sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Um enxovalho ao primeiro-ministro // Vieira retira Costa e Medina da lista de honra

 



Imagens de OVOODOCORVO

 

EDITORIAL

Um enxovalho ao primeiro-ministro

 

Vejam bem: um presidente de um clube a braços com várias suspeitas judiciais e embrulhado nos calotes ao BES recusou a “honra” que o primeiro-ministro lhe concedera em apoiá-lo.

 

MANUEL CARVALHO

17 de Setembro de 2020, 19:19

https://www.publico.pt/2020/09/17/politica/editorial/enxovalho-primeiroministro-1931968

 

Na sequência de “uma das campanhas mais hipócritas e demagógicas” que Luís Filipe Vieira guarda na memória, surgiu a decisão: a sua honra dispensa a presença de políticos na comissão que a devia exaltar. De uma penada, o presidente do Benfica tentou travar o prolongamento do “clima difamatório” que o caso gerou e, subliminarmente, resolver um problema ao primeiro-ministro (e a outros políticos).

 

Foi pior a emenda do que o soneto, não tanto para ele, mas principalmente para os que foram afastados da comissão. É preciso um agudo exercício de memória para nos recordarmos de um enxovalho tão gritante à dignidade institucional de um chefe do Governo da República como este. Vejam bem: um presidente de um clube a braços com várias suspeitas judiciais e embrulhado nos calotes ao BES recusou a “honra” que o primeiro-ministro lhe concedera em apoiá-lo.

 

O episódio vale o que vale na torrente de acontecimentos que vivemos, mas a sua carga simbólica tem um efeito preocupante para a qualidade da vida pública e para a imagem que os cidadãos têm sobre quem os governa. António Costa, já o escrevemos duas vezes neste espaço, cometeu um erro crasso ao aceitar integrar a comissão de honra de um candidato associado pela Justiça a casos graves como a Operação Lex.

 

Quem exerce cargos públicos de alta responsabilidade não deve trilhar caminhos sinuosos como os do futebol, sejam Rui Moreira ou Manuel Pizarro no FC Porto, sejam Fernando Medina e António Costa no Benfica. Perante o natural clamor público que esse gesto gerou, tinha apenas uma solução: sair pelo seu próprio pé. Não o fez e deixou que o presidente do Benfica o queimasse com uma expulsão.

 

Quando em causa está uma degradação de estatuto deste nível, sai mal o autor da malfeitoria e sai mal a sua vítima – ao contrário de muitas suspeitas, parece inverosímil que tenha sido o primeiro-ministro a pedir o afastamento, pois, se assim fosse, teria anunciado esse pedido previamente. E, como essa vítima é o primeiro-ministro de Portugal, a malfeitoria repercute-se em todos.

 

Goste-se ou não de António Costa, ele é a pessoa que os cidadãos escolheram para governar. E é exactamente nesta dimensão que se deve situar o problema. O episódio é degradante para a democracia.

 

Depois da justificação pífia de que na comissão de honra estava o cidadão e não o primeiro-ministro, depois do óbvio desconforto do Presidente da República ou de correligionários do partido, deixou de haver uma boa porta para sair. Ninguém pensaria, no entanto, no impensável: António Costa ser retirado da comissão de honra de Luís Filipe Vieira por Luís Filipe Vieira só parecia ser possível nas páginas do Inimigo Público. 

 


Vieira retira Costa e Medina da lista de honra

 

Presidente do Benfica diz ter retirado todos os titulares de cargos públicos do apoio à sua recandidatura à presidência do clube.

 

Luciano Alvarez

Luciano Alvarez 17 de Setembro de 2020, 13:47 actualizado a 17 de Setembro de 2020, 14:06

https://www.publico.pt/2020/09/17/politica/noticia/vieira-retira-costa-medina-lista-honra-1931904

 

Luís Filipe Vieira retirou da sua comissão de honra à recandidatura a presidente do Benfica todos os titulares de cargos públicos, entre os quais estavam o primeiro-ministro António Costa e Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa .

 

Horas antes de o primeiro-ministro se deslocar a Belém para a reunião semanal com o Presidente da República, e depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter anunciado que queria ouvi-lo sobre a polémica do apoio a Vieira, o presidente do clube “encarnado” deu conta deste facto através de um comunicado.

 

“Depois de assistir nos últimos dias a uma das campanhas mais hipócritas e demagógicas de que tenho memória, entendo ter chegado o momento de reagir”, afirma Vieira logo no início do comunicado.

 

Na nota tornada pública, o presidente do Benfica diz que se vivem “tempos em que a justiça passou a ser feita no Facebook, nas redes sociais e nos media”. Tempos, acrescenta, “em que os juízes foram substituídos por jornalistas e comentadores”. Profissionais que diz terem agido num “registo de excessos, sem conhecimento dos factos, mas com a cumplicidade de quem os vai parcialmente alimentando com o único objectivo de contaminar a percepção pública, vão minando o espaço mediático”.

 

Tempos ainda, refere, “em os jornais pré-anunciam condenações e em que líderes partidários e políticos mais populistas, propositadamente, esquecem um dos princípios básicos em que se assenta o nosso Estado de direito”.

 

“Tempos em que falta seriedade e rigor. Tempos em que, quando a justiça finalmente chega, já não há justiça. Tempos em que o bom-nome e a reputação das pessoas se perdem na avalancha mediática que atropela qualquer presunção de inocência”, acrescenta.

 

O presidente do Benfica diz também que “nos últimos quatro dias, António Costa, Fernando Medina e muitos outros foram atacados de forma incompreensível e torpe. “Entenderam dar-me [o apoio], como já o tinham feito em 2012 e 2016 sem que se tenha assistido a qualquer tipo de alarido”, lembra, criticando a "percepção pública que, de forma concertada, os media foram ‘construindo’, deturpando e usando como catalisador de uma campanha populista de difamação”.

 

O presidente do clube da Luz diz estar de “consciência tranquila” e garante: “Se for condenado, no futuro, em algum dos processos de que nestes dias tanto se fala, serei o primeiro a tomar a iniciativa, saindo pelo meu pé da presidência do Sport Lisboa e Benfica”.

 

Acusa ainda “os líderes partidários, e alguns dos políticos que mais se indignaram nestes dias” de “estarem mais preocupados em combater a tendência de transformar em sentença transitada a notícia de uma suspeita ou de uma acusação judicial”.

 

Vieira diz ser seu dever “agradecer a todos os benfiquistas” que lhe manifestaram apoio, mas acrescenta que não pode permitir “que instrumentalizem” o Benfica”. “Não posso tolerar que este clima difamatório se prolongue, nem que seja aproveitado para atacar de forma indevida o carácter e a seriedade de quem se limitou a expressar-me, enquanto sócio, o seu apoio.”

 

Por fim, agradece a todos a disponibilidade manifestada e conclui: “É triste que, 46 anos depois do 25 de Abril, se tenha de censurar quem livremente decidiu manifestar-me o seu apoio, mas o populismo e a demagogia dos dias de hoje obrigam-me a fazê-lo de forma a terminar com uma polémica injustificada e profundamente hipócrita.”

 

Questionado sobre a retirada do nome do líder do executivo socialista, o Governo não quis comentar o assunto. No final do Conselho de Ministros desta quinta-feira, a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, respondeu aos jornalistas que não tinha “qualquer comentário a fazer”.

 

tp.ocilbup@zeravla.onaicul

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