EDITORIAL
Costa em campanha por Ana Gomes, com Vieira ao fundo
Ao aceitar fazer parte da lista de apoiantes de Luís
Filipe Vieira, Costa tem o seu momento “síndrome de Hubris”. Não é possível
que, caso se tivesse aconselhado devidamente, não tivesse alguém que lhe
dissesse que o acto era totalmente inaceitável para um primeiro-ministro
ANA SÁ LOPES
12 de Setembro de
2020, 18:19
https://www.publico.pt/2020/09/12/politica/editorial/costa-campanha-ana-gomes-vieira-fundo-1931390
António Costa
desencadeou a mais curiosa das suas funções políticas: ser um trunfo para a
candidatura presidencial de Ana Gomes, justamente a candidata que não quer
apoiar. Ao dar o seu ámen e o nome para a comissão de honra de Luís Filipe
Vieira nas eleições do Benfica, António Costa acaba por convencer alguns
indecisos de que a candidatura presidencial de Ana Gomes é necessária
exactamente para combater este tipo de promiscuidade entre futebol, política e
problemáticos casos judiciais. Um erro colossal para o outrora mestre da
estratégia política.
Costa não podia
estar na comissão de honra de Luís Filipe Vieira nem de nenhum outro candidato.
Mas o facto de Luís Filipe Vieira ser Luís Filipe Vieira (com casos judiciais e
um empréstimo misterioso do Novo Banco às costas) torna a opção de Costa ainda
mais incompreensível. Se Costa defende que só o trânsito em julgado mancha o
currículo de Vieira, deveria ter aplicado então a mesma política a Sócrates.
Não o fez (e bem).
A promiscuidade
entre o futebol e a política é um dos cancros do sistema português. Valha a
verdade que se diga que Rui Rio sempre foi nessa matéria exemplar – ao
contrário do seu sucessor Moreira e agora de Fernando Medina, que seguem a
péssima tradição dos autarcas do país.
Mas Costa é
primeiro-ministro. Tem mais responsabilidades do que um autarca. Pura e
simplesmente, não podia aparecer como testemunha abonatória de Luís Filipe
Vieira. É verdade que o futebol convida à irracionalidade, mas a mesma pessoa
que há pouco tempo disse que os ministros se deviam abster de declarações sobre
presidenciais para não perturbar Marcelo (!!!!) é o mesmo que acha que tudo é
permitido relativamente às eleições do Benfica.
David Owen, um
antigo ministro dos Negócios Estrangeiros britânico (1977-79, Governo do
trabalhista James Callaghan, actualmente membro da Câmara dos Lordes) é também
médico e neurocientista. Em 2009, publicou com Jonathan Davidson um artigo numa
revista médica (“Brain”) chamado “O síndroma de Hubris: uma desordem de
personalidade adquirida?”. No texto, Owen e Davidson sustentam que a actividade
política estimula “a incapacidade de ouvir ou ser aconselhado”, a
“impetuosidade” e redunda numa “particular forma de incompetência” quando
“predomina uma falta de atenção às consequências das suas acções e uma
frequente desatenção aos detalhes”.
Ao aceitar fazer
parte da lista de apoiantes de Luís Filipe Vieira, Costa tem o seu momento
“síndrome de Hubris”. Não é possível que, caso se tivesse aconselhado devidamente,
não tivesse alguém que lhe dissesse que o acto era totalmente inaceitável para
um primeiro-ministro. A menos que já só esteja rodeado de yes men, é justo
concluir que não perguntou a ninguém com o mínimo de noção se devia fazer o que
fez. Ou então, seguindo o que dizem David Owen e Davidson, não ouviu, não se
deixou aconselhar, seguiu a “impetuosidade” que lhe é característica com uma
total “falta de atenção às consequências das suas acções”.
A síndrome de
Hubris é tramada e costuma acabar mal.
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