OPINIÃO
Que podem estas presidenciais fazer por nós?
A candidatura de Ana Gomes dá-me a esperança de que estas
eleições presidenciais possam ser sobre qualquer coisa. Estas presidenciais por
quem ninguém dava nada até há pouco podem vir a ser cruciais para nós.
RUI TAVARES
11 de Setembro de
2020, 0:00
https://www.publico.pt/2020/09/11/opiniao/opiniao/podem-presidenciais-1931144
Desde que escrevo
estas crónicas que fiz sempre questão de tornar público que escolhas políticas
faço como cidadão. Essa não é a única opção possível, nem a única respeitável;
há cronistas que se esforçam para que não se perceba em quem votam, e pode
haver excelentes razões para isso. No meu caso, achei sempre preferível que os
leitores pudessem saber de que lado estou, e depois darem o devido desconto.
Pois bem, não é
então por ser amigo e admirador de Ana Gomes, como fiquei depois de
trabalharmos juntos em tantas causas comuns, a partir de bancadas parlamentares
diferentes, que acho a sua candidatura a melhor notícia que tivemos até agora
sobre as próximas eleições presidenciais. É por reconhecer que, mesmo em
circunstâncias pessoais difíceis, ela não se esquivou a dar um contributo ao
país num momento que se arriscava a ser penoso. Não só porque, ao apresentar a
sua candidatura, Ana Gomes torna estas eleições mais disputadas, mas sobretudo
porque me dá a esperança de que estas eleições presidenciais possam ser sobre
qualquer coisa. Que tenham conteúdo, que falem das verdadeiras questões
estratégicas que interessam a Portugal numa época de pandemia global, recessão
profunda e crise ecológica. Que nos ponham a falar do modelo de desenvolvimento
que queremos para o país, aquele que seja inclusivo e que seja dinâmico, que dê
futuro a todos. Que estas eleições sejam, no fundo, mais sobre nós e menos
sobre as táticas político-partidárias de cada um dos candidatos.
A partir desta
semana, com a apresentação das candidaturas de Marisa Matias e de Ana Gomes,
isso passa a ser mais possível. Marcelo Rebelo de Sousa, pelo seu lado,
representa o que de melhor o seu campo político tem para oferecer ao país, com
um percurso cívico ímpar e um mandato presidencial inegavelmente construtivo, e
globalmente positivo. Assim há condições para puxar para cima o debate
presidencial e a campanha de todos os candidatos (à exceção, é claro, daquele
que só quererá atirar o debate para a lama, e que deve ser ignorado enquanto
não fizer senão isso).
O que faz de umas
eleições presidenciais importantes e decisivas não é a análise que delas é
feita pelos estrategas políticos, mas o momento histórico em que elas ocorrem,
e a relevância do debate público nesse momento para a vida dos cidadãos. Nesse
sentido, não pode haver momento mais importante do que este. Sejamos realistas:
mesmo antes da pandemia, Portugal encontrava-se, nos seus melhores dias, apenas
a navegar à vista. Nos piores dias, era bem pior. Vivemos desde o início deste
século crises e recessões, o regresso da emigração em grandes números e o
esboroar (ou mesmo colapsar) da confiança nas instituições e nas elites
políticas e económicas. Tivemos um primeiro-ministro preso por corrupção,
tivemos a austeridade, tivemos a troika.
Se alguma
resiliência e criatividade fomos demonstrando, isso diz muito sobre a nossa
assinalável coesão como comunidade e sobre os pilares ainda relativamente
fortes que o nosso regime democrático construiu (e se acham que não, vejam onde
já vão outras democracias ainda mais recentes do que a nossa). Mas a verdade é
que não podemos continuar sem uma injeção de visão e estratégia, sem um grande
debate nacional que nos comece a revelar os rumos por onde queremos seguir.
Nesse contexto,
estas presidenciais por quem ninguém dava nada até há pouco podem vir a ser
cruciais para nós.
Há ainda muitos
riscos de que assim não seja. Continua a haver o risco de que o nosso parasita
de polémicas consiga sequestrar estas eleições para satisfazer a sua obsessão
narcísica, mas creio que a maior parte dos outros candidatos estarão avisados
para isso. Há sempre o risco de termos umas eleições de casos e populismo, mas
compete-nos a nós ser exigentes com quem nelas participa e quem as noticia.
Saibam os
candidatos e candidatas estar à altura daquilo de que o país precisa, e
saibamos nós puxar por elas e eles, e estas eleições presidenciais ainda
poderão fazer muito por nós
De toda a forma,
se nestas eleições falarmos de saúde e de ambiente, da educação e da Europa,
dos grandes perigos do presente — das alterações climáticas à evasão fiscal — e
dos desafios do futuro — da descarbonização ao impacto da inteligência
artificial no mundo do trabalho —, já teremos dado um passo enorme num momento
difícil. É que, ao contrário do que a política quotidiana às vezes nos quer
fazer crer, Portugal não está nunca imune a estas grandes guinadas da história.
Pelo contrário, são os países como o nosso, com as suas vulnerabilidades, que
sofrem muitas vezes os mais duros embates com estes fenómenos — como vemos
agora com a recessão que se segue à pandemia.
Saibam os
candidatos e candidatas estar à altura daquilo de que o país precisa, e
saibamos nós puxar por elas e eles, e estas eleições presidenciais ainda
poderão fazer muito por nós. Da minha parte, independentemente das minhas
afinidades e escolhas, estarei aqui para esse exercício, com toda a exigência
que tiver de ser.
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