OPINIÃO
Orçamentos autárquicos não
poupam Cultura
JOSÉ JORGE LETRIA 06/01/2014 – in Público
Só ganhará, a médio e longo prazo, quem for criativo e
corajoso.
Praticamente sem excepção, os orçamentos dos executivos
autárquicos para 2014 aprovados antes do final do ano sofreram cortes
significativos e, de uma forma ainda mais acentuada, na área da Cultura. É
sabido que, quando se enfrenta uma crise com esta magnitude, é preciso reduzir
despesas de forma generalizada, mas também é indispensável que se saiba
hierarquizar a importância daquilo que se corta.
Se um executivo autárquico está convicto de que a actividade
cultural pode contribuir para criar mais emprego, para ajudar o sector turístico
e o da restauração e pode ainda contribuir para atrair visitantes nacionais e
estrangeiros, deverá ser cauteloso nos cortes, já que eles podem afectar uma
área de potencial estratégico. Tenho presentes vários concelhos portugueses que
nos dois últimos anos souberam utilizar a oferta cultural com criatividade e
inteligência, organizando festivais e vários eventos originais que se
traduziram no encaixe de receitas nada desprezíveis.
Trata-se de uma questão de opção e de mentalidade que nos
remete para uma situação passada com Winston Churchill durante a Segunda Guerra
Mundial. Quando deputados da oposição e alguma imprensa o criticaram por,
investindo na Cultura e nas Artes, poder estar a afectar o esforço de guerra,
ele responder algo parecido com isto: “Se não lutarmos por isto, lutamos
porquê?” Queria o grande estadista enfatizar a ideia segundo a qual, ante a
barbárie em marcha, é preciso defender os valores da cultura e da civilização,
que são também os da liberdade.
Para se defender a capacidade material que o sector da
Cultura tem de avançar com iniciativas, é preciso ter coragem, sentido
estratégico e uma consistente visão cultural. Dir-se-á que quando se fazem
significativos cortes na Acção Social e na Educação não é possível poupar a
Cultura à lâmina aguçada do emagrecimento orçamental. Mas a verdade é que as
bibliotecas da rede de leitura pública não podem abdicar de fazer as suas
aquisições e que há muitas outras rubricas do mesmo sector que não podem ficar
em estado de carência.
Basta pensar que, segundo estatísticas muito recentes, os
cinemas portugueses perderam nove milhões de euros de receita de bilheteira e
cerca de 1,4 milhões de espectadores comparativamente com os valores apurados
em 2012.
Isto significa que há menos dinheiro para se ir ao cinema,
mas também que há menos salas para se ver cinema em vários pontos do país e que
este constitui um público potencial para corresponder a outras formas de oferta
local, que também podem passar pelo cinema. Toda esta situação deverá ser vista
de uma forma articulada e, de preferência, estudada pelos organismos estatais
que dispõem de verbas para efectuar estas análises e estudos comparativos.
De forma recorrente tenho referido o exemplo da Irlanda,
agora regressada aos mercados, que acreditou no potencial regenerador da
Cultura, contribuindo desse modo para que houvesse menos gente a emigrar e
muito mais gente, nacional e estrangeira, a encher as salas de cinema, os
museus e as galerias.
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