OPINIÃO
Uma solução engenhosa e
vergonhosa
PEDRO SOUSA
CARVALHO 04/08/2014 / PÚBLICO
É caso para dizer
o banco Bom, o banco Mau e o Vilão. O Banco de Portugal partiu o Banco Espírito
Santo em dois. De um lado ficou um banco com os activos de qualidade e que terá
um imaginativo e asséptico nome de ‘Novo banco’. Um huxleyano Admirável Banco Novo.
O outro banco será um ‘bad bank’ que vai agregar todos os activos tóxicos do
antigo BES, tais como os créditos concedidos às holdings da família Espírito
Santo.
É uma solução
engenhosa porque protege os clientes e depositantes do banco e porque separa o
risco soberano do risco bancário. Mas é uma solução vergonhosa porque aplica o
mesmo castigo (perda total de património) à família, aos grandes e aos pequenos
accionistas, muitos deles pequenos aforradores, clientes ou trabalhadores do
banco.
Vamos por partes.
A solução é realmente engenhosa. O Estado empresta 4,4 mil milhões ao Fundo de
Resolução bancária (um fundo detido por todos os bancos nacionais), que também
entra com 500 milhões de euros. O dinheiro (4,9 mil milhões) vai directamente
para o capital do ‘Novo Banco’ que passa a ser propriedade do tal Fundo de
Resolução. Os actuais accionistas perdem tudo, ou melhor, quase tudo. Ficam
accionistas de um ‘bad bank’, que é quase pior do que não ter nada.
A solução tem
várias vantagens: O Estado não nacionaliza o banco, pelo menos como aconteceu
com o BPN. Como o dinheiro não é injectado directamente no novo BES, os 4,4 mil
milhões de euros que o Estado empresta contam como dívida, mas não como défice
nas contas públicas. E a probabilidade de os contribuintes perderem dinheiro é
diminuta, pois os restantes bancos do sistema financeiro garantem que o Estado
recebe o dinheiro de volta.
Há naturalmente
uma transferência de riscos do BES para os restantes bancos do sistema
financeiro que agora, através do Fundo de Resolução, terão de tentar vender o
‘Novo BES’ para devolver o dinheiro dos contribuintes. E se não conseguirem
vender o novo banco pelo menos por 4,9 mil milhões, terão de ser eles próprios
a cobrir as perdas.
Mas ao fazer
tábua rasa do património dos mais de 30 mil accionistas do BES, como se se
tratasse de um grupo de malfeitores, o Banco de Portugal dá a machada final no
mercado de capitais. É mais um caso, como o da PT, da Cimpor ou da Brisa, de
atropelo aos direitos dos pequenos accionistas.
Quem aplica o seu
dinheiro em acções sabe naturalmente que está a correr riscos. Mas muitos
portugueses compraram acções do BES ou não venderam porque confiaram na palavra
dos reguladores. E perderam tudo.
Quando no dia 10
de Julho Carlos Costa afiançou que o banco tinha uma almofada de liquidez para
precaver qualquer percalço, muitos aforradores confiaram e compraram (ou não
venderam) acções do BES. Duas semanas depois veio-se a saber que afinal o
buraco no BES era muito maior e que afinal a almofada não chegava para nada. E
quem confiou no regulador perde hoje tudo.
E quem comprou
acções porque Carlos Costa disse no dia 16 de Julho que havia investidores
privados interessados no BES comprou porque confiou na palavra do governador. Confiaram
tantos que nesse dia as acções dispararam 20%. Os tais investidores privados
nunca apareceram. Hoje as acções não valem nada. Zero.
Carlos Costa não
terá culpa de ter sido enganado pela anterior administração do BES ou de ter
contratado um auditor que demorou muito tempo a descobrir a real situação do
banco. E também, imagino, não terá culpa se havia investidores interessados e
que deixaram de estar.
Mas quem não tem
mesmo culpa são os pequenos accionistas que investiram no banco (ou não
venderam as acções) porque confiaram na palavra do governador. E hoje tem um
vergonhoso património de zero. E quando quiserem vender o ‘Novo BES’ no mercado
de capitais para encaixar dinheiro para devolver ao Estado peçam àqueles que
hoje perderam tudo para voltarem a confiar.
OPINIÃO
Novo banco, fraude velha
RUI TAVARES
04/08/2014 / PÚBLICO
Portugal assistiu
ontem a um evento raro. O Banco de Portugal tentou convencer o país, — e o
mundo financeiro —, da suficiência de um programa de resolução para o Banco
Espírito Santo. Uso a expressão “tentar convencer” sem segundas intenções:
sendo a confiança o elemento essencial na relação entre os clientes e o sistema
bancário, o trabalho de um banqueiro central é sempre um trabalho de persuasão.
Como tal, só o
tempo poderá dizer se o esforço de persuasão de hoje funcionou ou não. Se nos
próximos dias os depositantes do antigo Banco Espírito Santo, agora crismado de
Novo Banco, não forem alarmados por novos esqueletos no armário, pode ser que o
banco central consiga superar a primeira prova deste exercício de alto risco. O
resto é bem mais complicado e compete ao governo; cá estaremos para ver se
poderá cumprir-se a promessa de o caso BES não contaminar a dívida pública e
não prejudicar os contribuintes portugueses. A divisão do BES entre “banco mau”
e “banco bom”, com todas as complexidades e incertezas que ela oculta, torna
tudo isto muito duvidoso.
O governador do
Banco de Portugal, Carlos Costa, foi forçado a admitir que a gestão do Banco
Espírito Santo foi muito pouco católica: nos últimos tempos, e provavelmente
bem antes disso, a administração do banco, e do grupo familiar em que ele se
inseria, incorreram numa série de fraudes e ocultações. Depreende-se claramente
do que disse Carlos Costa que haverá responsabilidades criminais a apurar.
Apesar do nome do
“banco bom”, Novo Banco, ser uma ingénua tentativa propagandística para fazer
crer às pessoas de que estamos a entrar num tempo de fazer tábua rasa, as
fraudes do Banco Espírito Santo não têm nada de novo.
E é aí que houve
algo de ainda mais extraordinário naquele momento extraordinário. Carlos Costa
confessou a inoperância das entidades reguladores perante o capitalismo
financeiro conforme ele funciona hoje. As fraudes do Banco Espírito Santo não
têm nada de novo: basicamente, dependem da utilização de jurisdições ocultas,
empresas-veículo em paraísos fiscais, e um carrossel de operações entre todas
elas. O sistema continua tão opaco quanto sempre. Nada mudou. E o governador do
banco central confirmou que só quando o banco estoura é que se consegue
levantar a ponta do véu. A podridão do império BES ainda está por descobrir.
Posto desta
forma, Carlos Costa não disse mais do que dizem todos os grandes críticos do
capitalismo atual. Só o disse de forma menos clara. Os velhos vícios continuam
intactos por debaixo dos “novos bancos”.
Há maneira de
acabar finalmente com isto. Separar bancos de investimento de bancos
tradicionais. Obrigar os bancos europeus a revelarem tudo o que fazem as suas
subsidiárias. Legislar, ao nível da União Europeia, no mesmo sentido dos EUA
com a sua lei FATCA, que obriga todas entidades fiscais, coletivas ou individuais,
a declararem os ativos que detêm fora da sua jurisdição de origem. E,
finalmente, criar uma unidade especial de investigação ao crime financeiro e
económico, sediada no Banco Central Europeu ou na Europol.
Tudo isto pode
ser conseguido, mas não pelos governos que temos hoje.
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