A surpresa é que não houve surpresas
O Presidente não pediu a fiscalização do Orçamento.
Uma opção que acarreta algum risco
Editorial / Público
Há precisamente um ano, Cavaco Silva surpreendeu ao anunciar
na sua mensagem de Ano Novo que iria requerer a fiscalização sucessiva do
Orçamento do Estado para 2013. O momento escolhido abriu um precedente e, como
tal, era grande a expectativa sobre se o Presidente da República iria repetir a
dose e enviar o Orçamento para 2014 para ser fiscalizado pelo Tribunal
Constitucional. Nem uma palavra no discurso de ontem. A surpresa na mensagem do
Presidente este ano é que não houve nenhuma surpresa.
O Presidente não é taxativo em relação à decisão de não
enviar o documento para o Constitucional. Mas nas entrelinhas do discurso pode
ler-se que há um valor que para Cavaco nesta altura parece ser maior do que
todos os outros: estabilidade para não assustar os mercados. E para esta
estabilidade o Orçamento é, segundo Cavaco, “um instrumento da maior
relevância” no contexto de “acesso aos mercados de financiamento externo a
taxas de juro razoáveis”.
Em termos práticos, o facto de Cavaco não ter solicitado uma
fiscalização sucessiva é irrelevante. Por uma porta, ou por outra, o documento
vai parar aos juízes do Palácio Ratton. Isto porque os partidos da oposição já
disseram que iriam activar a fiscalização do documento. Já em termos políticos,
a decisão não é neutra. Cavaco sabe que está a correr riscos de estar a
promulgar um Orçamento que pode conter normas inconstitucionais. Foi o que
aconteceu com o primeiro Orçamento do Governo de Passos Coelho que, apesar da
promulgação e do silêncio de Cavaco, veio provar-se mais tarde estar
contaminado com pelo menos uma norma inconstitucional (o corte dos subsídios na
função pública).
A repetição desta situação poderia deixar o Presidente numa
situação melindrosa e fragilizado politicamente. Exactamente aquilo que o país
não precisa para 2014, já que no ano que agora começa o papel de árbitro
desempenhado por Belém poderá ser fundamental. E é o próprio que, repetidas
vezes, apelou à necessidade de compromissos políticos. E para esses
compromissos é preciso um Presidente que não seja visto como estando a secundar
ou a não fiscalizar convenientemente as opções do Governo.
No discurso, Cavaco tentou ser salomónico nos recados a
enviar aos partidos. Veio dizer, de uma forma clara, que “um programa cautelar
é uma realidade diferente” de um segundo resgate. Que é como quem pede aos
socialistas para baixarem a fasquia e não considerarem a bitola irlandesa (uma
“saída limpa”) como a única alternativa possível para Portugal sair do actual
resgate com sucesso. E para os partidos da maioria pediu um “compromisso
político de médio prazo em torno de grandes objectivos nacionais”, que é como
quem pede ao PSD e ao CDS para que envolvam o PS nas negociações para um
eventual programa cautelar. Mesmo que a isso não sejam obrigados pelo credores.
Saída à irlandesa, à grega ou à portuguesa?
SOFIA RODRIGUES 02/01/2014 – in Público
No ano que marca o fim do programa de assistência
financeira, Portugal ficará a saber se terá um programa cautelar, se adopta um
segundo resgate ou se sai sem qualquer protecção. Só em Janeiro a questão
começa a ser discutida. Mas a solução de um programa cautelar coloca Portugal
menos exposto a eventuais movimentos especulativos dos mercados.
Três cenários estão em cima da mesa para o fim do resgate:
Sair sem programa, com um segundo programa ou com um programa cautelar. O mesmo
é dizer uma saída, à irlandesa, à grega ou à portuguesa. Mais uma vez parece
pesar a percepção dos mercados sobre a capacidade de Portugal se financiar e de
fazer reformas.
A saída do actual programa começa a ser discutida
formalmente a partir do final deste mês em Bruxelas. Mas nestes primeiros dias
os olhos estarão atentos aos mercados, depois do chumbo do Tribunal
Constitucional ao corte nas pensões ter sido conhecido poucos dias antes da
semana do Natal. É a percepção dos mercados sobre a capacidade de financiamento
de Portugal que apontará, em grande medida, a solução para sair de um programa
de resgate de três anos. E essa percepção também tem em conta a capacidade de
Portugal reduzir a despesa estrutural do Estado, ponto que o Tribunal
Constitucional tem colocado em dúvida.
Seguir a mesma opção da Irlanda — que terminou em Dezembro
passado o programa de assistência financeira sem qualquer outra intervenção
externa — é uma hipótese que o Governo mantém em cima da mesa, mas com muitas
cautelas. Na maioria, há quem veja como um sonho, mas com tantos riscos que se
pode transformar num pesadelo. O perigo é Portugal não conseguir financiar-se
nos mercados com juros aceitáveis e ter de voltar a pedir dinheiro emprestado
às instituições internacionais. É um cenário de que ninguém quer ouvir falar. O
caso irlandês pode ser o único até agora mas é o exemplo que o PS defende como aquele
que o Governo português tem de conseguir. Caso contrário, se a saída do resgate
for feita com um programa cautelar, os socialistas vão considerar que o Governo
fracassou.
Mas, a cinco meses do fim da assistência financeira, a
solução de adoptar um segundo programa é um cenário que ainda não desapareceu
embora seja colocado como extremo. Foi o que aconteceu à Grécia que viu
agravadas as condições para obter financiamento da troika. As medidas passaram
a ter de estar concretizadas para Atenas receber o cheque da respectiva tranche.
É uma solução que o discurso do Governo tem afastado quando insiste que
Portugal está a poucos meses de terminar o programa e de recuperar parte da sua
soberania. Ter um segundo resgate implica que o actual programa nem sequer
acaba e as condições impostas são agravadas. Mas ninguém quer descartar esta
hipótese até porque o Orçamento do Estado para 2014 será sujeito ao crivo do
Tribunal Constitucional. A decisão — se vier a resultar de um pedido de
fiscalização sucessivo — deverá acontecer na Primavera, numa data que rondará o
fim do programa, marcado para 17 de Maio.
O distanciamento que o Executivo português quer marcar da
Grécia ficou conhecido na frase “antes celta que grego”, do
vice-primeiro-ministro Paulo Portas. Foi aliás um ministro do CDS, Pires de
Lima, que tutela a Economia, que colocou o programa cautelar na agenda
mediática, em Outubro, quando a Irlanda ainda discutia como sairia do seu
programa de resgate.
O programa cautelar será uma linha de crédito, que poderá
ser mais ou menos exigente. Mas terá sempre de ter condicionalismos. Na versão
mais leve, pode estabelecer, por exemplo, um compromisso sobre meta de défice,
embora sem uma imposição de medidas a adoptar. O Governo fica livre de escolher
a forma de atingir o objectivo.
A solução de um programa cautelar foi dada quase como certa
no mês passado pelo presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, que
acabou por vir corrigir a declaração, dizendo que a decisão cabe ao Governo.
Com um programa cautelar Portugal fica menos exposto a movimentos especulativos
dos mercados. Este é um dos factores que pesará na decisão do Governo. Passos
Coelho garante que ainda não há negociações com Bruxelas, mas fixou em 12 meses
a duração de um eventual programa e dispensou o apoio do PS.
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