domingo, 3 de agosto de 2014

Uma engenharia para salvar o BES./ Novo Banco arranca hoje mas mantém imagem antiga. / Bancos chamados a resgatar BES, depositantes ficam protegidos. / A galinha dos ovos podres. / A situação é catastrófica, mas não é grave.


EDITORIAL / PÚBLICO / 4-8-2014
Uma engenharia para salvar o BES
O regulador partiu o BES ao meio. Uma metade boa, e uma metade má que fica para os accionistas

OBanco Espírito Santo (BES), tal como o conhecemos, deixou de existir. Na quinta-feira passada as acções do banco afundaram 40% e no dia seguinte mais 40%. Os títulos chegaram a ser negociados a apenas 10 cêntimos, em comparação, por exemplo, com os 65 cêntimos a que foram vendidas as acções no aumento de capital de Junho. Qual a razão para que de repente as acções passassem a valer quase zero? A razão é que os investidores começaram a desconfiar de que as acções poderiam realmente vir a valer zero. E assim foi. Começaram a acreditar que o Estado poderia nacionalizar o BES e ficar com todo o património dos accionistas, grandes ou pequenos. Assim foi. O Estado não nacionalizou o BES, no sentido tradicional do termo, mas o banco deixa de ser os accionistas e passa a ser património de um Fundo de Resolução que recebeu uma injecção de dinheiro do Estado.
O Banco de Portugal resolveu dividir o BES entre um “banco bom” e um “banco mau”. O primeiro fica com os activos e créditos de boa qualidade e o segundo fica com os activos tóxicos, como os créditos de qualidade duvidosa que o banco deu às holdings da família Espírito Santo. O “banco bom” fica nas mãos do Fundo de Resolução e o “banco mau” fica nas mãos dos mais de 30 mil accionistas do actual BES, que recebem um passivo que dificilmente conseguirão converter algum dia em dinheiro.
É uma engenharia financeira que, apesar de deixar cair os accionistas, salvaguarda o dinheiro dos depositantes. E tem uma vantagem de tentar separar de alguma forma o risco soberano do risco bancário. Ao emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução (e não ao BES directamente), o Estado minimiza as perdas que poderá incorrer no futuro e evita que o dinheiro emprestado tenha de ser contabilizado como défice.

Novo Banco arranca hoje mas mantém imagem antiga
LUSA 04/08/2014 - 01:33

O Novo Banco, que ficará com os activos não problemáticos do BES, começa a funcionar já hoje com a mesma imagem e agências da instituição fundada pela família Espírito Santo.

O Banco de Portugal anunciou no domingo a injecção de 4,9 mil milhões de euros no BES para o capitalizar, através do Fundo de Resolução bancário, e o fim desta instituição, com a separação do banco fundado pela família Espírito Santo entre um 'bad bank' ('banco mau'), em que ficam os activos tóxicos, e o Novo Banco, que reúne os activos não tóxicos, como os depósitos.

O Novo Banco, que será liderado por Vítor Bento, que sucedeu ao líder histórico Ricardo Salgado na presidência do BES, fica com as agências e trabalhadores do BES, sendo que na segunda-feira os balcões abrem ainda com a imagem do BES e os clientes encontrarão lá as caras habituais e os mesmos serviços.

"Os balcões do Novo Banco, que manterão para já a marca e o logotipo do BES, bem como com demais serviços de banca telefónica e 'online', continuarão a funcionar regularmente", disse no domingo à noite o Governador do Banco de Portugal, acrescentando que os clientes "poderão realizar todas as operações com normalidade e como habitualmente sem ser necessária qualquer alteração".

No futuro, com a entrada de investidores privados no capital deste Novo Banco, que para já fica a ser totalmente detido pelo Fundo de Resolução, poderá haver mexidas na instituição, com saída de trabalhadores e fecho de agências.
Para esclarecer dúvidas relacionadas com este processo, o Banco de Portugal criou uma lista de perguntas e respostas frequentes e criou uma linha de atendimento, que pode ser contactada pelo 707 201 409, todos os dias entre as 9h00 e as 18h00.

A chamada custa 0,10 euros por minuto de rede fixa e 0,25 euros de telemóvel. Poderá ainda ser usado o e-mail infobes@bportugal.pt.

Bancos chamados a resgatar BES, depositantes ficam protegidos
CRISTINA FERREIRA 03/08/2014 - PÚBLICO
Sector financeiro deverá ser chamado de forma indirecta a recapitalizar o banco que passa a ser propriedade do Fundo de Resolução, gerido pelo Banco de Portugal

Esta segunda-feira o Banco Espírito Santo vai reabrir limpo dos seus activos tóxicos e sem nenhum dos seus actuais detentores de acções e de divida subordinada, que perdem tudo o que ali investiram.

Tudo indica que a solução de recapitalização será encontrada dentro do sistema financeiro português através da activação do fundo de resolução previsto no novo quadro da União Bancária europeia.

A solução para o BES e que está a ser trabalhada pelo Banco de Portugal, equipa de Vítor Bento, e Governo, em articulação com Bruxelas, e que pode vir a ser anunciada ainda esta noite, às 22h45, passa pela utilização do fundo de resolução e pela divisão do segundo maior banco (que a partir de amanhã deixa de estar cotado na bolsa): um banco bom para onde serão transferidos os depósitos, os créditos sem risco e os activos rentáveis; e um banco mau que receberá os créditos associados ao GES e às empresas satélites ou sem condições de os pagar.


Para os depositantes e os credores sem divida subordinada do BES nada mudará e ficarão clientes de um banco dotado do capital necessário para se manter a funcionar dentro das regras exigidas e limpo dos activos tóxicos que o arrastaram para a actual situação.

Nos termos da recapitalização do BES, e do recurso ao Fundo de Resolução bancária, o Estado avançará com parte dos seis mil milhões (fala-se em menos de quatro mil milhões) que sobram da linha de 12 mil milhões de euros acordada no memorando da troika (estão disponíveis 6,4 mil milhões de euros). Mas a verba será assumida pelos restantes bancos do sector - entre outros a CGD, BCP, BPI, Santander, Montepio Geral, Banif, CCAM – na proporção do que lá têm (e vão ter) investido. 

A confirmar-se as medidas, o Fundo de Resolução bancária será o único accionista do BES, gerido pelo Banco de Portugal e fundeado pelo resto do sistema bancário. E a actual equipa de gestão, liderada por Vitor Bento, deverá ser convidada a manter-se, mas agora com a chancela das autoridades públicas e não dos privados.

Esta solução, a ser confirmada, evita que haja uma responsabilização dos contribuintes (e o objectivo é não implicar que a dívida liquida vá ao défice), pois são os bancos a assumir os encargos, mas estes não se vão reflectir de imediato nas contas. Actualmente o fundo de resolução bancária tem apenas recursos próprios de 182,2 milhões de euros, pelo que o sector bancário terá de fazer novos contributos, o que fará ao longo dos próximos anos, de modo a diferir o esforço nas suas contas e evitar os efeitos imediatos nos resultados e no capital. As verbas aplicadas no fundo de resolução serão recuperadas quando o banco-bom for vendido. 

Amanhã o BES sairá de bolsa e os actuais accionistas, como o GES e o Crédit Agricole (15% do capital), assim como os detentores de divida subordinada, deixam de ter qualquer intervenção no dossier, pois perdem o que investiram. Mas deverão ficar com o banco-mau.

A galinha dos ovos podres
Luís Villalobos / 4 ago 2014 / PÚBLICO

Não é normal um banco ser intervencionado duas vezes pelo Estado. Se no primeiro caso os principais accionistas foram vítimas do PREC, agora foi o líder da família Espírito Santo quem provocou um Processo de Recapitalização em Cadeia. A palavra “nacionalização” não é usada, mas o certo é que há a utilização de dinheiro do Estado, por via do empréstimo ao Fundo de Resolução. Há várias diferenças face ao BPN, começando pela dimensão do BES e acabando no facto de Oliveira Costa não dar inúmeras entrevistas com opiniões sobre tudo e mais alguma coisa. Também as há na forma como o Estado intervém. Mas intervém, e convém clarificar muito bem se há o mínimo de riscos nessa estratégia. Para trás fica um nome familiar, caído em desgraça, um prospecto de aumento de capital que levou muitos accionistas a entrarem no banco ou a manter posições e o suposto interesse de vários investidores privados que surgiriam antes de uma intervenção do Estado. O BES é agora um banco em saneamento, com muitos clientes, como os depositantes, a não ganharem para o susto. Para estes há o Novo Banco. O “mau” pagam os accionistas (todos) e alguns credores. A instituição que funcionou como uma espécie de galinha dos ovos de ouro para os principais accionistas e várias empresas passou a ser uma galinha dos ovos podres. Como é que isso se passou ainda terá de ser mais bem explicado. Para já, fica a ideia de que o responsável do galinheiro era também uma raposa, e que os vigilantes da quinta foram lidando com os buracos na rede à medida que estes iam aparecendo, até se perceber que havia mais buracos do que rede.

A situação é catastrófica, mas não é grave
Por Ana Sá Lopes
publicado em 4 Ago 2014 in (jornal) i online

Já não deve sobrar um português que não seja da família Costa para elogiar o BdP

A avaliar por aquilo que se passou durante um mês inteiro, é de supor que Carlos Costa e Vítor Bento tenham passado as últimas semanas a trocar as mesmas mensagens que, segundo a famosa anedota do tempo da Segunda Guerra, eram enviadas entre os quartéis-generais da Alemanha e da Áustria, já à beira da derrota. O estado-maior do Banco de Portugal passou o mês de Julho inteiro a informar que “a situação é catastrófica, mas não é grave” à qual o novo estado-maior do BES respondeu que “a situação é grave, mas não catastrófica”.

Dois exércitos paralisados durante demasiado tempo, até ontem, enquanto o BES se desfazia aos pedaços. Já não deve sobrar um português que não seja da família Costa para elogiar o papel do Banco de Portugal nesta altura dos acontecimentos.

A obsessão em separar o Grupo Espírito Santo do Banco Espírito Santo poderia ter boas razões, mas era uma escolha com um enorme problema: não tinha qualquer adesão à realidade e não era preciso ser-se um especialista para se perceber isso. Há um mês, a 3 de Julho, o Banco de Portugal declarava: “a situação de solvabilidade do BES é sólida, tendo sido significativamente reforçada com o recente aumento de capital” e elogiava o seu papel, garantindo que o Banco de Portugal “tem vindo a adoptar um conjunto de acções de supervisão, traduzidas em determinações específicas dirigidas à ESFG e ao BES, para evitar riscos de contágio ao banco resultantes do ramo não-financeiro do GES”. Foi um sucesso.

No dia 11 de Julho, Carlos Costa prosseguia a sua tarefa de “tranquilizar” o país: “O BES detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos”. Claro que tudo era feito com base na famosa auditoria que não serviu para nada – nem poderia servir, como os próprios auditores se encarregaram de vir dizer – e que nos vai fazer deixar de confiar em qualquer coisa que tenha passado por um “auditor”. E, evidentemente, por um “regulador”.


A verdade é que António José Seguro foi ao Banco de Portugal e saiu de lá tranquilo; o Presidente da República interrompeu uma viagem à Coreia do Sul para lembrar que estava tranquilo, uma vez que o  “Banco de Portugal tem sido peremptório, categórico, a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”,  “dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa”. A situação era catastrófica e grave e por agora vai ser paga pelos do costume.

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