SEGURANÇA INTERNA
Portugal está a ser usado como plataforma de auxílio à
imigração ilegal
Detenções por fraude documental aumentaram 123% e há
solicitadores e advogados envolvidos neste crime, segundo dados do Relatório
Anual de Segurança Interna (RASI) de 2022.
Sónia Trigueirão
31 de Março de
2023, 6:30
Portugal está a
ser usado como plataforma de auxílio à imigração ilegal, as detenções por
fraude documental aumentaram 123% em 2022 e constata-se o envolvimento de
solicitadores e advogados na obtenção fraudulenta da documentação de suporte
para a renovação de títulos de residência.
Os dados são do
Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2022 que descreve o crescimento
destes fenómenos que estão a ser levados a cabo por “grupos criminosos
organizados que, a troco de avultadas quantias monetárias, se disponibilizam a
facilitar tanto o transporte destes cidadãos para o território nacional como a
documentação necessária para o efeito”.
Segundo o RASI, o
que está a acontecer é que há nacionais de países terceiros que residem e
trabalham noutros Estados-membros em situação ilegal que se deslocam a Portugal
para regularizar ou renovar a sua situação documental com recurso a
documentação falsa ou falsificada. Uma vez obtido o estatuto de residente em
Portugal, regressam ao outro Estado-membro da União Europeia.
Aliás, sublinha o
documento, no âmbito de diversos inquéritos, já investigados e em investigação,
foi possível perceber que, em várias situações, estes imigrantes conseguiram
obter e renovar títulos de residência portugueses através de sociedades
comerciais com sede em Portugal, criadas exclusivamente para esse efeito. Estas
sociedades, sem actividade comercial, dedicam-se apenas a vender contratos de
trabalho aos imigrantes.
Os principais
documentos objecto de fraude são os contratos de trabalho, atestados de
residência, certificados de registo criminal, atestados médicos e declarações
de matrícula no ensino superior.
A respeito dos
atestados de residência, o RASI revela que foram detectados documentos emitidos
indevidamente a favor de cidadãos que não residem sequer em Portugal e que se
deslocam às juntas de freguesia acompanhados por testemunhas que falsamente
atestam as suas moradas.
Numa outra
vertente, há imigrantes que solicitam a lojistas de uma determinada área onde
se encontram temporariamente a viver para atestarem a sua residência num
determinado domicílio, fazendo uso da figura do trabalho sazonal para
justificar a sua frequente ausência da zona e garantindo desta feita um
endereço fixo.
Outra situação
que foi detectada envolve a emissão de centenas de atestados de residência a
favor de cidadãos estrangeiros, a grande maioria de origem indostânica,
emitidos num período curto e indexados a uma mesma habitação/fracção de um
edifício, tendo para tal sido intermediados por terceira pessoa.
Sobre as
declarações de matrícula no ensino superior, relata o RASI que é um “modus
operandi que pressupõe a intervenção de um ou vários suspeitos em território
nacional que preenchem os formulários de inscrição na universidade, instruem os
cidadãos acerca da postura e discurso na passagem da fronteira, efectuam a
marcação no sistema de agendamento do SEF relativo à emissão do título de
residência para frequência do ensino superior e ainda facilitam a obtenção de
comprovativos de estadas em hotéis”.
O RASI alerta
ainda para outra situação: casos de obtenção fraudulenta da nacionalidade
portuguesa por parte de cidadãos alegadamente originários dos antigos
territórios portugueses de Goa, Damão e Diu. De acordo com o documento,
inicialmente a fraude traduzia-se, maioritariamente, na falsificação de
certidões de nascimento por meio da utilização de falsos vínculos familiares.
Actualmente verifica-se que estão a ser utilizados passaportes indianos
falsificados, cujos dados correspondem a processos de nacionalidade concluídos,
com o respectivo assento de nascimento já transcrito para o ordenamento
jurídico português.
E este já deixou
de ser um fenómeno circunscrito a cidadãos da Índia. As autoridades já
detectaram cidadãos do Bangladesh, do Paquistão, dos Emirados Árabes Unidos e
da Tanzânia que obtiveram documentação indiana de forma fraudulenta, para
depois tentarem obter a nacionalidade portuguesa.
Destaca-se ainda
um fenómeno migratório timorense que se manifestou com mais intensidade na
segunda metade de 2022. Como estão isentos da obrigatoriedade de visto para
entrar e permanecer em Portugal para efeito de estadas de curta duração,
recorrem a este expediente para entrar na União Europeia e a partir daqui
viajarem para o Reino Unido.
A contínua
apresentação nas fronteiras, por parte de cidadãos timorenses, de documentação
fraudulenta originou a participação às entidades judiciais de diversos
processos-crime relacionados com a eventual prática do crime de auxílio à
imigração ilegal. De sublinhar também situações em que timorenses vieram para
Portugal com a promessa de um trabalho e que acabaram nas ruas de Lisboa sem
nada.
Casamentos de conveniência
A estas situações
acresce uma outra que preocupa as autoridades. Há cidadãos portugueses que
aceitam celebrar casamentos de conveniência a troco de valores que vão dos 500
aos três mil euros.
“Celebrado o
casamento de conveniência, os cidadãos nacionais viajam com os seus alegados
cônjuges (ou apenas munidos dos passaportes dos nubentes) para os países onde
se pretendem estabelecer e aí os mesmos solicitam um título de residência na
qualidade de familiares de cidadãos da União”, lê-se no RASI, que sublinha que
“não são raros os casos em que [cidadãos portugueses] se encontram envolvidos
em mais do que um casamento de conveniência com nacionais de países terceiros”.
No âmbito da
criminalidade relacionada com o tráfico de pessoas, revela o RASI que foram
instaurados 126 processos de inquérito, constituídos 78 arguidos e efectuadas
40 detenções.
Sublinha o mesmo
documento que este crime continua a estar muito ligado à angariação e ao
recrutamento para trabalho em campanhas sazonais, como as da apanha da
azeitona, castanha, frutos ou produtos hortícolas.
As vítimas são
levadas para “os locais das explorações agrícolas onde passam a trabalhar e a
residir, passando a depender totalmente da 'vontade' dos empregadores”. Estas
pessoas “possuem escassos recursos económicos e, devido a vários factores,
encontram-se em estado de vulnerabilidade e são colocados a trabalhar,
geralmente, em locais situados no interior alentejano ou na zona oeste do país,
com difíceis condições de acesso, dificultando a fiscalização”. Chegam
sobretudo de países como Marrocos, Argélia, Senegal, Nepal, Índia e Paquistão.
Sem comentários:
Enviar um comentário