Um problema de lixo
Por Luís Rosa
publicado em 2 Jan 2014 in (jornal) i online
A CGTP é uma espécie de Velho do Restelo que quer destruir
qualquer melhoria do funcionamento do Estado
A greve dos trabalhadores da limpeza urbana da Câmara de
Lisboa voltou a revelar o imobilismo dos
sindicatos da Função Pública. A CGTP é cada vez mais uma espécie de Velho do
Restelo concentrado em destruir qualquer hipótese de melhoria do funcionamento
do Estado. Faz parte do problema e não da solução para um Portugal melhor.
Pasmemo-nos, em primeiro lugar, com a informação que o i publica na página 48
da edição de hoje: afinal a recolha de lixo doméstico não vai passar para as
juntas de freguesia. "Mas não foi por isso que o Sindicato dos
Trabalhadores do Município de Lisboa (STML) fez greve?", perguntará o
leitor. Aparentemente sim. Mas apenas a limpeza da ruas e dos passeios vai ser
descentralizada. Nunca esteve prevista a transferência da recolha do lixo. A
greve foi um logro, portanto.
Mas afinal o que levou o STML, afecto à CGTP, a convocar greves de 23 de Dezembro a 5 de
Janeiro? É simples: a luta contra a reorganização administrativa de Lisboa, que
reduziu as freguesias de 53 para as 24 actuais e que prevê igualmente a
transferência de competências da autarquia para as freguesias na gestão de
equipamentos sociais e desportivos, pavimentos pedonais, mercados e feiras,
entre outras. O STML considera que a reforma vai "esvaziar" e visa
"o total desmantelamento" da Câmara de Lisboa, imagine-se.
Mas aqui vemos o lado antidemocrático da CGTP - que faz
parte do seu ADN, como a nefasta luta pela unicidade sindical atestou. A
reorganização administrativa foi amplamente debatida pela câmara no mandato
2009/2013, tendo sido aprovada pelas coligações lideradas pelo PS e pelo PSD -
que representavam 82,7% dos eleitores. A reforma foi ainda aprovada na
Assembleia da República por PSD, CDS e PS, que, juntos, recolheram a
preferência de 78,41% dos votantes nas legislativas de 2011. Foi finalmente
escrutinada pelos eleitores lisboetas nas autárquicas de Outubro último, tendo
António Costa e Fernando Seara, os candidatos que apoiavam a mudança, obtido
73,28% dos votos, e o autor da reforma (Costa) 50,91%. Tudo baixas taxas de
votação, como vemos.
A CGTP não tem legitimidade para pôr em causa uma reforma
tão amplamente debatida e aprovada com maiorias esmagadoras. Ter medo de perder
o vínculo da Câmara de Lisboa, e passar a ter contrato com uma junta de
freguesia, não é motivo para uma greve que pôs em risco a saúde pública. Muito
menos quando a limpeza urbana não é propriamente uma referência em termos de
qualidade de serviço, como um breve passeio por Lisboa pode atestar.
Este imobilismo radical, de inviabilizar qualquer mudança, é
uma marca da CGTP, mas o mesmo tenta responder apenas a interesses
corporativos. O bem comum da comunidade tem de valer mais do que esses
interesses. Uma reforma que pretende aproximar os serviços públicos dos
cidadãos e melhorar a sua eficácia tem de sobrepor-se a uma luta egoísta de um
sindicato.
Ter a razão do seu lado não apaga o facto de António Costa
não ter revelado mais cedo aos lisboetas este problema - que dura desde Maio.
Costa tem de provar rapidamente que consegue vencer a CGTP - a transferência de
parte dos 68 milhões de euros acordados com as freguesias inicia-se a 15 de
Janeiro. Se não conseguir resolver o problema do lixo em Lisboa, não poderá
aspirar a São Bento ou a Belém.
OPINIÃO
Greves à portuguesa
JOÃO MIGUEL TAVARES 02/01/2014 – in Público
Estas greves à portuguesa são pura encenação. Muito
democráticas mas absolutamente inúteis.
Pelas minhas contas, neste final de ano estiveram em greve:
os trabalhadores da Carris, os trabalhadores dos Transportes Sul do Tejo, os
trabalhadores da CP, os trabalhadores da Groundforce, os pilotos da easyJet, os
trabalhadores da recolha do lixo de Lisboa, os trabalhadores do sector da
hotelaria na Madeira, os trabalhadores dos CTT e, hoje de manhã, os trabalhadores
do Metro.
É possível que me esteja a faltar alguma coisa. E é também
possível que a expressão “greve”, na maior parte destes casos, seja francamente
exagerada – até porque dá mau nome a um direito fundamental dos trabalhadores,
que ao longo da história foi conquistado à custa de muito sangue, suor e
lágrimas.
“Greve” é aquilo que Lech Walesa promoveu nos estaleiros de
Gdansk na Polónia de 1980. “Greve” é aquilo que os trabalhadores dos
caminhos-de-ferro fomentaram na América de finais do século XIX. “Greve” é
aquilo que os mineiros britânicos organizaram na Inglaterra de Margaret
Thatcher – correu-lhes mal, mas foi uma greve. Meses de luta, braços de ferro
desesperados, um verdadeiro combate por direitos e privilégios, em que qualquer
pessoa sabia o que estava em causa e por que raio aquela gente estava a lutar.
Já nestas greves à portuguesa, em que os grevistas miraculosamente se unem para
aproveitar pontes, épocas festivas ou fins-de-semana prolongados, utilizando os
mais estapafúrdios argumentos, talvez seja preferível chamar-lhes “dias de
férias não-remunerados”.
E antes que algum leitor mais afoito me comece a acusar de
querer acabar com o direito à greve, deixem-me assegurar que eu quero o exacto
oposto disso. Quero que as greves tenham significado, quero que as greves sejam
valorizadas, e quero compreender, já agora, porque é que elas ocorrem. Há dias
ouvi, com dificuldades em acreditar, um sindicalista dos CTT justificar a greve
com estas palavras: “agora, com a privatização, nós não sabemos o que vai
acontecer”. Ele não sabia se ia ser bom ou se ia ser mau. Mas, pelo sim, pelo
não, fazia greve na mesma. Outro sindicalista, de um sector dos transportes,
justificava a greve com a entrada em vigor do Orçamento de Estado. Não era nada
que o seu patrão lhe tivesse feito ou lhe estivesse a dever. Era uma greve, tipo,
contra a fiscalização sucessiva.
Isto tem um nome: banalização da greve. E não traz vantagens
a ninguém. Deixem-me citar o início de uma notícia do PÚBLICO de há mês e meio:
“Mais de metade do mandato do actual Governo foi passado com greves nos transportes.
Desde que o executivo tomou posse, em Junho de 2011, os sindicatos convocaram
quase 500 dias de protestos, na maioria parciais ou incidindo apenas sobre o
trabalho extraordinário.” Primeira pergunta: os trabalhadores ganharam alguma
coisa com isto? Segunda pergunta: o Estado, que é o patrão desses
trabalhadores, perdeu alguma coisa com isso? A triste resposta a estas duas
perguntas é: não. Os trabalhadores não ganharam nada e os empregadores, que são
deficitários de qualquer forma, até pouparam uns trocos em ordenados.
E assim sendo, que greves são estas, afinal? São para levar
a sério? Não. São greves de brincadeirinha, em que quem se lixa é o mexilhão –
ou seja, o utente. Se alguma das partes estivesse realmente convicta do que
está a fazer, se uns sentissem que ganhavam alguma coisa e outros que poderiam
perder alguma coisa, nada se passaria assim. Estas greves à portuguesa são pura
encenação. Muito democráticas, certamente. Mas absolutamente inúteis.
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