quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Novo Museu dos Coches já recebeu quatro viaturas e as peças das reservas. Foi você que pediu uma garagem para coches antigos?


Novo Museu dos Coches já recebeu quatro viaturas e as peças das reservas
O museu, que está pronto desde 2012 mas só abrirá no próximo ano, já tem as oficinas de manutenção e conservação a funcionar
3 jan 2014/ Público

As peças das reservas e quatro viaturas da exposição permanente do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa, já foram transferidas para as instalações do novo museu, que só deverá abrir em 2015.
Silvana Bessone, directora do Museu dos Coches, localizado na Praça Afonso de Albuquerque, em Belém, confirmou à agência Lusa que no final do ano passado foram transferidas para o novo museu, situado a cerca de 200 metros, todas as peças que se encontravam nas reservas da instituição.
“O novo museu recebeu estas peças das reservas e também quatro viaturas antigas que se encontravam na exposição permanente. Vão receber ali tratamento de conservação”, revelou a directora do museu. Silvana Bessone disse que o novo museu já tem as oficinas de manutenção e conservação a funcionar.
As reservas do museu, explicou, incluem fardamentos, selas e arreios e encontram-se agora numa área do novo edifício “com mais espaço e em muito boas condições”. As viaturas transferidas, adiantou, são três berlindas do século XVIII e uma carruagem do século XIX, que deverão ser alvo de tratamento nas oficinas e futuramente expostas, quando o museu abrir.
Questionada sobre outras alterações introduzidas na colecção permanente do actual Museu dos Coches — que celebra 110 anos em 2015 — Silvana Bessone afirmou que, “com excepção das viaturas” transferidas, a colecção irá manter-se.
“Oficialmente está prevista a abertura do novo museu em 2015. Até lá, ainda terão de ser lançados os concursos públicos para o projecto museográfico, sinalética, conteúdos multimédia e passagem pedonal”, recordou.
A directora sublinhou que a construção da passagem pedonal sobre a via férrea “será fundamental para o acesso ao museu pelos visitantes” que chegam pela linha ferroviária situada entre a Avenida da Índia e a Avenida de Brasília.
Da mesma forma, a passagem será usada para ligar a zona de estacionamento situada do lado de lá da via férrea, junto à Avenida de Brasília, onde deverão estacionar os autocarros de transporte de turistas.
O novo Museu Nacional dos Coches é composto por dois edifícios, um expositivo e outro anexo, com quatro pisos, com a recepção, as bilheteiras, a loja, o restaurante/ bar, a cafetaria, duas salas de exposição permanente, a sala de exposições temporárias, o auditório, o serviço educativo, os gabinetes da direcção, os serviços administrativos, o laboratório, as oficinas e as zonas técnicas. Ocupando 15.177 metros quadrados nos terrenos das antigas Oficinas Gerais do Exército, o projecto foi concebido em consórcio pelos ateliers MMBB Arquitetos (Brasil), Bak Gordon Arquitectos e Nuno Sampaio Arquitectos (Portugal), com o arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha.
Criado por iniciativa da rainha D. Amélia, mulher do rei D. Carlos I, em 1905, o museu, actualmente instalado no antigo Picadeiro Real do Palácio de Belém, reúne uma colecção única no mundo de viaturas de gala e de passeio do século XVII ao século XIX, na sua maioria provenientes dos bens da coroa ou propriedade particular da Casa Real portuguesa.
Em Outubro do ano passado, no Parlamento, o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, disse aos deputados que, mesmo fechado, o novo museu iria custar ao Estado entre 200 mil e 300 mil euros em 2013. Disse ainda que, depois de aberto, os custos anuais iriam subir para três milhões de euros e que o actual museu custa um milhão, gerando receitas de 500.000 euros.
Adjudicado durante o Governo de José Sócrates e finalizado em 2012, o projecto de construção do novo Museu dos Coches destinouse à execução das contrapartidas do Casino Lisboa, envolvendo um investimento total de 35 milhões de euros.





Foi você que pediu uma garagem para coches antigos?
A Opinião de António Sérgio Rosa de Carvalho.27/08/2011 in Público.


Belém, espaço simbólico da lusitanidade, é caracterizado de forma única pela luminosidade do Tejo-Oceano, pelo tom pastel do seu edificado vernáculo e erudito e pelo simbolismo da sua vegetação arquetipamente mediterrânica.
Este espaço de identidade foi criado por várias gerações, num processo acumulativo, baseado num consenso de leitura, apreciação e reconhecimento da sua importância. Na Praça Afonso de Albuquerque, a elegância apropriada do estilo "Seize" do Picadeiro Real e a erudição neoclássica dos seus interiores constituem o contexto perfeito para a apreciação da internacionalmente reconhecida colecção de coches.
O êxito do museu ilustra um produto cultural consolidado, com desafios de conservação, mas perfeito no seu conjunto.
Num processo apressado, sem concurso público, decidido por um ministro pouco económico (mais do que três dezenas de milhões) determinado a deixar marca de regime através da afirmação pelo contraste e ruptura, este projecto deixa-nos preocupados.
Acima de tudo porque é um símbolo de um despesismo inconsciente e irresponsável, destruidor de um equilíbrio perfeito já existente e criador de novas despesas num futuro muito incerto de penúria e crise no universo do património cultural e museus.
Além disso, ao o compararmos na mesma zona com o Centro Cultural de Belém, concluimos que o projecto do mesmo revelava preocupações de contextualização arquitectónica com a envolvente, esta já determinada na Exposição do Mundo Português em 1940. Volumetrias sintonizadas com a massa dos Jerónimos, jardins suspensos para usufruto tanto do horizonte natural como simbólico, contextualização cuidada dos materiais, linguagem arquitectónica intemporal, monumentalidade apropriada à gravitas e "tectónica" da zona. Além disso, apresentava um programa de funções e de apropriação do espaço de usufruto quotidiano muito claro na sua relação com a arquitectura.
Ora o novo Museu dos Coches, apesar das suas promessas de valorização urbana e pretendidas garantias de vivência turística (elevação do solo); apesar da sua pretensão de monumentalidade minimalista, capaz de valorizar através da imensidão abstracta e branca a exposição de objectos de "ourivesaria" movíveis (coches), deixa-nos muito apreensivos. Porque, apesar de todos os argumentos, é um projecto formalista, dirigido fundamentalmente à forma e estilo do objecto arquitectónico, ao qual a função tem que se adaptar, afirmando-se este objecto pela ruptura, tanto em forma como em materiais.
Enfim, receita apropriada e aliciante para políticos que desejam deixar marca dinástica de regime, mas altamente preocupante quando falamos do Genius Loci de Belém e das suas características cuidadosamente consolidadas.
O projecto lembra-nos um modelo de garagem com rampas, saído de uma miniatura do nosso quarto de brincadeiras, ou um espaço caricatural de um filme de Jacques Tati.
A imensidão branca e clínica dos seus espaços interiores (salas ou hangares [?] com 130 metros por 20 e oito de altura) vai obrigar ao restauro exaustivo de todos os objectos, expostos agora a um escrutínio detalhado e implacável. Os seus espaços ("praça" e rampas) exteriores correm o risco de confirmarem a sua vocação de "garagem", ou no place vazio, inóspito e sujeito às correntes de ar - enquanto a elegância perfeita e erudita do picadeiro fica condenada à subavaliação e subutilização.
Um projecto desnecessário, como até António Costa reconheceu publicamente. No entanto, a Associação de Arquitectos, tal como no Largo do Rato, veio apoiar publicamente com 200 assinaturas este projecto, apesar de ausência de qualquer concurso.
Continua a ser a associação, tal como os seus estatutos o afirmam, uma instituição de utilidade pública, ou transformou-se descaradamente num clube de interesses corporativos?


Historiador de Arquitectura

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