terça-feira, 5 de maio de 2020

A pandemia melhorou a qualidade do ar e o desafio é mantê-la / Electricidade sem carvão há 52 dias produz menos um milhão de toneladas de CO2

IMAGEM DE OVOODOCORVO


OPINIÃO
A pandemia melhorou a qualidade do ar e o desafio é mantê-la

As decisões tomadas nas próximas semanas e meses determinarão se refazemos ou destruímos as nossas cidades. Os bloqueios deram-nos um vislumbre de como as nossas cidades e a qualidade do ar podem ser sem motores poluentes.

Francisco Ferreira Yoann Le Petit
6 de Maio de 2020, 6:24

Tal como um estudo de uma agência governamental francesa mostrou no ano passado, reduzir o tráfego automóvel é indispensável para reduzir rapidamente a poluição.

Tal já acontece em várias cidades europeias. Citando apenas algumas: Berlim adicionou novas ciclovias temporárias, a região da Grande Paris investirá 300 milhões de euros para construir uma rede de cicloturismo com 680 km, Cracóvia planeia construir uma infraestrutura de cicloturismo e alargar pavimentos, Vilnius transformará o seu centro em um vasto café ao ar livre e Bruxelas transformará o centro da cidade em áreas residenciais onde caminhadas e cicloturismo terão prioridade sobre automóveis e adicionará 40 km de ciclovias. Dublin começou a remover temporariamente os estacionamentos para permitir faixas de cicloturismo mais seguras e “distanciamento físico”. No âmbito de Lisboa Capital Verde Europeia, há um conjunto de transformações para o centro da cidade e algumas zonas específicas que mudarão o usufruto do espaço público.

Em segundo lugar, essas transformações do espaço urbano só funcionarão se o transporte público, com os seus benefícios comprovados para um ar limpo, for reforçado. Tal pode ser mais desafiador do que nunca, já que o setor está atualmente numa situação terrível, com as pessoas a evitarem espaços apertados. A queda no número de passageiros em Londres varia entre 80% para autocarros e 92% para o metro. No caso da Alemanha, especialistas em transporte esperam que, no pior dos cenários, o Covid-19 possa levar a uma redução de 50% no uso do transporte público até 2023.  Estão a ser implementadas medidas imediatas necessárias, tais como a limpeza profunda de veículos ou a disponibilização de dispensadores de desinfetantes aos passageiros para garantir que os serviços de autocarro e metro não sejam meios para a propagação do vírus. Para criar novos empregos e ampliar o apelo ao transporte público é agora a hora de duplicar a eletrificação da frota de autocarros. "Moderno, limpo e seguro” deve ser o slogan.

Tais medidas tornarão os autocarros mais atraentes em geral, como se verifica em Paris, onde 93% dos utilizadores de autocarro pensam que a transição para modelos elétricos evidencia a preocupação de um operador em agradar aos seus clientes. Paralelamente, as soluções de venda digital de títulos de transporte ajudarão a reduzir os pontos de contato físicos e facilitarão as informações em tempo real. Mas isso também exigirá horários de trabalho e escolares mais flexíveis, para evitar efeitos na hora de ponta no metropolitano ou nos autocarros. Novos hábitos, como o teletrabalho, devem ser incentivados onde possível a fim de reduzir a necessidade de deslocamentos diários todos os dias da semana.

Temos já disponíveis as ferramentas para traçar um rumo no sentido de emissões zero.

Em terceiro lugar, está na hora de tirar os veículos poluentes da estrada. Como primeiro passo, as Zonas de Baixa Emissão têm-se mostrado como um caminho possível para acelerar a captação de automóveis menos poluentes e reduzir a poluição do ar. Evidências em Londres, Madrid e Paris mostram que as concentrações de dióxido de azoto (NO2) podem ser rapidamente reduzidas em até um terço. Entretanto, no âmbito da atual crise, várias cidades - incluindo Bruxelas, Milão e Londres - decidiram suspender as políticas existentes ou atrasar novas para ajudar os trabalhadores da saúde e as entregas essenciais. Embora tais decisões sejam justificadas como medidas de emergência temporárias, é vital que aqueles instrumentos, comprovados como conducentes a um ar mais limpo, sejam totalmente reativados o mais rapidamente possível. Além disso, as reduções graduais da poluição já não são suficientes: um grupo de importantes cidades europeias já estabeleceu um rumo para zonas de emissão zero e há agora uma oportunidade de ouro para que mais autarquias integrem tais políticas no redesenho geral das cidades pós-COVID-19. Tal como a ZERO tem vindo a mostrar, Lisboa nunca teve um ar tão limpo este século como nas últimas semanas.

Felizmente, estão agora disponíveis alternativas aos motores de combustão poluentes, e cada vez mais acessíveis. Os primeiros meses de 2020 viram as vendas de carros elétricos atingirem valores sem precedentes na Europa Ocidental, com aumento de vendas atingindo os 10%. (contra 3% apenas alguns meses antes). Os autocarros elétricos estão também a conquistar as ruas europeias e ajudam a reduzir os custos dos nossos sistemas de mobilidade. A crise atual é a oportunidade de fazer o que tantas cidades queriam, ou seja, proibir carros de motores de combustão interna nas suas ruas, mas faltava a oportunidade.


O todo é maior do que a soma das suas partes

Por último, se combinarmos essas transformações no espaço urbano, transporte público e veículos de emissão zero com serviços inovadores elétricos (ou com emissões zero), compartilhados e disponíveis para a procura, podemos dar um passo em direção ao “paraíso dos transportes”. A Federação Europeia de Transporte e Ambiente modelou o impacto combinado dessas políticas no ano passado e descobriu que os quilómetros de carro percorridos poderiam ser reduzidos em até 60%. Mas isso também significa que veículos de alta quilometragem, como táxis, veículos de transporte individual (TVDE) como Uber e Kapten ou frotas de entrega, precisam de mudar rapidamente para veículos elétricos. E novos serviços terão de complementar, não substituindo, o transporte público, oferecendo, por exemplo, preços mais baratos em serviços de boleia para viagens específicas, como já implementado à noite na cidade francesa de Nice.

As decisões tomadas nas próximas semanas e meses determinarão se refazemos ou destruímos as nossas cidades. Os bloqueios deram-nos um vislumbre de como as nossas cidades e a qualidade do ar podem ser sem motores poluentes. Como o presidente da França, Macron, disse recentemente: “Quando sairmos desta crise, as pessoas já não aceitarão respirar ar poluído. As pessoas dirão: “Eu não concordo com as escolhas das sociedades onde eu irei respirar esse ar, ou onde o meu filho ou filha irá ter bronquite por causa disso.” Temos as ferramentas comprovadas para evitar o retorno do ar tóxico e devemos, já, pô-las em uso. Em Portugal, e em particular em cidades onde ainda se ultrapassam os valores-limite de qualidade do ar como Lisboa, Porto e Braga, será uma enorme derrota se não soubermos reconstruir bem o seu futuro.

ENERGIA
Electricidade sem carvão há 52 dias produz menos um milhão de toneladas de CO2

A estimativa é da Zero, que recorreu aos dados da REN relativos aos meses de Março e Abril de 2020, comparando-os com o período homólogo de 2019.

Lusa 5 de Maio de 2020, 22:31

A estação termoeléctrica de Sines, a maior produtora de carvão do país, não produziu durante o mês de Abril. MIGUEL MANSO

Portugal não usa carvão para produzir electricidade há 52 dias, o que reduziu as emissões de dióxido de carbono (CO2) em quase um milhão de toneladas, indicam as contas da associação ambientalista Zero, divulgadas nesta terça-feira.

Num comunicado em que dá conta do recorde, a associação salienta que não se queima carvão para produzir electricidade há 52 dias consecutivos nas centrais de Sines e Pego, e lembra que a central de Sines está parada há 100 dias. A produção das centrais a carvão foi nula no mês de Abril, o que não acontecia desde 1985, segundo a REN (Redes Energéticas Nacionais).

“Tal conduziu a uma redução inédita e sem precedentes das emissões de gases com efeito de estufa em Portugal”, diz a Zero no comunicado.


Para os resultados que divulga, a Zero recorreu aos dados da REN relativos aos meses de Março e Abril de 2020, comparando-os com o período homólogo de 2019. Assim, a associação calcula um decréscimo de emissões de 960 mil toneladas (370 mil toneladas para o total de Março e 590 mil toneladas para o total de Abril).

Nos mesmos dois meses houve ainda um aumento de 14,5% de fontes renováveis na produção de electricidade, comparando com o mesmo período de 2019, passando de 62,6% para 77,1%, segundo a Zero, que considera ainda “relevante” a quebra no consumo de electricidade, que atingiu 12% comparando o mês de Abril de 2020 com o mês de Abril de 2019. A REN indica que é necessário recuar a Agosto de 2004 para encontrar um consumo mensal tão baixo como o do mês passado.

Juntando todos os dados, a associação ambientalista estima que as emissões médias diárias de CO2 associadas à produção de electricidade tenham descido das 28 mil toneladas/dia de Março e Abril do ano passado para 12 mil toneladas/dia nos meses respectivos deste ano. Ou seja, são menos 16 mil toneladas por dia. Em Março a Zero estimava que Portugal estava a emitir menos 52 mil toneladas por dia.

No comunicado a Zero ressalva que a pandemia de covid-19 “não tem uma relação directa com estes resultados”, excepto por exemplo na redução do consumo de electricidade, e diz que eles se devem acima de tudo a uma consequência dos preços de mercado do carvão, dos custos associados às emissões e à competitividade, e da disponibilidade de outras alternativas, especialmente a electricidade de fontes renováveis e as centrais a gás natural, mais eficientes que as centrais a carvão.

Em Outubro, o Governo anunciou estar preparado para encerrar a central termoeléctrica do Pego no final de 2021 e fazer cessar a produção da central de Sines em Setembro de 2023, algo que a associação lembrou estar, no momento, “a ter lugar”. As duas centrais são responsáveis por uma quantidade significativa das emissões de CO2 de Portugal, emitindo também outros poluentes como óxido de azoto, dióxido de enxofre, partículas e metais pesados.

“As actuais paragens das centrais do Pego e de Sines mostram que é possível a sua retirada do sistema sem pôr em causa a segurança do abastecimento de electricidade no país”, frisa a Zero, acrescentando que os investimentos para a produção de electricidade a partir de fontes de energia renovável conseguirão assegurar uma fracção progressivamente significativa da geração de electricidade, “com custos mais reduzidos para o consumidor e sem emissões directas de gases de efeito de estufa”.

E depois, diz também, as centrais térmicas existentes de ciclo combinado a gás natural (Ribatejo, Pego, Lares e Tapada do Outeiro) têm permitido substituir o fornecimento de electricidade das centrais a carvão com muito menores emissões de CO2.

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