terça-feira, 5 de maio de 2020

Se pensa que o pior já passou, está enganado




Se pensa que o pior já passou, está enganado

MAFALDA ANJOS DIRETORA

É preciso aprender com os exemplos lá de fora, como Hokkaido

Ah, desconfinar… Está a ser bom, não está? Pois, mas não se habitue demasiado a este cheirinho a liberdade. Lamento ser portadora destas notícias no dia em que começámos a meter o nariz fora da porta. Mas, infelizmente, esta é a pura verdade: a nossa grande prova começa agora. Fechar tudo e enfiarmo-nos em casa é muito difícil, mas apesar de tudo mais fácil do que o que temos pela frente. O grande desafio é este – conter o vírus com uma sociedade a funcionar e com as pessoas na rua nas suas vidas “normais”.

Veja-se o exemplo de  Hokkaido. Esta ilha japonesa com mais de 5 milhões de habitantes foi em tempos considerada uma história de sucesso na forma exemplar como conseguiu conter a evolução da doença e isolar o vírus, impedindo a sua propagação. No fim de fevereiro foi declarado o Estado de Emergência, a circulação foi limitada ao mínimo, as escolas fecharam e o lockdown foi imposto. Até meados de março o número de novos casos caiu drasticamente, e por isso a sociedade reabriu alegremente. Só que apenas 26 dias depois, foi preciso decretar novo Estado de Emergência porque o surto estava novamente descontrolado. Isto num País onde a população é reconhecidamente ordeira, cumpridora das normas e muito habituada a usar máscaras de proteção. Singapura e Hong Kong também registaram segundas e mesmo terceiras vagas em força.

Fast forward para Portugal a 4 de maio de 2020, primeiro dia de desconfinamento em estado de calamidade.

Este é o nosso momento-chave para provarmos que somos um povo cumpridor, responsável e com elevado sentido de cidadania. Precisamos de abrir e recuperar a atividade económica, mas isso só depende de como nos comportarmos agora. Num estado de calamidade, o governo não pode obrigar as populações a ficar fechadas em casa – pode apenas recomendar a todos deveres cívicos tal, como o de confinamento. Pode aconselhar a que as pessoas desinfetem as mãos regularmente e mantenham distanciamento social, mas não consegue andar a vigiar toda a gente. Pode obrigar os espaços públicos a que exijam aos seus clientes o uso de máscara e mantenham as distâncias, mas não pode meter um ou vários fiscais em cada estabelecimento comercial ou transporte público de Portugal. Pode fazer campanhas de saúde pública e ensinar as regras básicas, mas não pode andar atrás de 10,6 milhões de portugueses.  

Tal como acontece com todas as outras tentações, é muito mais difícil de resistir se não elas não estiverem mesmo à nossa frente. É uma pena, mas não podemos andar por aí na maior como se nada fosse. Ainda não podemos encher os parques, as praias e as esplanadas. Não podemos voltar já às festas e às diversões de antigamente. Não podemos achar que isso das máscaras é só para os outros e que estes cuidados todos são um exagero porque afinal o vírus não é assim tão mau. Temos de pensar que a vacina pode demorar e que pode ser preciso accionar um plano B.

O perigo de uma segunda vaga é bem real – todos os especialistas o confirmam. Na Alemanha que desconfinou há dias as autoridades preparam já um novo ressurgir do surto. Voltarmos a fechar vai custar muito mais a todos, e ter impactos ainda mais dolorosos na economia e nas nossas vidas. É agora que a maior prova nos espera: cumprir as indicações de segurança sem começar a ceder às tentações e pensar que está tudo sob controle. Não está, mesmo. Tudo isto está preso por arames e o controlo depende sobretudo do que cada um de nós, individualmente e com muita disciplina, no nosso dia-a-dia, conseguir assegurar.

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