quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Braço-de-ferro sobre aeroporto no Montijo não acaba: nova queixa seguiu para a Convenção de Berna

 


AMBIENTE

Braço-de-ferro sobre aeroporto no Montijo não acaba: nova queixa seguiu para a Convenção de Berna

 

Já foram pedidas explicações a Portugal sobre a alegada violação de vários artigos da convenção, expostos na queixa apresentada pela SPEA e o investigador José Alves

 

Patrícia Carvalho

Patrícia Carvalho 16 de Setembro de 2020, 6:34

https://www.publico.pt/2020/09/16/sociedade/noticia/bracodeferro-aeroporto-montijo-nao-acaba-nova-queixa-seguiu-convencao-berna-1931677

 

Nem o Governo desiste de transformar a Base Aérea n.º 6, no Montijo, no novo aeroporto da área de Lisboa, nem os ambientalistas de tentar travar o processo. A mais recente queixa contra o projecto foi entregue a 1 de Setembro ao secretariado da Convenção de Berna, de que Portugal faz parte e que tem como principal objectivo a preservação da flora e da fauna selvagens, bem como dos seus habitats naturais, sobretudo nos casos em que ela exija a cooperação de diversos estados, com particular ênfase às espécies vulneráveis, incluindo as migradoras. Já foram pedidas explicações a Portugal.

 

A queixa, em nome da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), foi feita em colaboração com o investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, José Alves. E nela os autores voltam a referir os argumento que têm vindo a expor: que o aeroporto e a aproximação e descolagem de aeronaves irá perturbar fortemente os milhares de aves que utilizam o estuário do Tejo, com relevância para várias espécies migradoras; que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projecto é “claramente deficiente” e que os seus cálculos do nível de perturbação da avifauna pelo ruído são “errados”, o mesmo acontecendo com a área do estuário que será afectada pela implementação do aeroporto e das suas estruturas de apoio; além disso, argumentam, o documento olhou apenas para os impactos locais e “não considera as elevadas implicações internacionais, apesar de milhares de aves migradoras irem ser afectadas, que são partilhadas por pelo menos 20 outros países”.

 

Em concreto, alegam os queixosos, há três pontos da Convenção sobre a Vida Selvagem e os Habitats Naturais na Europa (vulgarmente designada de Convenção de Berna por ter sido nesta cidade suíça que o documento foi assinado, a 19 de Setembro de 1979), que o país estará a violar se avançar com o aeroporto no Montijo. A SPEA e o biólogo e investigador José Alves consideram que Portugal viola o ponto do Artigo 1.º que diz que os subscritores da convenção devem proteger habitats e a vida selvagem, com particular atenção para “as espécies e sobretudo as espécies migratórias, ameaçadas de extinção ou vulneráveis”; viola também o parágrafo 2 do Artigo 3.ª, em que cada Estado se compromete “na sua política de gestão e desenvolvimento e nas medidas de luta contra a poluição, a ter em conta a conservação da fauna e da flora selvagens”; e viola o Artigo 4.º, no qual os participantes concordam “em reduzir ao máximo a degradação das áreas protegidas”, com atenção especial às espécies migradoras “no seu território e além fronteiras”, com referência às áreas de invernada, reprodução e alimentação - tudo aspectos a considerar no estuário do Tejo.

 

Na queixa a que o PÚBLICO teve acesso o estuário do Tejo é apresentado como “a zona húmida mais importante em Portugal para aves migradoras e um dos sistemas estuarinos mais importantes para pernaltas ao longo da Rota Migratória do Atlântico Leste”. Um novo aeroporto no Montijo, insiste-se ali, “é a maior ameaça que enfrentam as populações aquáticas” naquela rota migratória.

 

A queixa apresenta uma extensa lista das espécies que serão, segundo os seus autores, particularmente afectadas, incluindo o maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), o maçarico-real (Numenius arquata) e o colhereiro (Platalea leucorodia), classificadas como “quase ameaçadas”, e nela refere-se ainda que a área afectada “é importante para pelo menos 16 espécies que ali passam o Inverno ou fazem uma paragem na rota migratória”.

 

Na sequência desta exposição, o secretariado da Convenção de Berna enviou uma carta ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (representante de Portugal na convenção), no passado dia 9 de Setembro, a pedir explicações sobre a “possível ameaça à área protegida do estuário do Tejo por causa do novo aeroporto”.

 

Lembrando que a área potencialmente afectada é “considerada um habitat de extrema importância para a reprodução, invernada e local de paragem” na rota migratória de várias aves, e que, está “classificada como uma Zona Especial de Protecção da Rede Natura 2000, um sítio Ramsar [convenção que se refere à protecção das zonas húmidas e que Portugal assinou em 1980] e tem protecção AEWA [African-Eurasian Waterbird Agreement, Acordo para a Conservação das Aves Aquáticas Migradoras Áfrico-euroasiáticas em português]” e que os potenciais efeitos negativos incluem “poluição sonora, colisão com aviões e a destruição de habitat”, os responsáveis da Convenção de Berna pedem a Portugal que envie um relatório com a posição oficial portuguesa sobre as questões levantadas na queixa, até ao final de Janeiro do próximo ano. O objectivo é ter toda a informação disponível, antes do próximo encontro do grupo que constitui a convenção, na Primavera de 2021.

 

As queixas contra o aeroporto do Montijo intensificaram-se depois de ser conhecido o EIA e, em particular, a Declaração de Impacto Ambiental (DIA), favorável condicionada, emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente, em Janeiro. Em Junho, oito organizações não-governamentais portuguesas de defesa do Ambiente entregaram no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa uma acção a pedir a anulação do DIA para o aeroporto. Antes, uma outra queixa já tinha seguido para a AEWA, que também já terá enviado um conjunto de perguntas para Portugal, para averiguar de uma eventual violação do acordo, estando o caso a ser analisado. Uma outra queixa enviada para a Ramsar não teve seguimento, após as respostas enviadas pelo ICNF relativas aos impactos considerados no EIA e as medidas de mitigação e compensação previstas na DIA - mas que os ambientalistas contestam, por considerarem que são insuficientes e baseadas em pressupostos que não correspondem à realidade, decorrentes das fragilidades que apontam ao EIA.

 

Apesar de todos estes processos, o Governo continua empenhado em construir o novo aeroporto da capital no local previsto na margem Sul do Tejo. Isso mesmo está referido na proposta de lei das Grandes Opções do Plano para 2021, que a Lusa revelou esta segunda-feira, e na qual se refere que “a recuperação da aviação e o regresso ao volume de passageiros pré-covid-19 demorará algum tempo”, mas que esse período deverá “ser utilizado para recuperar o atraso que Portugal registava na oferta adequada da capacidade aeroportuária de Lisboa, fundamental para a sua economia, desenvolvendo e melhorando o projecto do novo aeroporto do Montijo e das obras no Aeroporto Humberto Delgado”.

 

tp.ocilbup@ohlavrac.aicirtap

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