EDITORIAL / PÚBLICO
/ 4-8-2014
Uma engenharia para salvar o BES
O regulador partiu o BES ao meio. Uma metade boa, e uma metade má que fica
para os accionistas
OBanco Espírito
Santo (BES), tal como o conhecemos, deixou de existir. Na quinta-feira passada
as acções do banco afundaram 40% e no dia seguinte mais 40%. Os títulos
chegaram a ser negociados a apenas 10 cêntimos, em comparação, por exemplo, com
os 65 cêntimos a que foram vendidas as acções no aumento de capital de Junho.
Qual a razão para que de repente as acções passassem a valer quase zero? A
razão é que os investidores começaram a desconfiar de que as acções poderiam
realmente vir a valer zero. E assim foi. Começaram a acreditar que o Estado
poderia nacionalizar o BES e ficar com todo o património dos accionistas,
grandes ou pequenos. Assim foi. O Estado não nacionalizou o BES, no sentido
tradicional do termo, mas o banco deixa de ser os accionistas e passa a ser
património de um Fundo de Resolução que recebeu uma injecção de dinheiro do
Estado.
O Banco de
Portugal resolveu dividir o BES entre um “banco bom” e um “banco mau”. O
primeiro fica com os activos e créditos de boa qualidade e o segundo fica com
os activos tóxicos, como os créditos de qualidade duvidosa que o banco deu às
holdings da família Espírito Santo. O “banco bom” fica nas mãos do Fundo de
Resolução e o “banco mau” fica nas mãos dos mais de 30 mil accionistas do
actual BES, que recebem um passivo que dificilmente conseguirão converter algum
dia em dinheiro.
É uma engenharia
financeira que, apesar de deixar cair os accionistas, salvaguarda o dinheiro
dos depositantes. E tem uma vantagem de tentar separar de alguma forma o risco
soberano do risco bancário. Ao emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução (e não
ao BES directamente), o Estado minimiza as perdas que poderá incorrer no futuro
e evita que o dinheiro emprestado tenha de ser contabilizado como défice.
Novo Banco arranca hoje mas
mantém imagem antiga
LUSA 04/08/2014 -
01:33
O Novo Banco, que
ficará com os activos não problemáticos do BES, começa a funcionar já hoje com
a mesma imagem e agências da instituição fundada pela família Espírito Santo.
O Banco de
Portugal anunciou no domingo a injecção de 4,9 mil milhões de euros no BES para
o capitalizar, através do Fundo de Resolução bancário, e o fim desta
instituição, com a separação do banco fundado pela família Espírito Santo entre
um 'bad bank' ('banco mau'), em que ficam os activos tóxicos, e o Novo Banco,
que reúne os activos não tóxicos, como os depósitos.
O Novo Banco, que
será liderado por Vítor Bento, que sucedeu ao líder histórico Ricardo Salgado
na presidência do BES, fica com as agências e trabalhadores do BES, sendo que
na segunda-feira os balcões abrem ainda com a imagem do BES e os clientes
encontrarão lá as caras habituais e os mesmos serviços.
"Os balcões
do Novo Banco, que manterão para já a marca e o logotipo do BES, bem como com demais
serviços de banca telefónica e 'online', continuarão a funcionar
regularmente", disse no domingo à noite o Governador do Banco de Portugal,
acrescentando que os clientes "poderão realizar todas as operações com
normalidade e como habitualmente sem ser necessária qualquer alteração".
No futuro, com a
entrada de investidores privados no capital deste Novo Banco, que para já fica
a ser totalmente detido pelo Fundo de Resolução, poderá haver mexidas na
instituição, com saída de trabalhadores e fecho de agências.
Para esclarecer
dúvidas relacionadas com este processo, o Banco de Portugal criou uma lista de
perguntas e respostas frequentes e criou uma linha de atendimento, que pode ser
contactada pelo 707 201 409, todos os dias entre as 9h00 e as 18h00.
A chamada custa
0,10 euros por minuto de rede fixa e 0,25 euros de telemóvel. Poderá ainda ser
usado o e-mail infobes@bportugal.pt.
Bancos chamados a resgatar BES,
depositantes ficam protegidos
CRISTINA FERREIRA
03/08/2014 - PÚBLICO
Sector financeiro deverá ser chamado de forma indirecta a recapitalizar o
banco que passa a ser propriedade do Fundo de Resolução, gerido pelo Banco de
Portugal
Esta
segunda-feira o Banco Espírito Santo vai reabrir limpo dos seus activos tóxicos
e sem nenhum dos seus actuais detentores de acções e de divida subordinada, que
perdem tudo o que ali investiram.
Tudo indica que a
solução de recapitalização será encontrada dentro do sistema financeiro
português através da activação do fundo de resolução previsto no novo quadro da
União Bancária europeia.
A solução para o
BES e que está a ser trabalhada pelo Banco de Portugal, equipa de Vítor Bento,
e Governo, em articulação com Bruxelas, e que pode vir a ser anunciada ainda
esta noite, às 22h45, passa pela utilização do fundo de resolução e pela
divisão do segundo maior banco (que a partir de amanhã deixa de estar cotado na
bolsa): um banco bom para onde serão transferidos os depósitos, os créditos sem
risco e os activos rentáveis; e um banco mau que receberá os créditos
associados ao GES e às empresas satélites ou sem condições de os pagar.
Para os
depositantes e os credores sem divida subordinada do BES nada mudará e ficarão
clientes de um banco dotado do capital necessário para se manter a funcionar
dentro das regras exigidas e limpo dos activos tóxicos que o arrastaram para a
actual situação.
Nos termos da
recapitalização do BES, e do recurso ao Fundo de Resolução bancária, o Estado
avançará com parte dos seis mil milhões (fala-se em menos de quatro mil
milhões) que sobram da linha de 12 mil milhões de euros acordada no memorando
da troika (estão disponíveis 6,4 mil milhões de euros). Mas a verba será
assumida pelos restantes bancos do sector - entre outros a CGD, BCP, BPI,
Santander, Montepio Geral, Banif, CCAM – na proporção do que lá têm (e vão ter)
investido.
A confirmar-se as
medidas, o Fundo de Resolução bancária será o único accionista do BES, gerido
pelo Banco de Portugal e fundeado pelo resto do sistema bancário. E a actual
equipa de gestão, liderada por Vitor Bento, deverá ser convidada a manter-se,
mas agora com a chancela das autoridades públicas e não dos privados.
Esta solução, a
ser confirmada, evita que haja uma responsabilização dos contribuintes (e o
objectivo é não implicar que a dívida liquida vá ao défice), pois são os bancos
a assumir os encargos, mas estes não se vão reflectir de imediato nas contas.
Actualmente o fundo de resolução bancária tem apenas recursos próprios de 182,2
milhões de euros, pelo que o sector bancário terá de fazer novos contributos, o
que fará ao longo dos próximos anos, de modo a diferir o esforço nas suas
contas e evitar os efeitos imediatos nos resultados e no capital. As verbas
aplicadas no fundo de resolução serão recuperadas quando o banco-bom for
vendido.
Amanhã o BES
sairá de bolsa e os actuais accionistas, como o GES e o Crédit Agricole (15% do
capital), assim como os detentores de divida subordinada, deixam de ter
qualquer intervenção no dossier, pois perdem o que investiram. Mas deverão
ficar com o banco-mau.
A galinha dos ovos podres
Luís Villalobos /
4 ago 2014 / PÚBLICO
Não é normal um
banco ser intervencionado duas vezes pelo Estado. Se no primeiro caso os
principais accionistas foram vítimas do PREC, agora foi o líder da família
Espírito Santo quem provocou um Processo de Recapitalização em Cadeia. A
palavra “nacionalização” não é usada, mas o certo é que há a utilização de
dinheiro do Estado, por via do empréstimo ao Fundo de Resolução. Há várias
diferenças face ao BPN, começando pela dimensão do BES e acabando no facto de
Oliveira Costa não dar inúmeras entrevistas com opiniões sobre tudo e mais
alguma coisa. Também as há na forma como o Estado intervém. Mas intervém, e
convém clarificar muito bem se há o mínimo de riscos nessa estratégia. Para
trás fica um nome familiar, caído em desgraça, um prospecto de aumento de
capital que levou muitos accionistas a entrarem no banco ou a manter posições e
o suposto interesse de vários investidores privados que surgiriam antes de uma
intervenção do Estado. O BES é agora um banco em saneamento, com muitos
clientes, como os depositantes, a não ganharem para o susto. Para estes há o
Novo Banco. O “mau” pagam os accionistas (todos) e alguns credores. A
instituição que funcionou como uma espécie de galinha dos ovos de ouro para os
principais accionistas e várias empresas passou a ser uma galinha dos ovos
podres. Como é que isso se passou ainda terá de ser mais bem explicado. Para
já, fica a ideia de que o responsável do galinheiro era também uma raposa, e
que os vigilantes da quinta foram lidando com os buracos na rede à medida que
estes iam aparecendo, até se perceber que havia mais buracos do que rede.
A situação é catastrófica, mas
não é grave
Por Ana Sá Lopes
publicado em 4
Ago 2014 in
(jornal) i online
Já não deve sobrar um português que não seja da família Costa para elogiar
o BdP
A avaliar por
aquilo que se passou durante um mês inteiro, é de supor que Carlos Costa e
Vítor Bento tenham passado as últimas semanas a trocar as mesmas mensagens que,
segundo a famosa anedota do tempo da Segunda Guerra, eram enviadas entre os
quartéis-generais da Alemanha e da Áustria, já à beira da derrota. O
estado-maior do Banco de Portugal passou o mês de Julho inteiro a informar que
“a situação é catastrófica, mas não é grave” à qual o novo estado-maior do BES
respondeu que “a situação é grave, mas não catastrófica”.
Dois exércitos
paralisados durante demasiado tempo, até ontem, enquanto o BES se desfazia aos
pedaços. Já não deve sobrar um português que não seja da família Costa para
elogiar o papel do Banco de Portugal nesta altura dos acontecimentos.
A obsessão em
separar o Grupo Espírito Santo do Banco Espírito Santo poderia ter boas razões,
mas era uma escolha com um enorme problema: não tinha qualquer adesão à
realidade e não era preciso ser-se um especialista para se perceber isso. Há um
mês, a 3 de Julho, o Banco de Portugal declarava: “a situação de solvabilidade
do BES é sólida, tendo sido significativamente reforçada com o recente aumento
de capital” e elogiava o seu papel, garantindo que o Banco de Portugal “tem
vindo a adoptar um conjunto de acções de supervisão, traduzidas em
determinações específicas dirigidas à ESFG e ao BES, para evitar riscos de
contágio ao banco resultantes do ramo não-financeiro do GES”. Foi um sucesso.
No dia 11 de
Julho, Carlos Costa prosseguia a sua tarefa de “tranquilizar” o país: “O BES
detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos
negativos”. Claro que tudo era feito com base na famosa auditoria que não
serviu para nada – nem poderia servir, como os próprios auditores se
encarregaram de vir dizer – e que nos vai fazer deixar de confiar em qualquer
coisa que tenha passado por um “auditor”. E, evidentemente, por um “regulador”.
A verdade é que
António José Seguro foi ao Banco de Portugal e saiu de lá tranquilo; o
Presidente da República interrompeu uma viagem à Coreia do Sul para lembrar que
estava tranquilo, uma vez que o “Banco
de Portugal tem sido peremptório, categórico, a afirmar que os portugueses
podem confiar no Banco Espírito Santo”,
“dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cobrir a
exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais
adversa”. A situação era catastrófica e grave e por agora vai ser paga pelos do
costume.
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