta opção irrite os parceiros do Bloco e do
PCP, que diriam o pior deste orçamento se por acaso fosse obra do
anterior Governo. Como é normal que desgoste os que defendem para o
país uma cura drástica de liberalização das leis laborais, cortes
salariais e recuo das funções públicas.
Mas, se
considerarmos o que estava em jogo, se atentarmos à armadilha de
contradições em que o Governo se tinha metido, se pensarmos que no
actual contexto político extremado não há soluções óptimas,
temos de reconhecer o evidente: que António Costa e Mário Centeno
obtiveram do recuo estratégico nas negociações com Bruxelas uma
vitória política. Não enterraram a austeridade, mas mudaram-lhe a
face; cederam às exigências da Comissão, mas fizeram-no numa base
de boa vontade negocial da qual obtiveram resultados – a decisão
inédita sobre o limiar do défice estrutural baseada numa regra não
escrita é disso testemunho. Equilibraram, cederam, recompuseram,
abdicaram de prioridades, escutaram, negociaram e no fim do dia
fecharam o assunto com a arte do possível que é a democracia.
Como se escreveu
aqui na semana passada, o que estava em causa no braço-de-ferro
entre Portugal e a Comissão Europeia era um processo negocial duro,
mas longe de ser anormal. Passos Coelho tentou por diversas vezes
fazer orçamentos com base em interpretações que mereceram severas
críticas de Bruxelas. O simples facto de ter sido obrigado a aprovar
oito rectificativos é prova mais do que eloquente de que António
Costa não estava a pisar terreno novo nesse jogo de cintura que é a
tentativa e erro. O problema desta vez estava mais no contexto do que
na substância da primeira proposta de orçamento. Mais do que
definir a natureza e o perímetro do défice estrutural, o que estava
em questão era saber até que ponto um Governo apoiado pela esquerda
extrema podia transformar-se numa ovelha tresmalhada de um rebanho em
risco de desagregação – uma cedência a Lisboa daria lastro à
pressão de Madrid, de Roma ou de Atenas a favor de um alívio da
austeridade.
A partir do momento
em que António Costa e Mário Centeno decidiram negociar e mostraram
disponibilidade para introduzir na sua proposta novas fontes de
receita para equilibrar o exercício, essas dúvidas dissiparam-se. O
Governo cumpriu a sua palavra de empenho para com as regras em vigor
na União Europeia e, ao fazê-lo, deixou ao eleitorado moderado que
preenche o leque partidário entre o CDS e o próprio PS uma mensagem
de zelo e de moderação. Mais difícil ainda, fê-lo conseguindo (ao
que parece, pelo menos para já) envolver os seus parceiros informais
do Bloco e do PCP na sua estratégia. Teve de ceder? Claro que sim,
até porque não há negociações sérias sem inflexão de posições.
Mas fê-lo com uma mestria política rara. Deu ao PCP e ao Bloco mais
impostos sobre a banca, acabou com essa incompreensível benesse aos
fundos imobiliários que não pagavam IMI e manteve firmes as
garantias de que a sua política de rendimentos via devolução de
salários e pensões ou cortes na sobretaxa de IRS não vai ser
alterada.
É de resto com
posições conciliadoras e com esforços de compreensão do que está
em jogo que melhor se pode discutir o lugar onde está o Governo e
para onde quer ir. A soberba com que alguns eurodeputados trataram de
punir em Estrasburgo os erros de Lisboa é lamentável. Como é
lamentável a arrogância dos que se dirigiam aos críticos e aos que
duvidavam da estratégia do Governo com acusações de
“colaboracionismo”, de ressuscitarem a traição de Miguel de
Vasconcelos ou de recriarem uma quinta coluna para corromper a
democracia. Uns e outros devem ter presente que a narrativa da semana
que acabou exigiu paciência, empenho, avanços e recuos, quebras de
compromisso e reversões parciais de promessas eleitorais. É assim a
política em democracia.
Mas, o essencial foi
salvo. O Governo foi para a mesa das negociações decidido a evitar
que Portugal pudesse ser confundido como o novo problema do euro,
como um país arrivista e incapaz de assumir compromissos. Costa
apagou todos esses receios e para os que acreditam que a moderação
ainda é o melhor caminho para resolver os problemas do país, sejam
mais à esquerda ou mais à direita, essa só pode ser uma boa
notícia.
2. De duas, uma: ou
a TAP desmente os números apresentados esta semana sobre as taxas de
ocupação dos voos para a Europa que quer agora suprimir, ou Rui
Moreira tem razão ao afirmar que está em curso uma campanha da
transportadora contra os interesses do Porto. Porque se é verdade
que esses voos transportaram 190 mil pessoas no ano passado, se for
indesmentível que os seus lugares estavam ocupados sempre acima dos
80%, cai por terra qualquer explicação sensata sobre a sua
inviabilidade económica. E, deixando de haver uma justificação de
racionalidade económica, torna-se obrigatório admitir que em curso
está uma opção estratégica que atenta contra o Porto e o Norte.
Acto contínuo, como diz e bem Rui Moreira, agora que a foi
parcialmente TAP renacionalizada tem o dever de reverter a decisão.
Porque uma companhia nacional não pode sê-lo parcialmente.
Não é a primeira
vez que a TAP ensaia soluções desta natureza. Nem é inédito que
se empenhe em menosprezar o potencial do principal aeroporto do
noroeste peninsular. Em outros tempos, os voos que suprimiu foram de
imediato repostos por companhias rivais. Mais recentemente, deu-se ao
luxo de, por exemplo, deixar à angolana TAAG uma linha directa entre
o Porto e Luanda com taxas de ocupação altíssimas. O que explica
esta estratégia persistente é a obsessão com a centralização das
operações no hub de Lisboa. Por isso suprime voos e, mais grave
ainda para o Porto, por isso desvia os passageiros do mercado galego
para a capital colocando à sua disposição voos directos a partir
de Vigo. A TAP não percebe, ou não quer perceber, que para uma
região exportadora como o Norte ter voos é ter contactos e ter
contactos é ter negócios. Não é um capricho, é uma necessidade
evidente que uma companhia de bandeira não pode menosprezar.
Sem comentários:
Enviar um comentário