quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Bruxelas diz que não é necessário mudar a bitola na Península Ibérica // Covid-19 e ajudas do Estado às companhias aéreas. Oportunidade única para impor condições ambientais

 


COMBOIOS

Bruxelas diz que não é necessário mudar a bitola na Península Ibérica

 

Na resposta aos defensores da mudança de bitola, a Comissão Europeia diz que, para a interoperabilidade ferroviária, a electrificação, a capacidade das linhas para comboios com 740 metros e a eliminação de barreiras administrativas são mais importantes do que a bitola.

 

Carlos Cipriano 8 de Setembro de 2020, 22:02

https://www.publico.pt/2020/09/08/economia/noticia/bruxelas-nao-necessario-mudar-bitola-peninsula-iberica-1930897

 

Para a Comissão Europeia, os 23 centímetros de diferença entre carris que separam a bitola ibérica da bitola europeia não são um problema grave nem uma prioridade a resolver a curto prazo para se atingir a interoperabilidade e o mercado único europeu na ferrovia. Mudar a bitola – como defendem algumas personalidades que se têm batido por essa solução alegando que o país se pode transformar numa “ilha ferroviária” – não é, pois, uma solução, até porque há alternativas técnicas mais baratas.

 

Em Julho, o lobby que tem defendido a mudança de bitola e que é liderado por Henrique Neto, Miral Amaral e João Lopes, escreveu à comissária europeia dos Transportes e Mobilidade, Aldina Valean, alertando para a possibilidade de Portugal, país periférico, se tornar uma “ilha ferroviária na Europa devido ao sistemático atraso em adoptar a bitola europeia nas suas linhas internacionais”.

 

A resposta da Comissão, datada de 3 de Setembro, refere que a interoperabilidade dos caminhos-de-ferro na Península Ibérica e com o resto da UE se reveste de grande importância, motivo pelo qual foram criadas as redes RTE-T, nas quais se insere o Corredor da Rede Central Atlântica que liga Portugal a Espanha e ao resto da Europa.

 

Estas linhas, que estão ou venham a ser modernizadas ou construídas de raiz, já foram pensadas para terem bitola europeia, possuindo para isso travessas polivalentes que, a qualquer momento, permitirão aproximar os carris dos actuais 1668 milímetros (bitola ibérica) para os 1435 milímetros (bitola europeia). Será o caso, por exemplo, das linhas Lisboa – Porto e Sines – Grândola – Badajoz.

 

Dito isto, a Comissão acrescenta que “a bitola europeia não é necessária em todos os lugares” e que “uma mudança total de bitola na Península Ibérica não é necessária e exigiria investimentos maciços, também ao nível dos numerosos portos, cujo acesso à rede nacional é em bitola ibérica”.

 

Para além disso, existem outras soluções técnicas para resolver o problema da bitola, nomeadamente terceiros carris, travessas polivalentes e até material circulante com bitola variável, algo que está em processo de certificação. Trata-se, neste caso, de vagões de mercadorias que podem “prolongar” ou “encolher” a distância entre as rodas para se adaptarem aos dois tipos de bitola, solução que já existe há décadas nos comboios de passageiros.

 

A carta da Comissão Europeia recorda ainda aquilo que responsáveis da própria Infra-estruturas de Portugal têm sistematicamente repetido: mais do que a bitola, há outros parâmetros de interoperabilidade que são ainda mais importantes, como é o caso da electrificação e a possibilidade de acomodar comboios de mercadorias com 740 metros de comprimento (quanto mais compridos os comboios, maior a sua competitividade).

 

O documento refere também a existência de barreiras administrativas como “obstáculos importantes” à interoperabilidade ferroviária, “os quais estamos empenhados em resolvê-los”.

 

E para tranquilizar os signatários da carta, afirma que a Comissão está “a trabalhar em estreita colaboração com Portugal e Espanha, cooperando entre si para assegurar uma evolução coordenada e gradual das suas linhas ferroviárias”.

 

A discussão em torno da bitola é antiga e teve até direito a uma conferência na Ordem dos Engenheiros com a presença do Presidente da República, que, contudo, não tomou partido na discussão.

 

Um ano antes, um grupo de personalidades, praticamente os mesmos que agora escreveram à comissária dos Transportes e Mobilidade, já tinham publicado um manifesto apelando ao governo e ao Presidente da República para o grande desígnio nacional que seria a mudança da bitola.

 

A posição do Governo e da IP, porém, foi sempre a de que essa mudança terá de ser feita no tempo devido e em perfeita articulação com a rede espanhola. Caso contrário, aí sim, Portugal transformar-se-ia numa “ilha ferroviária”.

 

“Ilha ferroviária” nas ligações internacionais

Desde Março que Portugal está praticamente isolado em termos de transporte ferroviário de passageiros. Os comboios Sud Expresso (Lisboa – Hendaya) e Lusitânia Expresso (Lisboa – Madrid) foram suspenso por causa da pandemia, mas a CP e a Renfe não se entendem sobre a data para a retoma destes serviços.

 

A operadora pública espanhola fez saber desde cedo que não está interessada em prosseguir com o Lusitânia Expresso, que é explorado em parceria com a CP, atendendo aos prejuízos do serviço e à expectável fraca procura que este venha a ter após um eventual relançamento.

 

Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da Renfe diz que só estar a pôr ao serviço, “paulatinamente”, os comboios com maior procura e que possam dar maiores rácios de ocupação. Entre esses serviços, “não estão, de momento, os comboios-hotel que no último exercício acumularam prejuízos superiores a 25 milhões de euros”.

 

A Renfe, porém, não especifica quais dos seus comboios nocturnos (circulavam de Madrid e Barcelona para a Galiza) dão maiores prejuízos, sendo certo que o Lusitânia registava, durante todos os meses do ano, elevadas taxas de ocupação.

 

A CP limitou-se a responder que decorrem conversações com a Renfe, não estando ainda estabelecida uma data para a retoma do serviço internacional.

 

Lisboa, a par de Atenas, é uma das raras capitais da Europa continental que não tem ligação ferroviária com cidades de grande dimensão dos países vizinhos.

 



OPINIÃO

Covid-19 e ajudas do Estado às companhias aéreas. Oportunidade única para impor condições ambientais

 

É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites.

 

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO

2 de Julho de 2020, 7:00

https://www.publico.pt/2020/07/02/opiniao/opiniao/covid19-ajudas-estado-companhias-aereas-oportunidade-unica-impor-condicoes-ambientais-1922722

 

No tumulto das “negociações” e troca de “mensagens” entre privados e interesse público, resultantes das condições, impostas à TAP pelo Governo (leia-se Comissão Europeia), a muitos terão passado despercebidas as atrevidas e provocadoras insinuações de Michael O’Leary da Ryanair.

 

Com a mesma ligeireza, transformando o culto assumido da irresponsabilidade, em arma de arremesso, tal como já revelado anteriormente na atitude durante a greve, O’Leary afirmou que o dinheiro da TAP devia ser distribuído por companhias low cost como a Ryanair, que têm demonstrado um desprezo absoluto pelos direitos fundamentais dos seus empregados, uma atitude oportunista e escapista tipo offshore pelo mundo fiscal, assim como, uma pose militantemente trocista por todas as preocupações e exigências ambientais.

 

Assim, O’Leary considerou todas e quaisquer preocupações à volta do impacto crescente da pegada de carbono da aviação nas alterações climáticas como “lixo completo e absoluto” (“complete and utter rubbish”). Além de confirmar que tenciona utilizar, em plena crise da covid-19 os seus aviões completamente cheios, tipo transporte de periferia. Isto, perante a realidade da pegada de carbono da Ryanair que a põe ao nível da lista negra das carvoeiras polacas, levou Andrew Murphy, o manager da European Federation for Transport and Environment, a concluir: “When it comes to climate, Ryanair is the new coal.”

 

Claro que O’Leary não é o único a tentar jogar neste binómio paradoxal: privatização maximalizada do lucro/socialização do risco. Outros, como o famoso multimilionário e playboy “Sir” Richard Branson, 7.ª fortuna do Reino Unido (4.7 mil milhões de libras), dono da Virgin Atlantic, veio pedir ao Governo inglês 500 milhões de libras, oferecendo como garantia a sua ilha privada Necker Island (destruída pelo tufão Irma em 2017). O seu pedido foi recusado.

 

No meio do devastador coronavírus, temos casos onde os dois factores que mais têm contribuído para a alienação das cidades, o low-cost flying e as plataformas de aluguer a turistas, se encontram. Assim, em Amesterdão, onde a Booking.com se encontra sediada com 5500 empregados, esta plataforma, também perita em oportunismo fiscal, veio pedir dinheiro dos contribuintes, enquanto tinha investido 14 mil milhões de dólares em buybacks das próprias acções.

 

Enquanto isto, a Sibéria atinge os 38 graus centigrados e apresenta um aumento de cinco vezes do número de incêndios permanentes, com a ameaça directa e incalculável da libertação de gases como o metano, através do degelo do permafrost.

 

É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites. As ajudas estatais devem ser acompanhadas de claras exigências ambientais: impostos sobre a querosene. Desenvolvimento de combustíveis “verdes” e técnicas alternativas. Limitação do número de voos. Limitação da expansão de aeroportos. Taxas sobre utilizadores frequentes. Substituição dos voos domésticos e voos até 2 horas e meia de duração por bons serviços de transportes ferroviários a preços compatíveis. Fim de subsídios facilitadores de laxismo da consciência ambiental.

 

Ah! Andamos preocupados com a boa utilização dos fundos disponibilizados pela magnânima e generosa Merkel, num país devastado também pelas “pandemias” Novo Banco/ Mexia-EDP/PPP Rodoviárias, etc., enfim, um festim de compadrios – corrupção.

 

Pois chegou a altura de António Costa e o seu Governo fazerem um pouco de “trabalho de casa” para dar conteúdo à pedinchice, e pensarem estrategicamente o futuro do transporte ferroviário (que se encontra na Idade da Pedra) de passageiros no interior do país e respectivas ligações à Europa. Dando assim uma resposta esclarecedora às perguntas concretas e ansiedades expressas nos artigos sucessivos de Carlos Cipriano neste jornal, que só têm obtido o mais absoluto silêncio.

 

Historiador de Arquitectura

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