Se pensa que o pior já passou, está enganado
MAFALDA ANJOS
DIRETORA
É preciso aprender com os exemplos lá de fora, como
Hokkaido
Ah, desconfinar…
Está a ser bom, não está? Pois, mas não se habitue demasiado a este cheirinho a
liberdade. Lamento ser portadora destas notícias no dia em que começámos a
meter o nariz fora da porta. Mas, infelizmente, esta é a pura verdade: a nossa
grande prova começa agora. Fechar tudo e enfiarmo-nos em casa é muito difícil,
mas apesar de tudo mais fácil do que o que temos pela frente. O grande desafio
é este – conter o vírus com uma sociedade a funcionar e com as pessoas na rua
nas suas vidas “normais”.
Veja-se o exemplo
de Hokkaido. Esta ilha japonesa com mais
de 5 milhões de habitantes foi em tempos considerada uma história de sucesso na
forma exemplar como conseguiu conter a evolução da doença e isolar o vírus, impedindo
a sua propagação. No fim de fevereiro foi declarado o Estado de Emergência, a
circulação foi limitada ao mínimo, as escolas fecharam e o lockdown foi
imposto. Até meados de março o número de novos casos caiu drasticamente, e por
isso a sociedade reabriu alegremente. Só que apenas 26 dias depois, foi preciso
decretar novo Estado de Emergência porque o surto estava novamente
descontrolado. Isto num País onde a população é reconhecidamente ordeira,
cumpridora das normas e muito habituada a usar máscaras de proteção. Singapura
e Hong Kong também registaram segundas e mesmo terceiras vagas em força.
Fast forward para
Portugal a 4 de maio de 2020, primeiro dia de desconfinamento em estado de
calamidade.
Este é o nosso
momento-chave para provarmos que somos um povo cumpridor, responsável e com
elevado sentido de cidadania. Precisamos de abrir e recuperar a atividade
económica, mas isso só depende de como nos comportarmos agora. Num estado de
calamidade, o governo não pode obrigar as populações a ficar fechadas em casa –
pode apenas recomendar a todos deveres cívicos tal, como o de confinamento.
Pode aconselhar a que as pessoas desinfetem as mãos regularmente e mantenham
distanciamento social, mas não consegue andar a vigiar toda a gente. Pode
obrigar os espaços públicos a que exijam aos seus clientes o uso de máscara e
mantenham as distâncias, mas não pode meter um ou vários fiscais em cada
estabelecimento comercial ou transporte público de Portugal. Pode fazer
campanhas de saúde pública e ensinar as regras básicas, mas não pode andar
atrás de 10,6 milhões de portugueses.
Tal como acontece
com todas as outras tentações, é muito mais difícil de resistir se não elas não
estiverem mesmo à nossa frente. É uma pena, mas não podemos andar por aí na
maior como se nada fosse. Ainda não podemos encher os parques, as praias e as
esplanadas. Não podemos voltar já às festas e às diversões de antigamente. Não
podemos achar que isso das máscaras é só para os outros e que estes cuidados
todos são um exagero porque afinal o vírus não é assim tão mau. Temos de pensar
que a vacina pode demorar e que pode ser preciso accionar um plano B.
O perigo de uma
segunda vaga é bem real – todos os especialistas o confirmam. Na Alemanha que
desconfinou há dias as autoridades preparam já um novo ressurgir do surto.
Voltarmos a fechar vai custar muito mais a todos, e ter impactos ainda mais
dolorosos na economia e nas nossas vidas. É agora que a maior prova nos espera:
cumprir as indicações de segurança sem começar a ceder às tentações e pensar
que está tudo sob controle. Não está, mesmo. Tudo isto está preso por arames e
o controlo depende sobretudo do que cada um de nós, individualmente e com muita
disciplina, no nosso dia-a-dia, conseguir assegurar.
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