COMBOIOS
Bruxelas diz que não é necessário mudar a bitola na
Península Ibérica
Na resposta aos defensores da mudança de bitola, a
Comissão Europeia diz que, para a interoperabilidade ferroviária, a
electrificação, a capacidade das linhas para comboios com 740 metros e a
eliminação de barreiras administrativas são mais importantes do que a bitola.
Carlos Cipriano 8
de Setembro de 2020, 22:02
Para a Comissão
Europeia, os 23 centímetros de diferença entre carris que separam a bitola
ibérica da bitola europeia não são um problema grave nem uma prioridade a
resolver a curto prazo para se atingir a interoperabilidade e o mercado único
europeu na ferrovia. Mudar a bitola – como defendem algumas personalidades que
se têm batido por essa solução alegando que o país se pode transformar numa
“ilha ferroviária” – não é, pois, uma solução, até porque há alternativas
técnicas mais baratas.
Em Julho, o lobby
que tem defendido a mudança de bitola e que é liderado por Henrique Neto, Miral
Amaral e João Lopes, escreveu à comissária europeia dos Transportes e
Mobilidade, Aldina Valean, alertando para a possibilidade de Portugal, país
periférico, se tornar uma “ilha ferroviária na Europa devido ao sistemático
atraso em adoptar a bitola europeia nas suas linhas internacionais”.
A resposta da
Comissão, datada de 3 de Setembro, refere que a interoperabilidade dos
caminhos-de-ferro na Península Ibérica e com o resto da UE se reveste de grande
importância, motivo pelo qual foram criadas as redes RTE-T, nas quais se insere
o Corredor da Rede Central Atlântica que liga Portugal a Espanha e ao resto da
Europa.
Estas linhas, que
estão ou venham a ser modernizadas ou construídas de raiz, já foram pensadas
para terem bitola europeia, possuindo para isso travessas polivalentes que, a
qualquer momento, permitirão aproximar os carris dos actuais 1668 milímetros
(bitola ibérica) para os 1435 milímetros (bitola europeia). Será o caso, por
exemplo, das linhas Lisboa – Porto e Sines – Grândola – Badajoz.
Dito isto, a
Comissão acrescenta que “a bitola europeia não é necessária em todos os
lugares” e que “uma mudança total de bitola na Península Ibérica não é
necessária e exigiria investimentos maciços, também ao nível dos numerosos
portos, cujo acesso à rede nacional é em bitola ibérica”.
Para além disso,
existem outras soluções técnicas para resolver o problema da bitola,
nomeadamente terceiros carris, travessas polivalentes e até material circulante
com bitola variável, algo que está em processo de certificação. Trata-se, neste
caso, de vagões de mercadorias que podem “prolongar” ou “encolher” a distância
entre as rodas para se adaptarem aos dois tipos de bitola, solução que já
existe há décadas nos comboios de passageiros.
A carta da
Comissão Europeia recorda ainda aquilo que responsáveis da própria
Infra-estruturas de Portugal têm sistematicamente repetido: mais do que a
bitola, há outros parâmetros de interoperabilidade que são ainda mais
importantes, como é o caso da electrificação e a possibilidade de acomodar
comboios de mercadorias com 740 metros de comprimento (quanto mais compridos os
comboios, maior a sua competitividade).
O documento
refere também a existência de barreiras administrativas como “obstáculos
importantes” à interoperabilidade ferroviária, “os quais estamos empenhados em
resolvê-los”.
E para
tranquilizar os signatários da carta, afirma que a Comissão está “a trabalhar
em estreita colaboração com Portugal e Espanha, cooperando entre si para
assegurar uma evolução coordenada e gradual das suas linhas ferroviárias”.
A discussão em
torno da bitola é antiga e teve até direito a uma conferência na Ordem dos
Engenheiros com a presença do Presidente da República, que, contudo, não tomou
partido na discussão.
Um ano antes, um
grupo de personalidades, praticamente os mesmos que agora escreveram à comissária
dos Transportes e Mobilidade, já tinham publicado um manifesto apelando ao
governo e ao Presidente da República para o grande desígnio nacional que seria
a mudança da bitola.
A posição do
Governo e da IP, porém, foi sempre a de que essa mudança terá de ser feita no
tempo devido e em perfeita articulação com a rede espanhola. Caso contrário, aí
sim, Portugal transformar-se-ia numa “ilha ferroviária”.
“Ilha
ferroviária” nas ligações internacionais
Desde Março que
Portugal está praticamente isolado em termos de transporte ferroviário de
passageiros. Os comboios Sud Expresso (Lisboa – Hendaya) e Lusitânia Expresso
(Lisboa – Madrid) foram suspenso por causa da pandemia, mas a CP e a Renfe não
se entendem sobre a data para a retoma destes serviços.
A operadora
pública espanhola fez saber desde cedo que não está interessada em prosseguir
com o Lusitânia Expresso, que é explorado em parceria com a CP, atendendo aos
prejuízos do serviço e à expectável fraca procura que este venha a ter após um
eventual relançamento.
Contactada pelo
PÚBLICO, fonte oficial da Renfe diz que só estar a pôr ao serviço,
“paulatinamente”, os comboios com maior procura e que possam dar maiores rácios
de ocupação. Entre esses serviços, “não estão, de momento, os comboios-hotel
que no último exercício acumularam prejuízos superiores a 25 milhões de euros”.
A Renfe, porém,
não especifica quais dos seus comboios nocturnos (circulavam de Madrid e
Barcelona para a Galiza) dão maiores prejuízos, sendo certo que o Lusitânia
registava, durante todos os meses do ano, elevadas taxas de ocupação.
A CP limitou-se a
responder que decorrem conversações com a Renfe, não estando ainda estabelecida
uma data para a retoma do serviço internacional.
Lisboa, a par de
Atenas, é uma das raras capitais da Europa continental que não tem ligação
ferroviária com cidades de grande dimensão dos países vizinhos.
OPINIÃO
Covid-19 e ajudas do Estado às companhias aéreas.
Oportunidade única para impor condições ambientais
É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a
imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de
crescimento massificado e sem limites.
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO
2 de Julho de
2020, 7:00
No tumulto das
“negociações” e troca de “mensagens” entre privados e interesse público,
resultantes das condições, impostas à TAP pelo Governo (leia-se Comissão
Europeia), a muitos terão passado despercebidas as atrevidas e provocadoras
insinuações de Michael O’Leary da Ryanair.
Com a mesma
ligeireza, transformando o culto assumido da irresponsabilidade, em arma de
arremesso, tal como já revelado anteriormente na atitude durante a greve, O’Leary
afirmou que o dinheiro da TAP devia ser distribuído por companhias low cost
como a Ryanair, que têm demonstrado um desprezo absoluto pelos direitos
fundamentais dos seus empregados, uma atitude oportunista e escapista tipo
offshore pelo mundo fiscal, assim como, uma pose militantemente trocista por
todas as preocupações e exigências ambientais.
Assim, O’Leary
considerou todas e quaisquer preocupações à volta do impacto crescente da
pegada de carbono da aviação nas alterações climáticas como “lixo completo e
absoluto” (“complete and utter rubbish”). Além de confirmar que tenciona
utilizar, em plena crise da covid-19 os seus aviões completamente cheios, tipo
transporte de periferia. Isto, perante a realidade da pegada de carbono da
Ryanair que a põe ao nível da lista negra das carvoeiras polacas, levou Andrew
Murphy, o manager da European Federation for Transport and Environment, a
concluir: “When it comes to climate, Ryanair is the new coal.”
Claro que O’Leary
não é o único a tentar jogar neste binómio paradoxal: privatização maximalizada
do lucro/socialização do risco. Outros, como o famoso multimilionário e playboy
“Sir” Richard Branson, 7.ª fortuna do Reino Unido (4.7 mil milhões de libras),
dono da Virgin Atlantic, veio pedir ao Governo inglês 500 milhões de libras,
oferecendo como garantia a sua ilha privada Necker Island (destruída pelo tufão
Irma em 2017). O seu pedido foi recusado.
No meio do
devastador coronavírus, temos casos onde os dois factores que mais têm
contribuído para a alienação das cidades, o low-cost flying e as plataformas de
aluguer a turistas, se encontram. Assim, em Amesterdão, onde a Booking.com se
encontra sediada com 5500 empregados, esta plataforma, também perita em
oportunismo fiscal, veio pedir dinheiro dos contribuintes, enquanto tinha
investido 14 mil milhões de dólares em buybacks das próprias acções.
Enquanto isto, a
Sibéria atinge os 38 graus centigrados e apresenta um aumento de cinco vezes do
número de incêndios permanentes, com a ameaça directa e incalculável da libertação
de gases como o metano, através do degelo do permafrost.
É totalmente
insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com
este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites. As
ajudas estatais devem ser acompanhadas de claras exigências ambientais:
impostos sobre a querosene. Desenvolvimento de combustíveis “verdes” e técnicas
alternativas. Limitação do número de voos. Limitação da expansão de aeroportos.
Taxas sobre utilizadores frequentes. Substituição dos voos domésticos e voos
até 2 horas e meia de duração por bons serviços de transportes ferroviários a
preços compatíveis. Fim de subsídios facilitadores de laxismo da consciência
ambiental.
Ah! Andamos
preocupados com a boa utilização dos fundos disponibilizados pela magnânima e
generosa Merkel, num país devastado também pelas “pandemias” Novo Banco/
Mexia-EDP/PPP Rodoviárias, etc., enfim, um festim de compadrios – corrupção.
Pois chegou a
altura de António Costa e o seu Governo fazerem um pouco de “trabalho de casa”
para dar conteúdo à pedinchice, e pensarem estrategicamente o futuro do
transporte ferroviário (que se encontra na Idade da Pedra) de passageiros no
interior do país e respectivas ligações à Europa. Dando assim uma resposta
esclarecedora às perguntas concretas e ansiedades expressas nos artigos
sucessivos de Carlos Cipriano neste jornal, que só têm obtido o mais absoluto
silêncio.
Historiador de
Arquitectura
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