Arguido
dos vistos gold beneficiou familiar de ministra
ANA HENRIQUES
31/01/2016 - PÚBLICO
Ministra
da Justiça não esclarece se teve algum papel na atribuição da
nacionalidade portuguesa a estudante. Suspeito foi apanhado nas
escutas a queixar-se de pressões da magistrada.
As pressões do
principal arguido do processo dos vistos gold, António Figueiredo,
aceleraram e limaram arestas no processo de concessão de
nacionalidade a um familiar da ministra da Justiça, Francisca Van
Dunem.
O caso remonta ao
final de 2013, altura em estava prestes a expirar a autorização de
residência do filho de um sobrinho da governante, que na altura
desempenhava funções de procuradora-geral distrital de Lisboa.
Mário Alves da Costa, de 20 anos, era estudante e queria ir ter com
a família a Angola nesse Natal, mas via os dias a passar e nada de o
assunto se resolver. Apesar de estar a estudar em Portugal, se fosse
podia não conseguir voltar a entrar, explicou ao PÚBLICO o jovem.
Como em muitos casos
que aparecem documentados neste processo dos vistos, em que alguém
conhece sempre outro alguém disposto a interceder por um conhecido
seu, também a família de Mário Costa, cujo pai é sobrinho de
Francisca Van Dunem, tinha conhecimentos que lhe permitiam olear os
sinuosos canais da burocracia portuguesa.
É assim que se põe
em campo uma reputada advogada angolana, Paula Godinho. Próxima do
presidente do Instituto dos Registos e Notariado, António
Figueiredo, não hesita em ligar-lhe para lhe pedir “um carinho”.
Como este já estava a ser investigado por suspeitas de corrupção e
tráfico de influência, entre outros crimes, foi apanhada nas
escutas da Polícia Judiciária. “Ele é filho de muito boas
famílias, isso posso eu garantir-te. São pessoas de bem”, insiste
a jurista. O presidente do IRN alerta-a para a existência de
problemas no processo de obtenção de nacionalidade, que se
desvanecem, porém, quando a sua interlocutora explica que o pai de
Mário Costa é familiar “da Francisca, da vossa
procuradora-geral-adjunta”.
“Ah. Hum. Ai é,
da Francisca Van Dunem? Amanhã telefono directamente para o doutor
Manuel Palos, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”, promete
António Figueiredo, falta uma dúzia de dias para o Natal. O seu
empenho irá dar frutos: cinco dias mais tarde o director nacional
dos Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Palos, igualmente arguido neste
processo, assina a certidão que atesta que Mário Costa reside
legalmente em Portugal desde Outubro de 2003. Objectivo: obter a
nacionalidade e com ela o cartão de cidadão e o passaporte.
É verdade que em
2010 a não renovação atempada de uma autorização de residência
tinha trazido ao jovem o dissabor de uma multa de 295 euros, e que um
despacho do próprio Manuel Palos determinava que, nos casos de
caducidade do direito de residência, a contagem de prazos para
efeitos de aquisição de nacionalidade era interrompida.
Mas segundo o
Ministério Público, o dirigente dos Estrangeiros e Fronteiras fazia
a António Figueiredo os favores que este lhe pedia, por temer ser
afastado do cargo pelo então ministro da Administração Interna,
Miguel Macedo, com quem o primeiro tinha boas relações. E este caso
não constituiu excepção. “Há ali uma interrupção no tempo de
residência, não perfaz o tempo todo… temos mas é que dar a volta
a isto”, concede Manuel Palos.
António Figueiredo
entra em stress quando percebe que, apesar de todas as suas pressões,
os serviços podem não conseguir despachar tudo a tempo do voo do
rapaz, marcado para uma quinta-feira, 19 de Dezembro. Dois dias antes
desabafa com um amigo que, tal como ele, virá um ano mais tarde a
ser constituído arguido no caso dos vistos dourados, o empresário
Jaime Gomes: “Tenho aqui a dra Francisca Van Dunem que tem o
sobrinho que precisa da nacionalidade. Estou com aquilo pendente há
dois ou três meses. Já têm a informação de toda a gente, já
falei com o SIS [Serviço de Informações de Segurança], já falei
com as polícias todas… tá aquela porcaria pendente no SEF há um
mês e tal e não me conseguem dar a informação… já me disseram
que a informação que vai ser dada é favorável, já me disseram
que iam dar há oito dias, há quinze dias. Já não tenho paciência
para isto, é uma coisa inacreditável (…) Vou ter de falar com o
Manuel Palos, tenho a criatura Francisca Van Dunem a dizer que o
sobrinho tinha avião marcado para Angola, que não vai passar o
Natal a casa porque tenho o raio de uma informação pendente há um
mês”. António Figueiredo chega a desabafar também com o próprio
requerente de nacionalidade: “Eu não posso fazer mais, já
pressionei junto de todas as entidades”.
Solicitada para o
efeito, a ministra da Justiça não quis pronunciar-se sobre a sua
intervenção neste caso, tendo remetido qualquer informação para
os esclarecimentos que deu ao PÚBLICO a 21 de Janeiro passado sobre
uma outra situação envolvendo a aquisição de nacionalidade de uma
familiar sua. Nesse caso, Francisca Van Dunem admitiu ter conseguido
atendimento personalizado numa conservatória através de António
Figueiredo, para obter esclarecimentos sobre a situação da familiar
em questão. Segundo a ministra, a especialista que a atendeu
disse-lhe que não havia hipótese de a interessada conseguir
nacionalidade portuguesa, razão pela qual nem chegou a dar entrada
nos serviços nenhum pedido nesse sentido. No caso de Mário Costa,
garantiu ter prestado ao PÚBLICO “todos os esclarecimentos
relevantes para os factos” – apesar de isso não ter de todo
sucedido, uma vez que se remeteu ao silêncio relativamente a
esta situação.
O estudante
recorda-se da intervenção de Paula Godinho no processo, mas diz não
acreditar que a procuradora tenha recorrido ao mesmo tipo de
expedientes: “Não tenho ideia se aconteceu, mas duvido. A nossa
relação familiar não é muito próxima”.
A 18 de Dezembro de
2013, véspera da data do seu embarque, António Figueiredo ligou-lhe
finalmente com boas notícias: “Atão, isto tem sido um stress.
Complicado, tive que pôr os meus serviços e os dos outros a
funcionar. Que esta gente não responde, como já viu não é fácil.
Já tenho o cartão do cidadão à sua espera e o passaporte fica
pronto logo à tarde”. Mário Costa agradece. “Um abraço e boas
festas”, despede-se o solícito presidente do Instituto dos
Registos e do Notariado.
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