A cruel asfixia dos reformados
Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 4 Jan 2014 in (jornal) i online
Passos Coelho cumpre com o
que sempre quis e Portas volta a trair a palavra dada e aceita uma TSU
Não haja dúvida de que há um motivo ideológico puro e duro
que emerge por detrás de cada medida que o governo anuncia quando se trata de
agravar a austeridade. A experiência demonstra que existe o propósito
assustador e deliberado de impor cortes e sacrifícios acrescidos a dois grupos
específicos de cidadãos: os reformados e os funcionários públicos, nomeadamente
aos primeiros, agora já independentemente do sector de onde são oriundos.
Para arranjar menos de 400 milhões de euros, que poderiam
ser encontrados com um aumento de meio por cento do IVA (um imposto cego mas
justo) ou numa gestão racional da execução orçamental ao longo de seis meses de
exercício, o governo recusou-se pura e simplesmente a procurar uma alternativa
que não fosse sacrificar perversamente o grupo mais frágil de cidadãos, que não
tem hipótese nenhuma de fugir ao alargamento da contribuição extraordinária de
solidariedade (CES), que passou a permanente, tendo o efeito de um imposto ou
taxa, o que vem dar rigorosamente no mesmo.
Não houve um esboço de esforço para flexibilizar o défice
junto da troika nem para ir buscar dinheiro às PPP, que são fortalezas
inexpugnáveis, protegidas por escritórios ligados à política.
Além de a CES, que, tanto quanto se sabe, pode passar a
incidir sobre rendimentos de reformas que rondam os novecentos ou mil euros,
embora seja possível que o governo aplique um valor ligeiramente acima para
desanuviar a tensão em cima da hora, o que mais impressiona em todo este
processo é a lamentável figura de Paulo Portas.
De Passos Coelho esperava- -se este trilho desde o dia em
que tomou posse, após uma campanha em que prometeu exactamente o contrário do
que faz com o maior dos desplantes. Mas Portas não pára de surpreender pela
falta de palavra, para não dizer de carácter.
É que foi ele que falou de linha intransponíveis e de
decisões irrevogáveis. Foi ele que ameaçou o governo até receber a ornamentação
de vice-primeiro-ministro. Foi ele que se atirou para o chão aquando da TSU,
que agora ressuscita. Foi ele que fez do CDS o partido do contribuinte e que
tem andado a mudá-lo de CDS para PP à medida de interesses pontuais e
demagógicos, que já passaram por fases pomposas como a defesa da lavoura, e recentemente
a inauguração de um relógio que supostamente faz as contas do regresso do país
à soberania plena e ao fim do protectorado. Seria risível se não fosse trágico.
Há no comportamento permanente dos líderes da coligação algo
de obsessivo e sistemático dirigido contra extractos muito concretos da
população, aos quais pouco ou nada resta para se defenderem além do exercício
do voto como penalização, mesmo que se atirem para os braços de outros
incompetentes ou até de demagogos.
É este o exercício medíocre do poder de quem se sente forte
quando ataca os fracos sem a menor compaixão e com uma imperturbável frieza,
que perpassou na forma como as coisas foram anunciadas de chofre e sem
outras considerações.
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