OPINIÃO
Mudar de paradigma político
PAULO TRIGO PEREIRA 05/01/2014 – in Público
Começa a haver a noção clara
de que, para sair da crise, é preciso mudar práticas, mudar comportamentos,
alterar instituições.
1. Sabe-se o tempo aproximado de gestação de uma criança no
ventre materno, mas não se sabe o tempo necessário para mudar o paradigma da
acção política em Portugal indispensável para a regeneração do país. Esta
pressupõe mudança, que encontrará sempre oposições dos que perdem, se ela se
efectivar. Raramente estes argumentam na base dos interesses individuais
afectados, porque isso não colheria no espaço público da argumentação. Antes
justificam essa oposição com frases do tipo: falta de oportunidade, a ideia é
boa. mas a reforma está mal desenhada, geraria instabilidade e aumentaria o
risco. O statu quo, de instituições ou políticas públicas, é geralmente estável
e previsível, e é fonte de expectativas e de comportamentos individuais
alinhados e baseados na manutenção das regras existentes. O principal mérito,
não dispiciendo, do statu quo é que contribui para a estabilidade e para a
coordenação da vida em sociedade. Mas tem três problemas potenciais: pode não
ser justo, pode sê-lo, mas não ser sustentável no tempo ou pode ser justo e
sustentável, mas não eficiente.
2. Parece-me ser da mais elementar das evidências que
Portugal não é hoje um país sustentável. Refiro-me apenas à insustentabilidade
das finanças públicas num quadro recessivo ou de crescimento económico anémico.
Um país até pode ser sustentável em muitas dimensões, mas basta que seja
insustentável numa dimensão estrutural, para não ser viável enquanto entidade
autónoma e soberana, o que tem como corolário a necessidade de alterar de forma
estrutural e permanente o statu quo,mudando de paradigma político. Antes de
reflectir sobre essa mudança vale a pena perspectivar o ano de 2014.
3. Não tenho ansiedade sobre as classificações (rating) da
Moodys e da Standard and Poors ao risco de crédito da República. Essas
classificações só mudarão substancialmente se o país reduzir significativamente
o défice orçamental para níveis abaixo dos 3% do PIB, crescer a taxas
significativas e inverter a tendência de crescimento do rácio da dívida no
produto. Ora nada disto acontecerá em 2014, pelo que os ténues sinais positivos
de retoma levarão, quando muito, a ligeiros ajustamentos nos ratings.Também não
marquei na agenda a “hora da libertação da troika”. Uma ideia infeliz de Paulo
Portas, até mesmo de acordo com os seus critérios eleitoralistas, pois o mais
provável para 2014 será um resgate suave que dará pelo nome de “programa
cautelar”, por razões de semântica política do agrado quer da troika, quer do
Governo. As boas notícias comparando com o actual resgate são sobretudo três: o
montante de empréstimo será significativamente inferior, as condições impostas
pelos credores serão muito menores e o prazo também. Neste capítulo, a
esperança está em o Governo ser forçado a abandonar a visão “paroquial da
consolidação orçamental enviezada” (ver PÚBLICO de 01/12/2013) de que
“orgulhosamente sós” vamos conseguir fazer o trabalho de casa e que o faremos
sobretudo do lado da despesa.
4. O paradigma político que levou Portugal à situação
presente deriva dum deficiente funcionamento do sistema político, e dos
partidos, caracterizado por alternância democrática entre partidos fechados,
sem linhas programáticas sólidas, com informação assimétrica sobre os dados do
país, que permitem o uso e abuso, quer do poder pelo governo, quer de demagogia
pelas oposições. Simplificando, enquanto estão na oposição, os partidos cativam
os eleitores, e estes deixam-se cativar, com promessas de que quando estiverem
no poder farão tudo diferente, não cortarão a despesa, nem aumentarão impostos.
Após alcançadas as almejadas cadeiras do poder, a primeira reacção é que “as
coisas estavam muito pior do que pensávamos”, o que legitima que “afinal temos
de adoptar medidas contrárias àquilo que anunciámos no programa eleitoral”. As
oposições que não partilham o poder podem continuar com propostas mais ou menos
irrealistas, pois nunca serão testadas.
5. Um aspecto positivo da actual crise é que uma parcela
mais substancial da população está mais alerta e não se deixará enganar tão
facilmente. Colocará perguntas incómodas. Eleições europeias para quê? Porque é
que grande parte dos fundos comunitários continua a ir para a política agrícola
comum? Afinal o sistema de Segurança Social é insustentável? Se sim, o que
podemos fazer para assegurar pensões dignas para as próximas gerações? Um dos
méritos da articulação Governo, troika, Tribunal Constitucional é que pela
primeira vez há no cidadão comum a noção clara da restrição orçamental do
Estado: se não se corta aqui, é preciso ir cortar ali, ou aumentar a receita
acolá. Também começa a haver a noção clara que, para sair da crise, é preciso
mudar práticas, mudar comportamentos, alterar instituições.
6. Esta alteração na percepção da realidade por uma parte
crescente dos cidadãos cria condições para uma alteração de paradigma no jogo
político, pois as estratégias de dissimulação, de ambiguidade e de puro engano
do eleitorado, praticadas por executivos passados (e acentuadas pelo actual
Governo) já não serão premiadas da mesma forma no futuro. Isto coloca exigências
acrescidas aos partidos, que de simples máquinas de conquista do poder (os do
“arco do poder”) ou de erosão do poder têm de se transformar internamente para
dar resposta aos novos desafios que lhes são colocados ao nível da formação de
quadros, dos mecanismos de democracia interna, da qualidade das elites
partidárias eleitas e da abertura à sociedade. Sem estas alterações, os
partidos nunca conseguirão atrair quadros qualificados suficientes para
alimentar sólidas bases programáticas necessárias para apresentar propostas
credíveis para Portugal.
7. Vêem-se sinais que permitem algum moderado optimismo
quanto à percepção desta necessidade de mudança por parte dos partidos. No PS a
moção de Francisco Assis, quando candidato à liderança, ou a moção de um grupo de
jovens socialistas e independentes encabeçado por João Tiago Silveira; no CDS a
actual moção de João Almeida e Miguel Morais Leitão, entre outros, a apresentar
ao congresso do próximo fim-de-semana; no PSD as propostas de reforma do
sistema eleitoral inscritas no programa eleitoral, sob a boa influência, ainda
que efémera, de Manuel Meirinho no Parlamento (que acabou por abandonar); no
PCP, Bloco e organizações da sociedade civil que estudam a dívida pública e
ensaiam mecanismos de resposta à crise da dívida. Finalmente, no putativo
partido Livre, que coloca como seu elemento diferenciador o método de eleições
primárias abertas para a escolha de candidatos. Estas ideias, que atravessam o
espectro partidário, têm sido alheias às direções partidárias, não têm sido
apoiadas pelos líderes e têm sido geralmente derrotadas. Mas as derrotas de
hoje são as vitórias de amanhã.
8. O statu quo político (do sistema eleitoral, do regime de
incompatibilidades de deputados, do sistema de financiamento partidário, da inexistência
de formação de quadros, etc.) não é justo, não é eficiente, nem assegura a
sustentabilidade do país enquanto nação autónoma e soberana. Tenho esperança de
que em 2014 as lideranças políticas percebam que o mundo político em que
medraram está em vias de extinção e iniciem uma mudança de paradigma político,
falando a sua verdade, naturalmente diversa, aos portugueses. Esta mudança
demorará certamente mais do que o nascimento de uma criança.
Professor do ISEG/UL e presidente do Instituto de Políticas
Públicas TJ-CS
Uma geração (des)interessada pela política nacional
Teresa Camarão / Público
A geração que nasceu nos anos 1980 e 1990 não deixa de ser a
mais qualificada de sempre, mas parece não se sentir representada no sistema
político actual. Os politólogos alertam para problemas de representação e falam
na urgência de uma reforma do sistema
“Os jovens não estão
desinteressados, não se revêem é nas formas e nos mecanismos convencionais de
fazer política em Portugal, com os partidos e com os políticos”
ue geração é esta que mais tarde ou mais cedo vai tomar o
país nas mãos? “A geração mais formada e informada de sempre” está alienada da
política? Participa? O PÚBLICO falou com oito jovens. As respostas acabaram num
empate técnico: quatro dizem que os jovens não estão afastados da política
nacional, os outros não pensam o mesmo.
João, Simão, Sara, Inês, e Miguel nasceram na década de
1980. Sílvia, Duarte e Francisca no início dos anos 1990. Personificam a
geração em que a emancipação tarda e que surge em destaque nos discursos de
todos os intervenientes políticos, incluindo aqui a tradicional mensagem de Ano
Novo do Presidente da República, que lembra que 2014 vai “condicionar o futuro
do país e das gerações mais jovens durante muitos anos”
Manuel Braga da Cruz, o professor doutor em Sociologia
Política que entre 2000 e 2012 foi reitor da Universidade Católica de Lisboa,
deixa escapar um sorriso quando afirma que o conceito de juventude tem uma
história recente, “é produto das sociedades modernas, nas sociedades arcaicas
esses problemas não existiam”.
Os jovens interessam-se ou não pela política? João Torres,
Simão Ribeiro, Duarte Alves e Francisca Soromenho partilham, com diferenças
ténues, a mesma opinião: “Os jovens não estão desinteressados, não se revêem é
nas formas e nos mecanismos convencionais de fazer política em Portugal, com os
partidos e com os políticos.” Sara Nobre, Inês Subtil, Sílvia Alexandre e
Miguel Braga não arriscam fazer generalizações, mas dizem que os jovens
portugueses estão “alheados”, “desligados”, “apáticos” e “desencantados” com a
política. Duarte vai mais longe e toca numa ferida aberta onde parece não haver
empates, “as políticas impostas pelos sucessivos governos é que têm posto os
jovens de lado”.
O politólogo André Freire esclarece que, “em termos globais,
os jovens participam menos na política”, não por desinteresse, mas porque o seu
“grau de implicação nas polis” é menor do que o de alguém que esteja totalmente
integrado na sociedade, quer no mercado de trabalho, na vida familiar ou no
pagamento de impostos. O professor acrescenta que, no actual contexto social e
económico, os jovens são os que têm maiores razões de queixa em relação aos
partidos e aos políticos. Isto do ponto de vista “do bemestar que os partidos
são capazes e devem por missão proporcionar à sociedade”.
Para falar em participação ou alienação política, palavras
como mobilização e abstenção são indispensáveis. No último acto eleitoral
nacional, as autárquicas, registou-se a maior taxa de abstenção em eleições
locais. 47,4% dos cidadãos portugueses não votaram. Sílvia Alexandre, a jovem
que não vota por convicção, é um dos rostos que engrossam estes números e
explica a sua opção: “De que me adianta votar se eles são todos iguais?”
Neste sentido, Duarte Alves, da JCP, acredita numa campanha
ideológica que leva a crer que os partidos “são todos feitos da mesma massa”.
Porém, diz que esta “é uma questão demasiado empolada”, porque aquilo que vê é
uma juventude que vota e participa. Sara Nobre compreende quem abdica do seu
direito de voto, mas defende que “a participação, seja em manifestações seja
nas urnas, pode mudar as nossas vidas”. Esta activista dos Precários
Inflexíveis acredita que “está nas nossas mãos perceber, tomar esse caminho e
empenharmo-nos na construção de um país à nossa medida: mais justo e mais
igual”. (…)
Que geração é esta?
Os dados mais recentes da OCDE revelam que um em cada três
jovens portugueses não trabalha. Em Agosto de 2013, a taxa de desemprego
jovem rondava os 36,8%. Outro fenómeno, do qual não há dados concretos, pelo
menos dados que diferenciem os jovens da restante população activa, é o da
emigração “da geração mais qualificada do país”. Sabe-se que em 2013 quase
milhão e meio de portugueses deixaram o país de Camões para fugir ao desemprego
e às condições de trabalho instáveis e precárias. Portugal está no top dos
países da OCDE onde se verificou a segunda maior taxa de emigração, 14,2%.
Segundo André Freire, “esta é a geração que menos respeita as hierarquias, as
instituições e as tradições”, daí que esteja na linha da frente das acções
“mais disruptivas”. É na voz do secretário-geral da JS, João Torres, que de
forma esquemática surge o “grande problema” desta geração, as dificuldades de
emancipação, que o jovem divide em quatro: emprego, qualificações, habitação e
mobilidade. Ainda que admita que o desemprego jovem é o tema “mais dominante da
agenda pública do país”, o jovem político diz ser necessário desmitificar a
ideia de que há licenciados a mais e chama a atenção para “o desinvestimento no
ensino superior”. João acrescenta ainda que “os problemas da habitação e da
mobilidade” passam por vezes despercebidos e lembra “o flagelo daqueles que não
conseguem sair da casa dos pais”. Manuel Braga da Cruz, o homem que liderou a
Universidade Católica de Lisboa durante 12 anos, fala-nos com propriedade de
“uma juventude que tem maior informação, formação, exposição aos media e maior
capacidade de ser mobilizada social e politicamente”, e é depois desta
conclusão que admite que um dos maiores problemas dos jovens portugueses é o
retardamento da aquisição da maturidade social. A tal emancipação que tarda e
que é alvo de preocupação do líder da JS. Na opinião de Braga da Cruz, o
retardamento no ingresso na vida activa não se deve apenas aos partidos e às
instituições, deve-se sim a inúmeros factores sociais e à própria evolução da
sociedade. O professor justifica-se explicando que “a escolarização afastou a
maturidade biológica da maturidade social” e que a juventude é produto das
sociedades modernas.
T.C.
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