CLIMA
Circulação no Atlântico pode entrar em colapso já em 2025
e afectar o clima na Terra
O principal sistema de circulação do oceano Atlântico
pode atingir um ponto crítico em meados deste século, ou mesmo antes, estima
estudo. O colapso terá consequências na regulação climática da Terra.
Andréia Azevedo
Soares
25 de Julho de
2023, 17:09
A AMOC é um importante sistema de correntes oceânicas,
sendo considerada uma peça-chave na regulação climática da Terra
O principal
sistema de circulação do oceano Atlântico pode entrar em colapso já no meio
deste século, ou mesmo já em 2025 no cenário mais pessimista com menor grau de
certeza, dadas as emissões ininterruptas de gases com efeito estufa. Um estudo
científico, publicado esta terça-feira na revista Nature Communications, estima
que a chamada “circulação termosalina meridional do Atlântico” (AMOC, na sigla
em inglês) pode alcançar um ponto de não-retorno a qualquer momento a partir de
2025.
“As alterações
climáticas causadas pelas emissões de gases com efeito estufa vão causar não só
um desagradável aquecimento gradual, mas também podem levar a um ponto de
não-retorno, capaz de desencadear mudanças dramáticas e inéditas nos últimos 12
000 anos”, afirma ao PÚBLICO o co-autor Peter Ditlevsen, professor do Instituto
Niels Bohr, na Universidade de Copenhaga, na Dinamarca.
A AMOC é um
importante sistema de correntes oceânicas, sendo considerada uma peça-chave na
regulação climática da Terra. Por isso, o colapso desse sistema traz por
arrasto consequências profundas para o clima planetário, mas particularmente
para a região do Atlântico Norte (e para a Europa, claro está).
“O nosso trabalho
na área dos sistemas de aviso precoce consiste em recolher estatísticas, e
estes dados chegam lentamente, mas a urgência é tanta que não devemos esperar
muito. Os decisores políticos e outras partes interessadas devem perceber que
este é um risco de mudança climática potencial e extremamente dispendiosa, o
que implica uma acção imediata”, alerta o co-autor do artigo intitulado, numa
tradução livre, Aviso de um colapso iminente da AMOC.
De forma muito
simples, podemos dizer que a AMOC funciona como um gigantesco “tapete rolante”,
capaz de impulsionar as águas através das diferenças de temperatura e densidade
(teor de sal). A água quente dos trópicos que vai em direcção ao Norte tende a
arrefecer e sofrer alguma evaporação (logo, fica mais densa). Uma vez mais fria
e salgada, flui para zonas oceânicas mais profundas e a Sul, até ser novamente
“puxada” para a superfície, onde vai reaquecer.
Assim, conclui-se
uma volta completa no “tapete rolante”, que, quando em equilíbrio, se mantém em
contínuo movimento. Este sistema de circulação oceânica garante não só uma
mistura regular das águas, mas também uma distribuição global de calor e
energia.
Como estimar a data do colapso?
Para produzir
estimativas mais fiáveis de um provável futuro colapso da AMOC, Peter Ditlevsen
estudou (juntamente com a co-autora Susanne Ditlevsen) as temperaturas da
superfície do mar no Atlântico Norte entre 1870-2020. O ideal seria examinar
dados da circulação do Atlântico propriamente dita, mas esse sistema só começou
a ser monitorizado a partir de 2004. E, para conseguir obter informação com
significância estatística, os cientistas precisavam de uma longa série de
dados.
Os dados da
superfície marítima funcionam então como um proxy para a AMOC, abrindo caminho
para uma melhor compreensão das tendências de temperatura neste sistema de
circulação oceânica. Um dado proxy é aquele que se apresenta no lugar dos dados
em que estamos realmente interessados, mas que por alguma razão não está
disponível.
Peter Ditlevsen
faz a seguinte analogia: se quisermos investigar a mudança da altura média das
pessoas em Lisboa, como resultado da melhoria das condições de saúde ao longo
do tempo, teremos de medir muitos indivíduos.
“A questão é
saber quantas pessoas precisamos medir para avaliar com confiança se a hipótese
é plausível. Isto vai depender não só de quantos indivíduos medimos para
estimar a média, mas também de quão diferentes estas pessoas são entre si.
Imagine que fazemos três medições: 1,52, 1,61, 2,05 metros, por exemplo, ou
então 1,71, 1,72, 1,69 metros. No primeiro caso, percebe-se logo que serão
necessárias mais medições porque as pessoas variam entre si mais de 10
centímetros. A situação nas medições da AMOC é semelhante: temos de recuar a um
período muito antes de 2004 para compreendermos qual era o nível ‘normal’ antes
das mudanças na circulação no Atlântico”, diz o co-autor do estudo.
Se a circulação
do Atlântico é um sistema de correntes tão importante, porque é que só estamos
a monitorizá-la há menos de 20 anos? “A explicação para não haver dados da AMOC
antes de 2004 é que esta monitorização é bastante complicada. Precisaríamos de
um grande conjunto de bóias ou então fazer como fazemos agora, medindo a tensão
gerada nos cabos telefónicos que ligam a Europa e a América do Norte no fundo
do oceano”, explica ao PÚBLICO o cientista da Universidade de Copenhaga.
Medições da superfície oceânica por satélite também contribuíram para o
conjunto de dados analisados.
Colapso possível entre 2025 e 2095
As conclusões dos
cientistas já apontam para um colapso iminente, um aviso precoce que sugere que
o sistema pode ser interrompido, ou entrar em colapso parcial, no período entre
2025 e 2095.
O planeta
testemunhou este tipo de mudança súbita do clima durante o último período
glacial, alteração que foi causada precisamente pela ruptura e subsequente
restauração da AMOC. “Isto levou a flutuações médias de temperatura no
hemisfério norte de 10 a 15 graus Celsius numa década, muito maiores do que as
mudanças actuais de 1,5 graus Celsius num século. A força da AMOC só foi
monitorizada continuamente desde 2004 e essas observações mostraram que o
sistema está a enfraquecer, mas séries de dados mais longas são necessárias
para avaliar a magnitude”, refere a nota de imprensa do grupo Nature.
O enfraquecimento
da AMOC tem merecido atenção da comunidade científica há vários anos. Um estudo
publicado há dois anos, por exemplo, mostrava que a corrente do Golfo havia
atingido o nível mais fraco dos últimos 1000 anos. Esta desaceleração pode
amplificar, segundo especialistas, fenómenos climáticos extremos, provocando
tempestades de Inverno mais intensas, ondas de calor mais intensas e chuvas de
Verão mais escassas.
“A impressão
digital da AMOC remonta a 1870. Melhoramos um pouco [esta assinatura]. A
detecção de sistemas de aviso precoce para o colapso do AMOC foi relatada mais
tarde. A novidade deste estudo é que podemos encaixar tudo de tal forma que
conseguimos estimar o momento em que isso [o ponto de não-retorno] vai
acontecer e adicionar [às estimativas] níveis de confiança”, explica o
cientista ao PÚBLICO, numa resposta enviada por e-mail.
Avaliações
anteriores do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na
sigla em inglês) sugeriam, por exemplo, que um colapso total da AMOC seria
improvável no século XXI. Agora, os modelos da dupla Ditlevsen indicam que este
sistema de correntes oceânicas pode caminhar para um colapso parcial, ou mesmo
para um ponto irreversível, já a partir de 2025.
Os autores não
determinam no artigo o que motivou alterações no sistema AMOC, mas observam que
as concentrações atmosféricas de CO2 aumentaram quase linearmente dentro do
período de tempo estudado (1870-2020). Contudo, outros factores podem
ter contribuído para estas mudanças.
CLIMATE
Circulation in the Atlantic could collapse as
early as 2025 and affect Earth's climate
The Atlantic Ocean's main circulation system could
reach a tipping point by the middle of this century, or even earlier, a study
estimates. The collapse will have consequences on Earth's climate regulation.
Andrea
Azevedo
25 July
2023, 17:09
AMOC is an important system of ocean currents, being
considered a key player in the Earth's climate regulation
The main
circulation system of the Atlantic Ocean could collapse as early as the middle
of this century, or even as early as 2025 in the worst-case scenario with the
least degree of certainty, given uninterrupted greenhouse gas emissions. A
scientific study, published Tuesday in the journal Nature Communications,
estimates that the so-called "Atlantic meridional thermosaline
circulation" (AMOC) could reach a point of no return at any time starting
in 2025.
"Climate
change caused by greenhouse gas emissions will not only cause unpleasant
gradual warming, but may also lead to a point of no return, capable of
triggering dramatic changes unprecedented in the last 12,000 years,"
co-author Peter Ditlevsen, a professor at the Niels Bohr Institute at the
University of Copenhagen, told PÚBLICO.
in Denmark.
The AMOC is
an important system of ocean currents, being considered a key player in the
climate regulation of the Earth. Therefore, the collapse of this system has
profound consequences for the planetary climate, but particularly for the North
Atlantic region (and for Europe, of course).
"Our
work in the area of early warning systems is to collect statistics, and these
data come in slowly, but the urgency is such that we should not wait long.
Policymakers and other stakeholders should realize that this is a potential and
extremely costly climate change risk, which entails immediate action,"
warns the co-author of the paper titled, in a free translation, Warning of an
imminent collapse of the AMOC.
In a very
simple way, we can say that AMOC works as a gigantic "conveyor belt",
capable of propelling the waters through the differences in temperature and
density (salt content). The warm water from the tropics that goes northward
tends to cool and evaporate (so it gets denser). Once colder and saltier, it
flows into deeper oceanic zones and to the south, until it is again
"pulled" to the surface, where it will reheat.
Thus, a
complete turn is completed on the "conveyor belt", which, when in
balance, remains in continuous motion. This ocean circulation system ensures
not only a regular mixing of the waters, but also a global distribution of heat
and energy.
How to estimate the date of the collapse?
To produce
more reliable estimates of a likely future collapse of AMOC, Peter Ditlevsen
studied (along with co-author Susanne Ditlevsen) sea surface temperatures in
the North Atlantic between 1870-2020. The ideal would be to examine data from
the Atlantic circulation itself, but this system only began to be monitored
from 2004. And to get statistically significant information, scientists needed
a long series of data.
The sea
surface data then acts as a proxy for AMOC, paving the way for a better
understanding of temperature trends in this ocean circulation system. A proxy
data is one that presents itself in place of the data in which we are really
interested, but which for some reason is not available.
Peter
Ditlevsen makes the following analogy: if we want to investigate the change in
the average height of people in Lisbon as a result of improving health
conditions over time, we will have to measure many individuals.
"The
question is how many people we need to measure to confidently assess whether
the hypothesis is plausible. This will depend not only on how many individuals
we measure to estimate the average, but also on how different these people are
from each other. Imagine that we make three measurements: 1.52, 1.61, 2.05
meters, for example, or 1.71, 1.72, 1.69 meters. In the first case, it is soon
realized that more measurements will be needed because people vary from each
other more than 10 centimeters. The situation in the AMOC measurements is
similar: we have to go back to a period long before 2004 to understand what the
'normal' level was before the changes in circulation in the Atlantic,"
says the study's co-author.
If the
Atlantic circulation is such an important current system, why have we only been
monitoring it for less than 20 years? "The explanation for not having AMOC
data before 2004 is that this monitoring is quite complicated. We would need a
large set of buoys or else do as we do now, measuring the voltage generated in
the telephone cables that connect Europe and North America on the ocean
floor," explains the scientist from the University of Copenhagen.
Satellite measurements of the ocean surface also contributed to the dataset
analyzed.
Possible collapse between 2025 and 2095
The
scientists' findings already point to an imminent collapse, an early warning
that suggests the system could be disrupted, or partially collapsed, in the
period between 2025 and 2095.
The planet
witnessed this kind of sudden climate change during the last glacial period, an
alteration that was caused precisely by the rupture and subsequent restoration
of the AMOC. "This has led to average temperature fluctuations in the
northern hemisphere of 10 to 15 degrees Celsius in a decade, much greater than
the current changes of 1.5 degrees Celsius in a century. The strength of AMOC
has only been continuously monitored since 2004 and these observations have
shown that the system is weakening, but longer data series are needed to assess
the magnitude," the Nature group press release said.
The
weakening of AMOC has received attention from the scientific community for
several years. A study published two years ago, for example, showed that the
Gulf Stream had reached its weakest level in 1,000 years. This slowdown can
amplify, according to experts, extreme weather events, causing more intense
winter storms, more intense heat waves and scarcer summer rainfall.
"AMOC's
fingerprint dates back to 1870. We've improved [this signature] a little bit.
Detection of early warning systems for AMOC collapse was later reported. The
novelty of this study is that we can fit everything together in such a way that
we can estimate the moment when this [the point of no return] will happen and
add [to the estimates] levels of confidence," the scientist explains to
PÚBLICO in an emailed response.
Previous
assessments by the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) suggested,
for example, that a total collapse of the AMOC would be unlikely in the twenty-first
century. Now, models from the Ditlevsen duo indicate that this system of ocean
currents could be heading for a partial collapse, or even an irreversible
point, as early as 2025.
The authors
do not determine in the article what motivated changes in the AMOC system, but
note that atmospheric CO2 concentrations increased almost linearly within the
time period studied (1870-2020). However, other factors may have
contributed to these changes.
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