sábado, 2 de agosto de 2014

Representante de Portugal na Comissão Europeia. / Segunda escolha para uma pasta sem peso / Mitos e realidades.


EDITORIAL / PÚBLICO / 2-8-2014
Segunda escolha para uma pasta sem peso

Carlos Moedas foi o nome escolhido por Passos Coelho para ser comissário europeu

O processo para a escolha do representante de Portugal na Comissão Europeia foi mal conduzido desde o início. E terminou de uma forma quase humilhante e até injusta para o português que será o novo comissário europeu, Carlos Moedas. Depois de duas décadas de Durão Barroso à frente da Comissão Europeia, já seria de esperar que Portugal ficasse afastado das pastas com mais peso em Bruxelas. E seria até estranho que Portugal conseguisse ficar com uma pasta de peso como os Assuntos Económicos, depois de nos últimos três anos ter sido alvo de um programa de resgate da troika.
Mesmo não ambicionando ter uma pasta de peso na Europa, o Governo tinha a obrigação de tentar chegar a um acordo com os partidos da oposição, sobretudo com o PS, para que o nome do comissário europeu tivesse um mínimo de consenso possível. Quem olha de fora para o país e vê metade do Parlamento a tentar enxovalhar Carlos Moedas fica com a sensação de que o actual secretário de Estado é um incompetente, o que não corresponde à realidade.
É verdade que, ao contrário do que dizia Nuno Melo do CDS-PP esta quinta feira, o actual adjunto de Passos não tem peso político. Mas isso não atesta nada em relação à capacidade que terá ou não para desempenhar bem o cargo.
Mas se é verdade que já tinha pouco peso político, com menos peso ficou depois de o Governo ter deixado sair para fora a informação de que Passos Coelho até ponderaria abdicar da sua ministra das Finanças, se Juncker desse a Portugal uma pasta com relevância. Pelos vistos não deu e Maria Luís Albuquerque vai continuar no Terreiro do Paço.
E Carlos Moedas, que desde a partida da troika ficou sem o que fazer no Governo, segue para Bruxelas com o peso de ter sido uma segunda escolha para uma pasta que se adivinha irrelevante.

Mitos e realidades
Análise / Teresa de Sousa / 2-8-2014 / PÚBLICO

A forma como decorreu a escolha do nome que Portugal mandará para a Comissão de Bruxelas andou à volta de alguns mitos, muito cultivados em Lisboa, mas muito longe do que se passa realmente na Europa. Vale a pena explicar o que valem, até porque a narrativa posta a circular pelo gabinete do primeiro-ministro também se apoia neles.

O mito “número um”, aliás, partilhado por muito boa gente, é a sempre invocada “amizade” de Jean-Claude Juncker, o novo presidente da Comissão, por Portugal. Não se contesta que Juncker goste de nós. Vive num país onde uma percentagem grande da população é portuguesa. Esteve no poder durante quase 20 anos e deve ter apreciado bastante os votos dos portugueses. Tem bons amigos em Portugal. Saltar daí para acreditar que o Governo português conseguiria um tratamento especial é pura ilusão. O antigo primeiro-ministro do Luxemburgo tem “amigos” em todas as outras capitais da União, o que quer dizer que tem de respeitar, mais ou menos, os tradicionais equilíbrios que a Comissão é suposta preservar — entre novos e velhos países, famílias políticas, “grandes” e “pequenos”, ricos e pobres — e que cada um terá o cuidado de lhe recordar. E tem, além disso, “grandes amigos” nas capitais dos grandes países, numa altura em que a crise deslocou boa parte do poder de decisão para Berlim. Esta é a dura realidade.
Por que razão Jean-Claude Juncker, quando ainda não definiu a nova orgânica que quer para a Comissão, nem negociou compromissos com ninguém, havia de garantir a Portugal a pasta dos Fundos Europeus? O que levou Passos Coelho a insistir num acordo praticamente impossível? A reacção do primeiro-ministro ao decidir-se por Carlos Moedas, como se fosse uma espécie de castigo, mesmo que compreensível em termos internos, não deve ter agradado nada ao futuro presidente da Comissão.
O segundo mito assenta na ideia de que o país já recuperou o seu bom nome europeu. Cumpriu diligentemente o programa da troika, fez o que lhe mandaram e ganhou credibilidade. Tudo isto é verdade, mas não chega. Basta ler os relatórios de algumas instâncias internacionais e europeias para vermos espelhadas neles as enormes fragilidades que pesam ainda sobre Portugal, desde a sustentabilidade da recuperação económica ao equilíbrio das contas externas, passando por uma dívida pública cada vez mais pesada. Faltava apenas o sismo provocado pelo Grupo Espírito Santo, cujas ondas de choque ainda não terminaram, para termos a fotografia completa. Bem-comportados só mesmo aos olhos de Berlim, cujas políticas o Governo não contesta, porque pensa da mesma maneira. Maria Luís Albuquerque não era a primeira escolha de Passos. Foi “soprada” de Berlim ao gabinete de Juncker (ver texto nas páginas 2/3). Passos não teve outra alternativa senão agarrar na “deixa”, até porque outras possibilidades foram perdendo força.
Aliás, a ilusão sobre o nosso peso europeu levou mesmo a que a candidatura de Maria Luís Albuquerque à presidência do Eurogrupo fosse considerada. A escolha não afectaria o seu lugar de ministra, até porque o mandato do actual presidente, o holandês Jeroen Dijsselbloem, termina apenas em Maio do próximo ano. Outro mito a precisar de um pouco de realidade. Se houve uma escolha mais ou menos consensual no Conselho Europeu de 16 de Julho, foi sobre o nome do actual ministro das Finanças de Madrid, Luis de Guindos. Acresce que os líderes ainda não decidiram se o presidente do Eurogrupo será, como agora, um ministro em funções ou um cargo autónomo. Mas a candidatura de Dijsselbloem a comissário (ainda falta a confirmação oficial) viria apertar os calendários.

Finalmente, o mito dos consensos. José António Seguro foi convidado a ir a São Bento para falar com o primeiro-ministro sobre esta escolha. Entrou mudo e saiu calado. A única coisa que disse, antes desse encontro, foi que o partido que ganhou as eleições europeias devia escolher o comissário. Já deixou cair a ideia, cuja lógica levaria, em teoria, a dar a Marine Le Pen a possibilidade de designar o comissário francês. É legítimo perguntar o que ganhou Seguro com isso. Pode ter levado o nome de Maria João Rodrigues com o seu valioso currículo europeu. Passos nunca o considerou. Carlos Moedas tem imensas qualidades técnicas, mas não tem peso político e só por milagre obterá uma pasta relevante. Pior para o Governo só o risco de uma Comissão com comissários de primeira e de segunda. Vamos ver.

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