Lugares-chave da Misericórdia são
ocupados por militantes de PSD e CDS
Fazer as contas é tarefa impossível, porque a instituição não fornece os
dados mínimos. Mas os elementos disponíveis indiciam que a dependência
partidária da Santa Casa se tem vindo a agravar
José António
Cerejo / 6-8-2014 / PÚBLICO
VÍTOR CID
O número de
dirigentes da Misericórdia de Lisboa cresceu 23% entre 2012 e 2013
Os serviços da
Misericórdia de Lisboa são controlados em grande parte, desde a posse de
Santana Lopes, em Setembro de 2011, por pessoas próximas do provedor e dos
membros da sua equipa, muitas delas com ligações directas ao PSD e ao CDS.
VÍTOR CID
O número de
dirigentes da Misericórdia de Lisboa cresceu 23% entre 2012 e 2013
Não se trata
propriamente de uma novidade, visto que a SCML é gerida há muito, tanto pelo
PSD, como pelo CDS e pelo PS, numa lógica partidária. Actualmente, porém, e
tanto quanto é possível avaliar, esta lógica ganhou peso dentro da instituição.
A mesa, composta
pelo provedor, vice-provedor e três vogais, é, por via dos estatutos, nomeada
pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Segurança Social. Daí para baixo, as
fidelidades políticas e pessoais destacam-se tradicionalmente entre os
critérios de nomeação e contratação dos quadros e dirigentes.
Traçar um retrato
rigoroso da distribuição de poder em função dessas filiações não é, todavia,
tarefa fácil. Desde logo porque não há informação disponível e suficiente sobre
quem faz o quê ao nível das chefias e direcções da instituição. Tanto mais que,
entre 2012 e 2013, o número dos seus dirigentes cresceu 23%, passando de 190
para 233.
O PÚBLICO pediu
nos últimos meses informação detalhada sobre o assunto — atendendo a que a
SCML, ao contrário das restantes misericórdias do país, é tutelada pelo Estado
—, mas não obteve resposta. Numa primeira fase, foi remetido para o site da
instituição, onde apenas apareciam os nomes de parte dos dirigentes de topo,
embora alguns deles não correspondessem a quem estava em funções. Recentemente,
o site foi actualizado, mas continuam a não constar do mesmo os nomes dos
dirigentes intermédios. E, mesmo entre os directores e subdirectores, há muitos
que lá não estão, como os do Departamento de Jogos, da direcção de
aprovisionamento e da direcção dos assuntos jurídicos.
Em todo o caso, a
consulta do site e outros dados recolhidos indiciam que a situação se agravou
em relação ao mandato anterior, em que o provedor era o socialista Rui Cunha. Começando
pela mesa, além de Santana Lopes, dois dos seus vogais são membros importantes
do PSD: Helena Lopes da Costa, ex-deputada e ex-vereadora da Câmara de Lisboa,
quando Santana era presidente; e Paulo Calado, ex-vereador em Setúbal e sócio
da sociedade de advogados Global Lawyers, criada por Santana Lopes. No lugar de
vice-provedor está Paes Afonso, um destacado militante do CDS que já integrou
os seus órgãos nacionais. No tempo de Rui Cunha, para lá dele próprio, não
havia outros socialistas de relevo na cúpula da Misericórdia.
Por outro lado,
em lugares-chave encontram-se agora pessoas como Helena do Canto Lucas,
directora de Gestão Imobiliária, Irene Nunes Barata, directora de
Aprovisionamento, e Teresa Paradela, subdirectora do Património, todas muito
próximas do provedor. A primeira entrou como jurista para a EPUL no mandato de
Santana Lopes na Câmara de Lisboa e, em Setembro passado, integrou a lista do
PSD à Câmara da Figueira da Foz, da qual Santana foi presidente entre 1998 e
2002. É casada com um advogado que partilhou com ela e com Santana Lopes um
escritório em Lisboa, além de ser sócio deste na imobiliária Espaço Castilho. A
segunda foi directora do Departamento de Apoio à Presidência da Câmara de
Lisboa no mandato de Santana. A terceira, além de arquitecta do quadro da
câmara da capital, tem sido candidata a vários órgãos autárquicos em listas do
PSD.
Entre os nomes
conhecidos como próximos do provedor está também Lídio Lopes, antigo vice-presidente
da Câmara da Figueira e até há pouco líder histórico da concelhia local do PSD,
que ocupa as funções de subdirector do Departamento de Qualidade e Inovação. Em
postos chave aparece igualmente Anabela Sancho, directora operacional do
Departamento de Jogos, que é casada com o antigo ministro e dirigente do CDS
Telmo Correia. Também a mulher do deputado centrista João Gonçalves Pereira,
Joana Lacerda, desempenha funções na direcção de aprovisionamento. Ainda do
lado do CDS encontra-se o nome de João Duarte Gomes, presidente da concelhia de
Torres Vedras, que surge frequentemente como testemunha dos contratos
celebrados com fornecedores pela directora de aprovisionamento. Por outro lado,
na direcção do Gabinete de Auditoria Interna está Maria de São José Louro, uma
advogada muito ligada ao vice-provedor Paes Afonso, com o qual partilha as
quotas da empresa de consultoria Think Global.
Muito notada foi
também a entrada para a SCML de Eduarda Napoleão, uma antiga vereadora da
Câmara de Lisboa, que veio com Santana da Câmara da Figueira da Foz. Depois de
uma breve passagem pela instituição, entrou no Fundbox, uma sociedade gestora
de fundos imobiliários, onde é responsável pela reabilitação urbana e em cujo
capital a Misericórdia tem uma pequena participação. Entre outros, o Fundbox
gere o fundo Santa Casa 2004, onde está uma parte do património imobiliário da
instituição. Entre os administradores não executivos do Fundbox esteve, desde
2006 até Janeiro deste ano, Ricardo Amantes, um gestor que foi substituído no
lugar de director de gestão imobiliária e património por Helena do Canto Lucas.
Logo a seguir, assumiu as funções de director da Coporgest, uma imobiliária
participada pelo Grupo Espírito Santo, que tem o antigo líder do PSD Marques
Mendes como administrador, e que em 2012 fez uma importante permuta de
edifícios com a Santa Casa.
LPM e Cunha Vaz trabalham para a
Santa Casa
A SCML tem
contratos com as duas mais importantes empresas de comunicação do país: a LPM e
a Cunha Vaz & Associados, para além de possuir a sua própria direcção de
comunicação e marketing com vários assessores de comunicação. Com a LPM, a
instituição já celebrou desde o final de 2012 três contratos de assessoria de
comunicação, um dos quais ainda em vigor, no valor total de 252.000 euros
(cerca de 10.000 por mês). Justificação: ausência de recursos próprios. Um
desses contratos foi assinado em Novembro de 2012, por ajuste directo como os
outros, tem um valor de 126.000 euros e foi adjudicado ao abrigo de uma norma
legal que não permite ajustes directos superiores a 75.000 euros. No caso da
Cunha Vaz, foi outorgado, também por ajuste directo e por ausência de recursos
próprios, um contrato de 22.050 euros em Janeiro deste ano. O contrato refere
que o seu objecto principal consiste, entre outras coisas, em “elevar os níveis
de influência junto de um conjunto de jornalistas estratégicos para o
Departamento de Jogos (DJ)”; criar através de “uma relação de proximidade com
os órgãos de comunicação social (...) barreiras a cenários de crise”; e
“permitir notícias focadas nos interesses do DJ e da SCML”. Apesar de este
contrato se referir expressamente ao DJ, a Cunha Vaz trabalha directamente com
o provedor. Este conta também com a colaboração de Alexandre Guerra, um
assessor de imprensa que até há pouco estava no gabinete dos vereadores do PSD
na Câmara de Lisboa.
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