quinta-feira, 7 de maio de 2020

Ajudas públicas à aviação dão força ao comboio / A definitiva viagem da TAP / António Sérgio Rosa de Carvalho



CORONAVÍRUS
Ajudas públicas à aviação dão força ao comboio

França e Áustria fazem depender os apoios estatais às suas companhias de bandeira da redução de voos de curta distância, para dar oportunidade ao modo ferroviário.

Carlos Cipriano 7 de Maio de 2020, 6:48

As companhias aéreas vão precisar do dinheiro dos contribuintes para poderem voltar a voar, mas há países que exigem ao transporte aéreo uma nova abordagem que tenha em conta um maior respeito pelo meio ambiente. É o caso da França, que se prepara para injectar sete mil milhões de euros na sua companhia de bandeira, mas à qual o governo exige que reduza em 50% as emissões de CO2 nos voos domésticos até 2024.

“Sempre que houver uma alternativa ferroviária aos voos internos com uma duração inferior a 2h30, esses voos devem ser drasticamente reduzidos”, disse o ministro da Economia e das Finanças, Bruno le Maire.

“O avião não pode ser encarado como um modo de transporte para fazer em 1h00 ou 1h15 trajectos que podem ser feito com menos CO2 por um comboio em 2h00 ou 2h30”, disse o ministro, acrescentando que “isto é uma regra e nós vamos fazê-la respeitar”.

Do ponto de vista prático, e de acordo com a BFM.TV, esta regra terá implicações nos voos desde Paris para Rennes, Nantes, Bordéus e Lyon, os quais só deverão ser efectuados para assegurar voos de ligação.

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A Áustria é outro país que faz depender as ajudas à sua companhia de bandeira, a Austrian Airlines, à garantia de “uma redução dos voos de curta distância, maior cooperação com as empresas ferroviárias, maior utilização de combustíveis ecológicos e maiores contribuições fiscais”, de acordo com o Euractiv. 

Medidas que agradam, naturalmente, aos ambientalistas, que entendem que deveriam ser seguidas por mais países. Francisco Ferreira, da organização ambientalista Zero, diz que “a França e a Áustria podem dar-se ao luxo de fazer esta negociação com as suas companhias aéreas, mas em Portugal isso seria difícil porque falha completamente a oferta de transporte ferroviário na sua ligação à Europa e de ligação dentro do próprio país”.

Por isso, defende que “uma das coisas indispensáveis para a retoma económica era deixar de se continuar a adiar uma solução ferroviária Lisboa – Porto e Lisboa – Madrid”.

Para Francisco Ferreira, estudar e executar estas ligações devem deixar de ser um tabu e passarem a ser uma prioridade.

Manuel Tão, doutorado em Transportes e investigador na Universidade do Algarve, recorda que a França e o seu presidente actual, Emmanuel Macron, foram os patrocinadores do acordo de Paris no que diz respeito à redução de emissões de gases com efeito de estufa e que, por isso, esta medida sobre a Air France é absolutamente coerente.

“Não faria sentido estar a apoiar um modo de transporte com consequências ambientais nocivas quando o TGV responde à mesma procura com menores custos para o ambiente. Por isso, não deve haver concorrência entre a aviação e a alta velocidade”.

O especialista concorda que o Estado português “deve apoiar a TAP porque os custos de a deixar cair seriam muito superiores”, mas lamenta que o Governo não ponha em causa a ponte aérea Lisboa – Porto, que é um absurdo do ponto de vista ambiental, mas também técnico, pois rouba capacidade aos aeroportos que poderia ser usada por voos de longo curso”.

Esta não é a opinião do comandante Luís Garção, membro da Associação Portuguesa de Pilotos de Linha Aérea (APPLA), para quem “não há nenhum modo de transporte que possa concorrer com o avião no percurso Lisboa – Porto” dado que o voo entre as duas cidades demora 45 minutos e o Alfa Pendular demora 2 horas e 40 minutos (desde o Oriente).

No entanto, não o choca as medidas que estão a ser impostas às companhias aéreas pelos diversos governos para as tornar ambientalmente mais sustentáveis. O grande problema é se essas imposições não forem iguais para todas, porque isso desvirtua a concorrência, recorda.

Por isso, Luís Garção concorda com o ministro da tutela, Pedro Nuno Santos, quando diz que as regras têm de ser iguais para todos na União Europeia. “Se por imposição legal o limite máximo de passageiros para cada voo for de 50% para uns e de dois terços para outros, então as condições de concorrência não são iguais para todas as companhia aéreas”, diz este piloto, que espera um resposta conjunta e uniforme por parte das autoridades aeronáuticas europeias.

Na equação entram também as low cost, que se têm queixado de serem preteridas nas ajudas estatais. Luís Garção entende que não têm razão pois estas “procuram exclusivamente o lucro enquanto as chamadas companhias de bandeira têm uma filosofia de gestão diferente e prestam também serviço público”.

É o caso da TAP, exemplifica, que tem voos para destinos menos rentáveis e que realiza voos de repatriamento, voos humanitários e, ultimamente, até de transporte de materiais para combater a covid-19.

Seja, como for, e independentemente das ajudas e imposições agora impostas às companhias aéreas, este especialista entende que, no longo prazo, quando a situação normalizar, será novamente o mercado e as leis da oferta e da procura a ditar as regras de funcionamento do mercado aeronáutico e da mobilidade.

tp.ocilbup@onairpic.solrac





OPINIÃO
A definitiva viagem da TAP

Nacionalize-se a TAP, mas impondo ao Estado Português as mesmas exigências ambientais na sua gestão na linha do Green Deal!

António Sérgio Rosa de Carvalho
5 de Maio de 2020, 16:45

Kate Raworth, a autora da Economia Donut (Doughnut Economics, Creating a 21st century economy), ou seja, uma Economia Circular em lugar de Linear, que mantém a ideia do crescimento dentro dos limites do permitido ecologicamente e aceitável na nossa coabitação com a Natureza, compara o conceito do crescimento ilimitado a um avião, em cujos passageiros se encontram prisioneiros de uma linha ascendente imparável. Avião esse que nunca poderá voltar a aterrar.

O corona obrigou-nos repentinamente a uma ‘aterragem forçada’, interrompendo abruptamente o transe orgiástico do festim consumista, libertando-nos, num processo doloroso e dramático.

Assim, o “Lockdown” roubando-nos a, tida como natural, liberdade de acção no fluxo da vida, ofereceu-nos uma outra liberdade. A liberdade do “Slowdown”, uma pausa para reflectir e assumir um novo curso e uma trajectória alternativa de Vida. Uma Vida de maior diálogo com a Natureza e sintonia com o Planeta.

Ursula Von Der Leyen já tinha avisado a 16 de Abril, no tumulto das decisões das ajudas financeiras, que não iria abdicar do “Green Deal”. O pacote ‘Bazuka’ a ser apresentado nos meados de Maio, irá associar as ajudas financeiras às exigências ambientais.

Para ficarmos dentro da metáfora da ‘viagem aérea’, a aviação tem conhecido um crescimento selvagem e irresponsável na perspectiva ambiental. O sector não parou de crescer, e hoje em dia conta com, pelo menos, mais de duas centenas entre companhias privadas e públicas.

A pegada de carbono também não parou de aumentar, e as companhias de aviação têm demonstrado muito mais inclinação para especularem com o seu capital financeiro em autovalorização, investindo milhares de milhões na compra das próprias acções, as famosas “buy backs”, do que para investirem em verdadeiras e efectivas medidas capazes de minimizarem os efeitos dessa pegada.

A atitude tem sido a de uma gestão financeira absolutamente privada, dentro do lema “não se metam nos nossos assuntos financeiros”.

Agora que o pânico se instalou, pois tudo indica que vamos a caminho de uma selecção real e natural de viabilidade comercial, o que implica a falência de várias dezenas de Companhias, passou-se do princípio dos ‘Lucros são Privados’ para o princípio de os ‘Riscos são Públicos’ e devem ser sustentados com o dinheiro do contribuinte.

Ora a TAP, com o pedido dos seus 600 ou 700 milhões de euros, não é um caso único.

Apenas para utilizar um exemplo: a Air France vai receber 7 mil milhões de euros. 4 mil milhões virão dos Bancos com garantias de 90% do Estado. Os outros 3 mil milhões virão directamente do Estado.

Mas este verdadeiro “tiro de Bazuka” não irá ser oferecido sem exigências. O que o Ministro Bruno Le Maire exige é que a Air France se transforme na Companhia mais Verde da Europa.

Como a França tem de reduzir a sua pegada de carbono em 50% nos voos domésticos nos próximos cinco anos, o Ministro propõe a substituição total das short trips por viagens de comboio.

Isto, de resto, vai ao encontro do pacote a apresentar este mês por Von der Leyen, que anuncia grandes investimentos no transporte ferroviário e fortes exigências ambientais para o tráfego aéreo.

Falar em Portugal de transporte ferroviário é ridículo. O país ainda se encontra prisioneiro da cega e irresponsável síndroma ‘Montijo”.

Só há uma medida verdadeiramente efectiva na gestão ambiental do transporte aéreo: voar menos!

Deixe-se então a selecção natural de viabilidade financeira e comercial real funcionar, reduzindo as companhias ao número essencial de algumas dezenas. Nacionalizando uma grande parte delas.

Nacionalize-se a TAP, mas impondo ao Estado Português as mesmas exigências ambientais na sua gestão na linha do Green Deal!


Historiador de Arquitectura

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