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OPINIÃO
A pandemia melhorou a qualidade do ar e o desafio é
mantê-la
As decisões tomadas nas próximas semanas e meses
determinarão se refazemos ou destruímos as nossas cidades. Os bloqueios
deram-nos um vislumbre de como as nossas cidades e a qualidade do ar podem ser
sem motores poluentes.
Francisco
Ferreira Yoann Le Petit
6 de Maio de
2020, 6:24
Tal como um
estudo de uma agência governamental francesa mostrou no ano passado, reduzir o
tráfego automóvel é indispensável para reduzir rapidamente a poluição.
Tal já acontece
em várias cidades europeias. Citando apenas algumas: Berlim adicionou novas
ciclovias temporárias, a região da Grande Paris investirá 300 milhões de euros
para construir uma rede de cicloturismo com 680 km, Cracóvia planeia construir
uma infraestrutura de cicloturismo e alargar pavimentos, Vilnius transformará o
seu centro em um vasto café ao ar livre e Bruxelas transformará o centro da
cidade em áreas residenciais onde caminhadas e cicloturismo terão prioridade
sobre automóveis e adicionará 40 km de ciclovias. Dublin começou a remover
temporariamente os estacionamentos para permitir faixas de cicloturismo mais
seguras e “distanciamento físico”. No âmbito de Lisboa Capital Verde Europeia,
há um conjunto de transformações para o centro da cidade e algumas zonas
específicas que mudarão o usufruto do espaço público.
Em segundo lugar,
essas transformações do espaço urbano só funcionarão se o transporte público,
com os seus benefícios comprovados para um ar limpo, for reforçado. Tal pode
ser mais desafiador do que nunca, já que o setor está atualmente numa situação
terrível, com as pessoas a evitarem espaços apertados. A queda no número de
passageiros em Londres varia entre 80% para autocarros e 92% para o metro. No
caso da Alemanha, especialistas em transporte esperam que, no pior dos
cenários, o Covid-19 possa levar a uma redução de 50% no uso do transporte
público até 2023. Estão a ser
implementadas medidas imediatas necessárias, tais como a limpeza profunda de
veículos ou a disponibilização de dispensadores de desinfetantes aos
passageiros para garantir que os serviços de autocarro e metro não sejam meios
para a propagação do vírus. Para criar novos empregos e ampliar o apelo ao
transporte público é agora a hora de duplicar a eletrificação da frota de
autocarros. "Moderno, limpo e seguro” deve ser o slogan.
Tais medidas
tornarão os autocarros mais atraentes em geral, como se verifica em Paris, onde
93% dos utilizadores de autocarro pensam que a transição para modelos elétricos
evidencia a preocupação de um operador em agradar aos seus clientes.
Paralelamente, as soluções de venda digital de títulos de transporte ajudarão a
reduzir os pontos de contato físicos e facilitarão as informações em tempo
real. Mas isso também exigirá horários de trabalho e escolares mais flexíveis,
para evitar efeitos na hora de ponta no metropolitano ou nos autocarros. Novos
hábitos, como o teletrabalho, devem ser incentivados onde possível a fim de
reduzir a necessidade de deslocamentos diários todos os dias da semana.
Temos já
disponíveis as ferramentas para traçar um rumo no sentido de emissões zero.
Em terceiro
lugar, está na hora de tirar os veículos poluentes da estrada. Como primeiro
passo, as Zonas de Baixa Emissão têm-se mostrado como um caminho possível para
acelerar a captação de automóveis menos poluentes e reduzir a poluição do ar.
Evidências em Londres, Madrid e Paris mostram que as concentrações de dióxido
de azoto (NO2) podem ser rapidamente reduzidas em até um terço. Entretanto, no
âmbito da atual crise, várias cidades - incluindo Bruxelas, Milão e Londres -
decidiram suspender as políticas existentes ou atrasar novas para ajudar os
trabalhadores da saúde e as entregas essenciais. Embora tais decisões sejam
justificadas como medidas de emergência temporárias, é vital que aqueles
instrumentos, comprovados como conducentes a um ar mais limpo, sejam totalmente
reativados o mais rapidamente possível. Além disso, as reduções graduais da
poluição já não são suficientes: um grupo de importantes cidades europeias já
estabeleceu um rumo para zonas de emissão zero e há agora uma oportunidade de
ouro para que mais autarquias integrem tais políticas no redesenho geral das
cidades pós-COVID-19. Tal como a ZERO tem vindo a mostrar, Lisboa nunca teve um
ar tão limpo este século como nas últimas semanas.
Felizmente, estão
agora disponíveis alternativas aos motores de combustão poluentes, e cada vez
mais acessíveis. Os primeiros meses de 2020 viram as vendas de carros elétricos
atingirem valores sem precedentes na Europa Ocidental, com aumento de vendas
atingindo os 10%. (contra 3% apenas alguns meses antes). Os autocarros
elétricos estão também a conquistar as ruas europeias e ajudam a reduzir os
custos dos nossos sistemas de mobilidade. A crise atual é a oportunidade de
fazer o que tantas cidades queriam, ou seja, proibir carros de motores de
combustão interna nas suas ruas, mas faltava a oportunidade.
O todo é maior do
que a soma das suas partes
Por último, se
combinarmos essas transformações no espaço urbano, transporte público e
veículos de emissão zero com serviços inovadores elétricos (ou com emissões
zero), compartilhados e disponíveis para a procura, podemos dar um passo em
direção ao “paraíso dos transportes”. A Federação Europeia de Transporte e
Ambiente modelou o impacto combinado dessas políticas no ano passado e
descobriu que os quilómetros de carro percorridos poderiam ser reduzidos em até
60%. Mas isso também significa que veículos de alta quilometragem, como táxis,
veículos de transporte individual (TVDE) como Uber e Kapten ou frotas de
entrega, precisam de mudar rapidamente para veículos elétricos. E novos
serviços terão de complementar, não substituindo, o transporte público,
oferecendo, por exemplo, preços mais baratos em serviços de boleia para viagens
específicas, como já implementado à noite na cidade francesa de Nice.
As decisões
tomadas nas próximas semanas e meses determinarão se refazemos ou destruímos as
nossas cidades. Os bloqueios deram-nos um vislumbre de como as nossas cidades e
a qualidade do ar podem ser sem motores poluentes. Como o presidente da França,
Macron, disse recentemente: “Quando sairmos desta crise, as pessoas já não
aceitarão respirar ar poluído. As pessoas dirão: “Eu não concordo com as
escolhas das sociedades onde eu irei respirar esse ar, ou onde o meu filho ou
filha irá ter bronquite por causa disso.” Temos as ferramentas comprovadas para
evitar o retorno do ar tóxico e devemos, já, pô-las em uso. Em Portugal, e em
particular em cidades onde ainda se ultrapassam os valores-limite de qualidade
do ar como Lisboa, Porto e Braga, será uma enorme derrota se não soubermos
reconstruir bem o seu futuro.
ENERGIA
Electricidade sem carvão há 52 dias produz menos um
milhão de toneladas de CO2
A estimativa é da Zero, que recorreu aos dados da REN
relativos aos meses de Março e Abril de 2020, comparando-os com o período
homólogo de 2019.
Lusa 5 de Maio de
2020, 22:31
A estação
termoeléctrica de Sines, a maior produtora de carvão do país, não produziu durante
o mês de Abril. MIGUEL MANSO
Portugal não usa
carvão para produzir electricidade há 52 dias, o que reduziu as emissões de
dióxido de carbono (CO2) em quase um milhão de toneladas, indicam as contas da
associação ambientalista Zero, divulgadas nesta terça-feira.
Num comunicado em
que dá conta do recorde, a associação salienta que não se queima carvão para
produzir electricidade há 52 dias consecutivos nas centrais de Sines e Pego, e
lembra que a central de Sines está parada há 100 dias. A produção das centrais
a carvão foi nula no mês de Abril, o que não acontecia desde 1985, segundo a
REN (Redes Energéticas Nacionais).
“Tal conduziu a
uma redução inédita e sem precedentes das emissões de gases com efeito de
estufa em Portugal”, diz a Zero no comunicado.
Para os
resultados que divulga, a Zero recorreu aos dados da REN relativos aos meses de
Março e Abril de 2020, comparando-os com o período homólogo de 2019. Assim, a
associação calcula um decréscimo de emissões de 960 mil toneladas (370 mil
toneladas para o total de Março e 590 mil toneladas para o total de Abril).
Nos mesmos dois
meses houve ainda um aumento de 14,5% de fontes renováveis na produção de
electricidade, comparando com o mesmo período de 2019, passando de 62,6% para
77,1%, segundo a Zero, que considera ainda “relevante” a quebra no consumo de
electricidade, que atingiu 12% comparando o mês de Abril de 2020 com o mês de
Abril de 2019. A REN indica que é necessário recuar a Agosto de 2004 para
encontrar um consumo mensal tão baixo como o do mês passado.
Juntando todos os
dados, a associação ambientalista estima que as emissões médias diárias de CO2
associadas à produção de electricidade tenham descido das 28 mil toneladas/dia
de Março e Abril do ano passado para 12 mil toneladas/dia nos meses respectivos
deste ano. Ou seja, são menos 16 mil toneladas por dia. Em Março a Zero estimava
que Portugal estava a emitir menos 52 mil toneladas por dia.
No comunicado a
Zero ressalva que a pandemia de covid-19 “não tem uma relação directa com estes
resultados”, excepto por exemplo na redução do consumo de electricidade, e diz
que eles se devem acima de tudo a uma consequência dos preços de mercado do
carvão, dos custos associados às emissões e à competitividade, e da
disponibilidade de outras alternativas, especialmente a electricidade de fontes
renováveis e as centrais a gás natural, mais eficientes que as centrais a
carvão.
Em Outubro, o
Governo anunciou estar preparado para encerrar a central termoeléctrica do Pego
no final de 2021 e fazer cessar a produção da central de Sines em Setembro de
2023, algo que a associação lembrou estar, no momento, “a ter lugar”. As duas
centrais são responsáveis por uma quantidade significativa das emissões de CO2
de Portugal, emitindo também outros poluentes como óxido de azoto, dióxido de
enxofre, partículas e metais pesados.
“As actuais
paragens das centrais do Pego e de Sines mostram que é possível a sua retirada
do sistema sem pôr em causa a segurança do abastecimento de electricidade no
país”, frisa a Zero, acrescentando que os investimentos para a produção de
electricidade a partir de fontes de energia renovável conseguirão assegurar uma
fracção progressivamente significativa da geração de electricidade, “com custos
mais reduzidos para o consumidor e sem emissões directas de gases de efeito de
estufa”.
E depois, diz
também, as centrais térmicas existentes de ciclo combinado a gás natural
(Ribatejo, Pego, Lares e Tapada do Outeiro) têm permitido substituir o
fornecimento de electricidade das centrais a carvão com muito menores emissões
de CO2.
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