Os
patriotas que vão acabar com a pátria
07 DE FEVEREIRO DE
2016 / DN online
Alberto Gonçalves
Um inglês célebre
afirmou que o patriotismo é o último refúgio dos pulhas.
Esqueceu-se de acrescentar que às vezes é o primeiro. Duzentos e
tal anos depois, há aqui uma espécie de governo e uma espécie de
maioria tão empenhados em arruinar-nos quanto em acusar de
deslealdade os críticos da empreitada. É o velho método
"gonçalvista" do "quem não está connosco está
contra nós", naturalmente aliado ao velho método salazarista
da aversão à malévola influência "estrangeira".
A ideia, hoje e
ontem, é a de que as alucinações do PS e da extrema-esquerda,
desculpem a redundância, passariam incólumes na "Europa"
se não fosse a acção subversiva e o espalhafato da cáfila de
"vende-pátrias" (termo curiosamente utilizado há meses
pelo Avante!). Aliás, um conselheiro de Sua Ex.ª, o Senhor
Primeiro-Ministro, esticou há dias a corda e a cabecinha para chamar
precisamente isso aos "vendidos" que discordam desta
vergonha: traidores, quase de certeza ao serviço da Alemanha.
Não admira que os
jagunços do dr. Costa se prestem a tal papel. Admirável é haver
jornalistas dispostos ao mesmo. No i, uma senhora com carteira
profissional, Ana Sá Lopes, deixou fluir a imaginação e até
lembrou a "quinta coluna" nazi, os míticos infiltrados de
Berlim que, supostamente, derrotariam a partir do interior a
Inglaterra na II Guerra. Nas televisões, vêem-se diversas glosas à
tese por parte de comentadores isentos, liderados por Pacheco Pereira
em matéria de isenção. Em alvoroço, garantem-nos que somos
controlados por entidades não eleitas. E nem sequer se acalmam se
lhes dermos razão e os recordarmos do 4 de Outubro.
Tudo isto a
propósito do Orçamento do Estado e das respectivas exigências da
Comissão Europeia. A troika, se quiserem chamar-lhe assim, reclama
no fundo que gastemos de acordo com o que produzimos, ou só um pouco
acima. O governo e a extrema-esquerda, se quiserem distingui-los,
insiste na existência de uma alternativa à "austeridade".
Por acaso, como qualquer chefe de família perceberá, existem
várias: o empréstimo a longo prazo, o roubo a curto prazo, o
suicídio ou uma mistura dos três antecedida de ruidosa
fanfarronice, género agarrem-me ou eles espancam-me.
Na semana anterior,
o berreiro preparou o caminho. O horror suscitado em Bruxelas pelo
rascunho de OE elaborado por rascunhos de economistas provocou, cá
dentro, uma divertida pândega. Para consumo interno, o PS atacava a
"direita" e o BE e o PCP avisavam o PS de que não
tolerariam desvios à linha justa. Para consumo externo, sujeitos
anónimos ameaçaram a "Europa" com referendos, "bombas
atómicas" e outras armas cujo impacto era proporcional à
brutal irrelevância dos guerrilheiros. Os que, por fé ou
infantilidade irreversível, acreditaram nas bravatas depararam-se
com uma autêntica demonstração de patriotismo: maluquinhos
convencidos de que Portugal é tão maravilhoso que a União não
vive sem ele. Após engraçadas correcções e vexames (de que o
elogio da sra. Merkel a Passos Coelho nas barbas do dr. Costa
constituiu a punch line), a CE lá tolerou o OE e os maluquinhos
correram a proclamar o fim da "austeridade" e a agitar
euforicamente o consentimento dos senhores da Europa, de súbito
promovidos de tiranos do capital a avaliadores consagrados.
A realidade? O
recurso a um arremedo da estratégia do inspirador Syriza, com os
espectáveis resultados do Syriza. Através do Hélder Ferreira, que
escreve no Diário Económico e que Pacheco Pereira apresentou na
Quadratura do Círculo como exemplo das vozes que ultrapassam os
limites (tradução: insultou os patriotas, pelo que é outro
insanável traidor), soube que a negociação grega foi considerada a
mais desastrada de 2015 pela Harvard Law School. Não é para menos:
começa-se por falar grosso com aqueles de que se depende e
termina-se a aceitar tudo e um par de botas de modo a não se ser
escorraçado. Pelo meio, avança-se com esmero rumo à miséria.
Na prática, a
"vitória" diplomática do dr. Costa traduz-se no castigo
dos ricos, os ricos que trabalham no sector privado, os ricos que
auferem mil euros, os ricos que fumam, os ricos que bebem, os ricos
com carro, os ricos com filhos, os ricos sem filhos, os ricos com
conta bancária, os ricos que comem tostas, os ricos que pagam os
feriados, os ricos que pagam IRC, os ricos que pagam os juros da
dívida, os ricos que pagam um manicómio com a capacidade de atrair
investimento do Butão, os ricos que vão pagar um isolamento
orgulhoso e triste.
O PS apenas ganhou
na medida em que aguentou no poder a criatura que manda naquilo. O
PCP ganhou porque satisfez as clientelas da função pública. E o BE
ganhou porque continuou a desgastar o PS. Evidentemente, perdemos
todos: com os seus inúmeros defeitos, receios e desvios, a
"austeridade" de PSD-CDS tinha um fim; o "tempo novo"
do governo e da extrema-esquerda (peço perdão pelo pleonasmo) é o
próprio fim, mas não o da "austeridade". Os patriotas de
agora são os que, em prol da sobrevivência imediata, afundam
deliberadamente o país de acordo com delírios pessoais. O último a
fazê-lo acabou na cadeia. O candidato actual à proeza anda à
solta, para desgraça dos traidores, que são muitos. Somos.
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