AMBIENTE
Braço-de-ferro sobre aeroporto no Montijo não acaba: nova
queixa seguiu para a Convenção de Berna
Já foram pedidas explicações a Portugal sobre a alegada
violação de vários artigos da convenção, expostos na queixa apresentada pela
SPEA e o investigador José Alves
Patrícia Carvalho
Patrícia Carvalho
16 de Setembro de 2020, 6:34
Nem o Governo
desiste de transformar a Base Aérea n.º 6, no Montijo, no novo aeroporto da
área de Lisboa, nem os ambientalistas de tentar travar o processo. A mais
recente queixa contra o projecto foi entregue a 1 de Setembro ao secretariado
da Convenção de Berna, de que Portugal faz parte e que tem como principal
objectivo a preservação da flora e da fauna selvagens, bem como dos seus
habitats naturais, sobretudo nos casos em que ela exija a cooperação de
diversos estados, com particular ênfase às espécies vulneráveis, incluindo as
migradoras. Já foram pedidas explicações a Portugal.
A queixa, em nome
da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), foi feita em colaboração
com o investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de
Aveiro, José Alves. E nela os autores voltam a referir os argumento que têm
vindo a expor: que o aeroporto e a aproximação e descolagem de aeronaves irá
perturbar fortemente os milhares de aves que utilizam o estuário do Tejo, com
relevância para várias espécies migradoras; que o Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) do projecto é “claramente deficiente” e que os seus cálculos do nível de
perturbação da avifauna pelo ruído são “errados”, o mesmo acontecendo com a
área do estuário que será afectada pela implementação do aeroporto e das suas
estruturas de apoio; além disso, argumentam, o documento olhou apenas para os
impactos locais e “não considera as elevadas implicações internacionais, apesar
de milhares de aves migradoras irem ser afectadas, que são partilhadas por pelo
menos 20 outros países”.
Em concreto,
alegam os queixosos, há três pontos da Convenção sobre a Vida Selvagem e os
Habitats Naturais na Europa (vulgarmente designada de Convenção de Berna por
ter sido nesta cidade suíça que o documento foi assinado, a 19 de Setembro de
1979), que o país estará a violar se avançar com o aeroporto no Montijo. A SPEA
e o biólogo e investigador José Alves consideram que Portugal viola o ponto do
Artigo 1.º que diz que os subscritores da convenção devem proteger habitats e a
vida selvagem, com particular atenção para “as espécies e sobretudo as espécies
migratórias, ameaçadas de extinção ou vulneráveis”; viola também o parágrafo 2
do Artigo 3.ª, em que cada Estado se compromete “na sua política de gestão e
desenvolvimento e nas medidas de luta contra a poluição, a ter em conta a
conservação da fauna e da flora selvagens”; e viola o Artigo 4.º, no qual os
participantes concordam “em reduzir ao máximo a degradação das áreas
protegidas”, com atenção especial às espécies migradoras “no seu território e
além fronteiras”, com referência às áreas de invernada, reprodução e
alimentação - tudo aspectos a considerar no estuário do Tejo.
Na queixa a que o
PÚBLICO teve acesso o estuário do Tejo é apresentado como “a zona húmida mais
importante em Portugal para aves migradoras e um dos sistemas estuarinos mais
importantes para pernaltas ao longo da Rota Migratória do Atlântico Leste”. Um
novo aeroporto no Montijo, insiste-se ali, “é a maior ameaça que enfrentam as
populações aquáticas” naquela rota migratória.
A queixa
apresenta uma extensa lista das espécies que serão, segundo os seus autores,
particularmente afectadas, incluindo o maçarico-de-bico-direito (Limosa
limosa), o maçarico-real (Numenius arquata) e o colhereiro (Platalea
leucorodia), classificadas como “quase ameaçadas”, e nela refere-se ainda que a
área afectada “é importante para pelo menos 16 espécies que ali passam o
Inverno ou fazem uma paragem na rota migratória”.
Na sequência
desta exposição, o secretariado da Convenção de Berna enviou uma carta ao
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (representante de Portugal
na convenção), no passado dia 9 de Setembro, a pedir explicações sobre a
“possível ameaça à área protegida do estuário do Tejo por causa do novo
aeroporto”.
Lembrando que a
área potencialmente afectada é “considerada um habitat de extrema importância
para a reprodução, invernada e local de paragem” na rota migratória de várias
aves, e que, está “classificada como uma Zona Especial de Protecção da Rede
Natura 2000, um sítio Ramsar [convenção que se refere à protecção das zonas
húmidas e que Portugal assinou em 1980] e tem protecção AEWA [African-Eurasian
Waterbird Agreement, Acordo para a Conservação das Aves Aquáticas Migradoras
Áfrico-euroasiáticas em português]” e que os potenciais efeitos negativos
incluem “poluição sonora, colisão com aviões e a destruição de habitat”, os
responsáveis da Convenção de Berna pedem a Portugal que envie um relatório com
a posição oficial portuguesa sobre as questões levantadas na queixa, até ao
final de Janeiro do próximo ano. O objectivo é ter toda a informação
disponível, antes do próximo encontro do grupo que constitui a convenção, na
Primavera de 2021.
As queixas contra
o aeroporto do Montijo intensificaram-se depois de ser conhecido o EIA e, em
particular, a Declaração de Impacto Ambiental (DIA), favorável condicionada,
emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente, em Janeiro. Em Junho, oito
organizações não-governamentais portuguesas de defesa do Ambiente entregaram no
Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa uma acção a pedir a anulação do
DIA para o aeroporto. Antes, uma outra queixa já tinha seguido para a AEWA, que
também já terá enviado um conjunto de perguntas para Portugal, para averiguar
de uma eventual violação do acordo, estando o caso a ser analisado. Uma outra
queixa enviada para a Ramsar não teve seguimento, após as respostas enviadas
pelo ICNF relativas aos impactos considerados no EIA e as medidas de mitigação
e compensação previstas na DIA - mas que os ambientalistas contestam, por
considerarem que são insuficientes e baseadas em pressupostos que não
correspondem à realidade, decorrentes das fragilidades que apontam ao EIA.
Apesar de todos
estes processos, o Governo continua empenhado em construir o novo aeroporto da
capital no local previsto na margem Sul do Tejo. Isso mesmo está referido na
proposta de lei das Grandes Opções do Plano para 2021, que a Lusa revelou esta
segunda-feira, e na qual se refere que “a recuperação da aviação e o regresso
ao volume de passageiros pré-covid-19 demorará algum tempo”, mas que esse
período deverá “ser utilizado para recuperar o atraso que Portugal registava na
oferta adequada da capacidade aeroportuária de Lisboa, fundamental para a sua
economia, desenvolvendo e melhorando o projecto do novo aeroporto do Montijo e
das obras no Aeroporto Humberto Delgado”.
tp.ocilbup@ohlavrac.aicirtap
Sem comentários:
Enviar um comentário