domingo, 22 de dezembro de 2024

25 de Julho de 2023: Circulação no Atlântico pode entrar em colapso já em 2025 e afectar o clima na Terra / Circulation in the Atlantic could collapse as early as 2025 and affect Earth's climate

 


CLIMA

Circulação no Atlântico pode entrar em colapso já em 2025 e afectar o clima na Terra

 

O principal sistema de circulação do oceano Atlântico pode atingir um ponto crítico em meados deste século, ou mesmo antes, estima estudo. O colapso terá consequências na regulação climática da Terra.

 

Andréia Azevedo Soares

25 de Julho de 2023, 17:09

https://www.publico.pt/2023/07/25/azul/noticia/circulacao-atlantico-entrar-colapso-ja-2025-afectar-clima-terra-2057995

 

A AMOC é um importante sistema de correntes oceânicas, sendo considerada uma peça-chave na regulação climática da Terra

 

O principal sistema de circulação do oceano Atlântico pode entrar em colapso já no meio deste século, ou mesmo já em 2025 no cenário mais pessimista com menor grau de certeza, dadas as emissões ininterruptas de gases com efeito estufa. Um estudo científico, publicado esta terça-feira na revista Nature Communications, estima que a chamada “circulação termosalina meridional do Atlântico” (AMOC, na sigla em inglês) pode alcançar um ponto de não-retorno a qualquer momento a partir de 2025.

 

“As alterações climáticas causadas pelas emissões de gases com efeito estufa vão causar não só um desagradável aquecimento gradual, mas também podem levar a um ponto de não-retorno, capaz de desencadear mudanças dramáticas e inéditas nos últimos 12 000 anos”, afirma ao PÚBLICO o co-autor Peter Ditlevsen, professor do Instituto Niels Bohr, na Universidade de Copenhaga, na Dinamarca.

 

A AMOC é um importante sistema de correntes oceânicas, sendo considerada uma peça-chave na regulação climática da Terra. Por isso, o colapso desse sistema traz por arrasto consequências profundas para o clima planetário, mas particularmente para a região do Atlântico Norte (e para a Europa, claro está).

 

“O nosso trabalho na área dos sistemas de aviso precoce consiste em recolher estatísticas, e estes dados chegam lentamente, mas a urgência é tanta que não devemos esperar muito. Os decisores políticos e outras partes interessadas devem perceber que este é um risco de mudança climática potencial e extremamente dispendiosa, o que implica uma acção imediata”, alerta o co-autor do artigo intitulado, numa tradução livre, Aviso de um colapso iminente da AMOC.

 

De forma muito simples, podemos dizer que a AMOC funciona como um gigantesco “tapete rolante”, capaz de impulsionar as águas através das diferenças de temperatura e densidade (teor de sal). A água quente dos trópicos que vai em direcção ao Norte tende a arrefecer e sofrer alguma evaporação (logo, fica mais densa). Uma vez mais fria e salgada, flui para zonas oceânicas mais profundas e a Sul, até ser novamente “puxada” para a superfície, onde vai reaquecer.

 

Assim, conclui-se uma volta completa no “tapete rolante”, que, quando em equilíbrio, se mantém em contínuo movimento. Este sistema de circulação oceânica garante não só uma mistura regular das águas, mas também uma distribuição global de calor e energia.

 

Como estimar a data do colapso?

Para produzir estimativas mais fiáveis de um provável futuro colapso da AMOC, Peter Ditlevsen estudou (juntamente com a co-autora Susanne Ditlevsen) as temperaturas da superfície do mar no Atlântico Norte entre 1870-2020. O ideal seria examinar dados da circulação do Atlântico propriamente dita, mas esse sistema só começou a ser monitorizado a partir de 2004. E, para conseguir obter informação com significância estatística, os cientistas precisavam de uma longa série de dados.

 

Os dados da superfície marítima funcionam então como um proxy para a AMOC, abrindo caminho para uma melhor compreensão das tendências de temperatura neste sistema de circulação oceânica. Um dado proxy é aquele que se apresenta no lugar dos dados em que estamos realmente interessados, mas que por alguma razão não está disponível.

 

Peter Ditlevsen faz a seguinte analogia: se quisermos investigar a mudança da altura média das pessoas em Lisboa, como resultado da melhoria das condições de saúde ao longo do tempo, teremos de medir muitos indivíduos.

 

“A questão é saber quantas pessoas precisamos medir para avaliar com confiança se a hipótese é plausível. Isto vai depender não só de quantos indivíduos medimos para estimar a média, mas também de quão diferentes estas pessoas são entre si. Imagine que fazemos três medições: 1,52, 1,61, 2,05 metros, por exemplo, ou então 1,71, 1,72, 1,69 metros. No primeiro caso, percebe-se logo que serão necessárias mais medições porque as pessoas variam entre si mais de 10 centímetros. A situação nas medições da AMOC é semelhante: temos de recuar a um período muito antes de 2004 para compreendermos qual era o nível ‘normal’ antes das mudanças na circulação no Atlântico”, diz o co-autor do estudo.

 

Se a circulação do Atlântico é um sistema de correntes tão importante, porque é que só estamos a monitorizá-la há menos de 20 anos? “A explicação para não haver dados da AMOC antes de 2004 é que esta monitorização é bastante complicada. Precisaríamos de um grande conjunto de bóias ou então fazer como fazemos agora, medindo a tensão gerada nos cabos telefónicos que ligam a Europa e a América do Norte no fundo do oceano”, explica ao PÚBLICO o cientista da Universidade de Copenhaga. Medições da superfície oceânica por satélite também contribuíram para o conjunto de dados analisados.

 

Colapso possível entre 2025 e 2095

As conclusões dos cientistas já apontam para um colapso iminente, um aviso precoce que sugere que o sistema pode ser interrompido, ou entrar em colapso parcial, no período entre 2025 e 2095.

 

O planeta testemunhou este tipo de mudança súbita do clima durante o último período glacial, alteração que foi causada precisamente pela ruptura e subsequente restauração da AMOC. “Isto levou a flutuações médias de temperatura no hemisfério norte de 10 a 15 graus Celsius numa década, muito maiores do que as mudanças actuais de 1,5 graus Celsius num século. A força da AMOC só foi monitorizada continuamente desde 2004 e essas observações mostraram que o sistema está a enfraquecer, mas séries de dados mais longas são necessárias para avaliar a magnitude”, refere a nota de imprensa do grupo Nature.

 

O enfraquecimento da AMOC tem merecido atenção da comunidade científica há vários anos. Um estudo publicado há dois anos, por exemplo, mostrava que a corrente do Golfo havia atingido o nível mais fraco dos últimos 1000 anos. Esta desaceleração pode amplificar, segundo especialistas, fenómenos climáticos extremos, provocando tempestades de Inverno mais intensas, ondas de calor mais intensas e chuvas de Verão mais escassas.

 

“A impressão digital da AMOC remonta a 1870. Melhoramos um pouco [esta assinatura]. A detecção de sistemas de aviso precoce para o colapso do AMOC foi relatada mais tarde. A novidade deste estudo é que podemos encaixar tudo de tal forma que conseguimos estimar o momento em que isso [o ponto de não-retorno] vai acontecer e adicionar [às estimativas] níveis de confiança”, explica o cientista ao PÚBLICO, numa resposta enviada por e-mail.

 

Avaliações anteriores do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) sugeriam, por exemplo, que um colapso total da AMOC seria improvável no século XXI. Agora, os modelos da dupla Ditlevsen indicam que este sistema de correntes oceânicas pode caminhar para um colapso parcial, ou mesmo para um ponto irreversível, já a partir de 2025.

 

Os autores não determinam no artigo o que motivou alterações no sistema AMOC, mas observam que as concentrações atmosféricas de CO2 aumentaram quase linearmente dentro do período de tempo estudado (1870-2020). Contudo, outros factores podem ter contribuído para estas mudanças.


CLIMATE

Circulation in the Atlantic could collapse as early as 2025 and affect Earth's climate

 

The Atlantic Ocean's main circulation system could reach a tipping point by the middle of this century, or even earlier, a study estimates. The collapse will have consequences on Earth's climate regulation.

 

Andrea Azevedo

25 July 2023, 17:09

https://www.publico.pt/2023/07/25/azul/noticia/circulacao-atlantico-entrar-colapso-ja-2025-afectar-clima-terra-2057995

 

AMOC is an important system of ocean currents, being considered a key player in the Earth's climate regulation

 

The main circulation system of the Atlantic Ocean could collapse as early as the middle of this century, or even as early as 2025 in the worst-case scenario with the least degree of certainty, given uninterrupted greenhouse gas emissions. A scientific study, published Tuesday in the journal Nature Communications, estimates that the so-called "Atlantic meridional thermosaline circulation" (AMOC) could reach a point of no return at any time starting in 2025.

 

"Climate change caused by greenhouse gas emissions will not only cause unpleasant gradual warming, but may also lead to a point of no return, capable of triggering dramatic changes unprecedented in the last 12,000 years," co-author Peter Ditlevsen, a professor at the Niels Bohr Institute at the University of Copenhagen, told PÚBLICO.  in Denmark.

 

The AMOC is an important system of ocean currents, being considered a key player in the climate regulation of the Earth. Therefore, the collapse of this system has profound consequences for the planetary climate, but particularly for the North Atlantic region (and for Europe, of course).

 

"Our work in the area of early warning systems is to collect statistics, and these data come in slowly, but the urgency is such that we should not wait long. Policymakers and other stakeholders should realize that this is a potential and extremely costly climate change risk, which entails immediate action," warns the co-author of the paper titled, in a free translation, Warning of an imminent collapse of the AMOC.

 

In a very simple way, we can say that AMOC works as a gigantic "conveyor belt", capable of propelling the waters through the differences in temperature and density (salt content). The warm water from the tropics that goes northward tends to cool and evaporate (so it gets denser). Once colder and saltier, it flows into deeper oceanic zones and to the south, until it is again "pulled" to the surface, where it will reheat.

 

Thus, a complete turn is completed on the "conveyor belt", which, when in balance, remains in continuous motion. This ocean circulation system ensures not only a regular mixing of the waters, but also a global distribution of heat and energy.

 

How to estimate the date of the collapse?

To produce more reliable estimates of a likely future collapse of AMOC, Peter Ditlevsen studied (along with co-author Susanne Ditlevsen) sea surface temperatures in the North Atlantic between 1870-2020. The ideal would be to examine data from the Atlantic circulation itself, but this system only began to be monitored from 2004. And to get statistically significant information, scientists needed a long series of data.

 

The sea surface data then acts as a proxy for AMOC, paving the way for a better understanding of temperature trends in this ocean circulation system. A proxy data is one that presents itself in place of the data in which we are really interested, but which for some reason is not available.

 

Peter Ditlevsen makes the following analogy: if we want to investigate the change in the average height of people in Lisbon as a result of improving health conditions over time, we will have to measure many individuals.

 

"The question is how many people we need to measure to confidently assess whether the hypothesis is plausible. This will depend not only on how many individuals we measure to estimate the average, but also on how different these people are from each other. Imagine that we make three measurements: 1.52, 1.61, 2.05 meters, for example, or 1.71, 1.72, 1.69 meters. In the first case, it is soon realized that more measurements will be needed because people vary from each other more than 10 centimeters. The situation in the AMOC measurements is similar: we have to go back to a period long before 2004 to understand what the 'normal' level was before the changes in circulation in the Atlantic," says the study's co-author.

 

If the Atlantic circulation is such an important current system, why have we only been monitoring it for less than 20 years? "The explanation for not having AMOC data before 2004 is that this monitoring is quite complicated. We would need a large set of buoys or else do as we do now, measuring the voltage generated in the telephone cables that connect Europe and North America on the ocean floor," explains the scientist from the University of Copenhagen. Satellite measurements of the ocean surface also contributed to the dataset analyzed.

 

Possible collapse between 2025 and 2095

The scientists' findings already point to an imminent collapse, an early warning that suggests the system could be disrupted, or partially collapsed, in the period between 2025 and 2095.

 

The planet witnessed this kind of sudden climate change during the last glacial period, an alteration that was caused precisely by the rupture and subsequent restoration of the AMOC. "This has led to average temperature fluctuations in the northern hemisphere of 10 to 15 degrees Celsius in a decade, much greater than the current changes of 1.5 degrees Celsius in a century. The strength of AMOC has only been continuously monitored since 2004 and these observations have shown that the system is weakening, but longer data series are needed to assess the magnitude," the Nature group press release said.

 

The weakening of AMOC has received attention from the scientific community for several years. A study published two years ago, for example, showed that the Gulf Stream had reached its weakest level in 1,000 years. This slowdown can amplify, according to experts, extreme weather events, causing more intense winter storms, more intense heat waves and scarcer summer rainfall.

 

"AMOC's fingerprint dates back to 1870. We've improved [this signature] a little bit. Detection of early warning systems for AMOC collapse was later reported. The novelty of this study is that we can fit everything together in such a way that we can estimate the moment when this [the point of no return] will happen and add [to the estimates] levels of confidence," the scientist explains to PÚBLICO in an emailed response.

 

Previous assessments by the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) suggested, for example, that a total collapse of the AMOC would be unlikely in the twenty-first century. Now, models from the Ditlevsen duo indicate that this system of ocean currents could be heading for a partial collapse, or even an irreversible point, as early as 2025.

 

The authors do not determine in the article what motivated changes in the AMOC system, but note that atmospheric CO2 concentrations increased almost linearly within the time period studied (1870-2020). However, other factors may have contributed to these changes.


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