Uma questão de imagem, prestígio
e coerência, para um banco com responsabilidades
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA
DE CARVALHO 25/11/2011 - PÚBLICO
A banca vive
tempos difíceis. À crise de capital e liquidez junta-se a, cada vez mais
difícil de gerir, crise de prestígio e imagem.
As elites viram o
Inside Job, ou mesmo o All Watched over by Machines of Loving Grace, de Adam
Curtis (BBC), onde não apenas as graves consequências da New Economy para o
sistema e pessoas são analisadas, mas sobretudo, as suas origens.
As pessoas, essas
estão zangadas e ressentidas. Numa indignação difícil de definir e colocar, mas
não menos importante por isso, sentem que foram vitimizadas e manipuladas.
O tão
ridicularizado por ausência de objectivos e definições movimento Internacional
Occupy, no entanto, cresce... e o seu impacto, como sintoma, não é de
menosprezar. E o que é que isto tem a ver especificamente e objectivamente com
o BES?
Uma das
importantes contribuições para a consolidação da imagem pública do universo BES
tem sido, sem dúvida, o importante Museu de Artes Decorativas e a sua
permanente actividade de consciencialização e defesa do valor patrimonial e
histórico dos interiores. Ora, este museu, ilustrativo da importância histórica
desses mesmos interiores, está instalado num magnífico edifício sede da
Fundação Ricardo Espirito Santo, onde também estão instaladas as oficinas de
restauro da mesma fundação dedicadas às Artes Decorativas.
A Fundação
Ricardo Espírito Santo complementa a sua importante actividade, que se estende
para lá das fronteiras, através do ensino académico da História das Artes
Decorativas e Interiores. Ora, perante o desafio que Lisboa conhece no que
respeita à preservação da sua imagem histórica e patrimonial, condição sine qua
non para a salvaguarda do seu carácter, identidade, brio e prestígio, temos
assistido a intervenções promovidas pelo braço imobiliário do universo BES que
constituem um paradoxo perante as preocupações e actividades descritas
anteriormente.
Assim, nas
avenidas, os atentados ao património arquitectónico sucedem-se com propostas
contínuas e sucessivas de demolição integral de interiores, ou mesmo de
demolição total de edifícios. O casus Rosa Araújo, através de um conjunto de
vários edifícios, tornou-se paradigmático deste tipo de intenções, com grande
impacto negativo na opinião pública agravado por grandes trapalhadas no
processo de licenciamento, o que também tem afectado a imagem pública do vereador
do Urbanismo da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, o qual foi precisamente
eleito para representar o rigor e a defesa da cidade e exercer pedagogia
perante os promotores.
Mas,
infelizmente, para todos nós e para o BES, estes casos e tendências já conhecem
vários exemplos na cidade de Lisboa.
Talvez o mais
significativo e ilustrativo tenha sido o da Avenida Duque de Loulé, 35.
Trata-se da
demolição integral de um palacete completamente intacto nas suas
características de séc. XIX tardio, e altamente representativo e perfeitamente
ilustrativo das avenidas concebidas pela visão urbanística de Ressano Garcia. Ora,
misteriosamente, este palacete não fazia parte da Carta do Património de Lisboa
e foi possível demoli-lo integralmente para colocar no seu lugar um edifício
medíocre e de duvidoso sucesso comercial.
E isto, enquanto
a câmara comemora oficialmente o Centenário de Ressano Garcia. Precisamente por
Lisboa ser procurada pelo turismo não podemos esquecer, neste momento em que a
nossa imagem internacional está como nunca antes, devido à crise, sujeita a um
olhar crítico e a um escrutínio implacável, que muitos que nos visitam vêm de
uma Europa com centros históricos impecáveis e exemplares no seu grau de
conservação e restauro.
O apelo ao BES é,
portanto, que pare e medite... se não seria altamente vantajoso integrar os tão
louváveis valores e princípios que defende na actividade da sua ilustre
fundação na sua actividade imobiliária.
Isso seria um
inteligente investimento e uma séria recapitalização num valor insuperável e
insubstituível: a imagem e o prestígio.
Historiador de Arquitectura
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