terça-feira, 5 de agosto de 2014

Bancos propõem financiar Fundo de Resolução em 635 milhões, reduzindo dinheiro do Estado no novo BES / Bancos não querem dar ao Novo Banco, querem emprestar./ (In)Tranquilidade. Regulador limita operações da seguradora com o Grupo Espírito Santo. /Um país onde não se regula bem Por Ana Sá Lopes.


Bancos propõem financiar Fundo de Resolução em 635 milhões, reduzindo dinheiro do Estado no novo BES
LUSA 05/08/2014 - 22:39
Banqueiros tentam mudar forma e valores como vão contribuir para a capitalização do Novo Banco.

Os bancos portugueses propuseram nesta terça-feira financiar em 635 milhões de euros o Fundo de Resolução para capitalizar o Novo Banco, o que permitirá reduzir o montante proveniente do dinheiro da troika para 3900 milhões de euros.

Segundo disse à Lusa fonte do sector financeiro, “os bancos admitem proceder a um financiamento no montante de 635 milhões de euros ao Fundo de Resolução” e já fizeram essa proposta àquela entidade, que é gerida pelo Banco de Portugal.

Isto, afirmou a mesma fonte, permitirá reduzir o “empréstimo sem risco de 4400 milhões de euros do Estado, proveniente do fundo de recapitalização, para 3900 milhões de euros”.

Com esta proposta, os bancos esperam que o Novo Banco tenha condições para ser alienado mais rapidamente e que “o Fundo de Resolução possa recuperar ao máximo o capital que entrou agora no novo banco”, disse a mesma fonte.

O Banco de Portugal tomou controlo do BES domingo passado e anunciou a separação da instituição num banco mau ('bad bank'), que concentra os activos e passivos tóxicos, e num 'banco bom', o chamado Novo Banco, que reúne os activos e passivos não problemáticos, como será o caso dos depósitos, e que receberá uma capitalização de 4900 milhões de euros do Fundo de Resolução bancário.

O Fundo de Resolução foi criado em 2012 para intervir financeiramente em bancos em dificuldades, aplicando as medidas determinadas pelo Banco de Portugal. O fundo é financiado pelas contribuições regulares dos mais de 80 bancos com actividade em Portugal e por contribuições extraordinárias em caso de crise num banco em particular.

No entanto, como este fundo é recente, ainda não está suficientemente dotado.

Assim, dos 4900 milhões de euros com que o fundo vai capitalizar o Novo Banco, a parcela mais significativa terá de vir do dinheiro da troika para o sector financeiro, através de um empréstimo com um juro que começa em 2,95%.

Inicialmente, estava previsto que do dinheiro da troika fossem colocados 4400 milhões de euros no fundo de resolução, que se juntariam aos 367 milhões de euros que o fundo já tem, a que seria acrescentada uma contribuição extraordinária dos bancos do sistema de 133 milhões de euros.

Se a proposta dos bancos for agora aceite pelo Banco de Portugal e pelo Governo, os bancos financiam o fundo de resolução com 635 milhões de euros, que se juntam aos 367 milhões de euros que já existem no fundo, perfazendo cerca de mil milhões de euros. Assim, o dinheiro do Estado que vai para o fundo reduz-se para 3900 milhões de euros.


Notícia actualizada às 22h39 Substitui primeira versão da notícia, com nova proposta apresentada pelos bancos

Bancos não querem dar ao Novo Banco, querem emprestar
Por Isabel Tavares
publicado em 6 Ago 2014 in (jornal) i online

Ainda há muito para digerir na solução encontrada pelo Banco de Portugal para salvar o BES. O i falou com alguns economistas e, como os activos, as opiniões também se dividem
Os bancos querem trocar a contribuição extraordinária para o fundo de resolução dos bancos por um empréstimo, uma solução em discussão com o Banco de Portugal e que está a ser analisada pelo Ministério das Finanças.

Mira Amaral, presidente do Banco BIC Português, disse ao i que esta poderia ser uma boa solução. "Pode fazer sentido, o Estado também não empresta a fundo perdido", afirmou.

O responsável lembra que não há doutrina nesta matéria, uma vez que "este é o primeiro exercício que é feito e vão surgir muitas dúvidas pelo caminho".

O que Mira Amaral sabe é que, se a operação de resgate correr mal, não quer nem perder o dinheiro, "nem ficar como accionista, sem qualquer poder de gestão, sem poder mandar".

De acordo com o plano traçado pelo Banco de Portugal, dos 4,9 mil milhões de euros para capitalizar o Novo Banco, 500 milhões de euros são do fundo de resolução, que tem uma parte já constituída (367 milhões), mas ao qual faltam perto de 133 milhões de euros, que virão de uma contribuição extraordinária paga pelos bancos. Que não querem arcar com o prejuízo.

E foi isto que os presidentes das principais instituições bancárias a operar em Portugal foram ontem dizer ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, naquela que foi a primeira reunião desde o anúncio do resgate.

O fundo de resolução foi criado em 2012 para intervir financeiramente em bancos em dificuldades, aplicando as medidas determinadas pelo Banco de Portugal. É financiado pelas contribuições regulares dos mais de 80 bancos com actividade em Portugal e por contribuições extraordinárias em caso de crise.

Em Junho do ano passado, em mais uma revisão do programa da troika, Bruxelas determinou que o fundo de resolução deveria atingir 2 mil milhões de euros em 10 anos.

A parcela mais significativa (4,4 mil milhões de euros) do resgate virá dos 12 mil milhões de euros reservados pela troika para capitalizar os bancos e dos quais ficaram por utilizar 6,4 mil milhões. Esse montante será emprestado a uma taxa de juro que começa em 2,95% e que aumenta a cada trimestre 0,05%.

Agora, os bancos também querem ser remunerados pelo dinheiro que vão ter de colocar no Novo Banco e é isso que está a ser discutido. Por exemplo, qual poderá ser a taxa de juro ou qual a maturidade do empréstimo.

A verdade é que a solução encontrada pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças apanhou a banca desprevenida e ninguém quer ser obrigado a pagar pelos erros dos outros.

O economista Eugénio Rosa lembrou ao i que o fundo de resolução não é dos bancos, é do Estado, à semelhança dos nossos impostos. E receia que a solução, "tal como está desenhada, não imuniza o contribuinte relativamente à comparticipação que poderá vir a ter no futuro". Leia-se, caso o Estado não recupere o dinheiro injectado para resgatar o BES.

Para este economista a situação não está clara e o Estado poderá ainda vir a arcar com outros custos, entre eles o dos processos abertos em tribunal (ver págs. 4 e 5). Por outro lado, "o falhanço torna-se mais grave porque já existia uma experiência negativa. O presidente da CMVM, Carlos Tavares, disse que se a PT não tinha conhecimento da situação devia ter. Pois eu digo o mesmo, se ele, Carlos Tavares, não tinha conhecimento da situação, devia ter".

A propósito de situações anteriores, o ex-ministro das Finanças, Eduardo Catroga, lembrou que no caso do BPP admitiam-se perdas totais e recuperou-se 60%. "Os portugueses estavam habituados às intervenções do tempo de Sócrates, que nacionalizava o mau e deixava de fora o bom, com custos que os portugueses tiveram de suportar. Agora, não havendo solução boa, esta era a melhor".

ESPANHÓIS
O Santander, o BBVA e o Sabadell são alguns dos bancos espanhóis que estão a avaliar a possibilidade de comprar o Novo Banco, aquele que reúne os activos bons do BES. A informação é avançada pelo espanhol "El Confidencial" e não é a primeira vez que se fala nisso.

"Alguns dos principais bancos espanhóis estão a estudar a possibilidade de puxar pelo 'banco bom' do Banco Espírito Santo (BES)", refere o jornal espanhol, que cita fonte próximas da operação.

"O mais interessado é o Santander, que já tem equipas a estudar a instituição portuguesa, apesar de o BBVA e do Sabadell também estarem a avaliar a possibilidade de participar neste processo" de aquisição do Novo Banco.

O governador do Banco de Portugal tinha confirmado, na última audição na comissão de Orçamento e Finanças, na Assembleia da República, a existência de privados interessados em entrar no capital do banco, entre eles espanhóis e brasileiros, mas isto antes de se saber do rombo de quase 3,6 mil milhões de euros de prejuízos.



(In)Tranquilidade. Regulador limita operações da seguradora com o Grupo Espírito Santo
Por Ana Suspiro
publicado em 6 Ago 2014 in (jornal) i online
Seguradora do GES entregou ao regulador plano para repor situação financeira e provisões técnicas

O Instituto de Seguros de Portugal (ISP) determinou que todas as operações da seguradora Tranquilidade com o Grupo Espírito Santo (GES) e outras sociedades relacionadas ficam sujeitas à aprovação prévia do regulador dos seguros. A deliberação do conselho directivo do regulador foi aprovada no dia 18 de Julho, mas só foi divulgada a 1 de Agosto, quando as acções do Banco Espírito Santo (BES) foram suspensas, antes do resgate decidido no fim-de-semana.

Esta deliberação surge num contexto de notícias que envolviam a utilização da Tranquilidade para financiar empresas do GES.

Apesar de usar a rede do banco para colocar os seus produtos, actividade que ficou do lado do Novo Banco (o banco bom) o accionista da Tranquilidade é a Espírito Santo Financial Group (ESFG) que detinha a seguradora através da Partran. A holding financeira do GES e várias subsidiárias estão em processo de protecção de credores ou pedido de insolvência no caso da Espírito Santo Financial Portugal.

O conselho directivo do ISP revela também que aprovou o plano de financiamento proposto pela Tranquilidade, liderada por Rui Leão Martinho, e que passa pela alienação da seguradora, processo que já estava decidido. O plano foi apresentado ao abrigo dos artigos 110 e 111 do decreto-lei 94 B/98, que regula as condições de acesso à actividade seguradora. Estes artigos dão poderes ao ISP para exigir a apresentação de um plano de financiamento a curto prazo quando "as provisões técnicas não se encontram total ou correctamente representadas". A exigência do supervisor é também justificada pelo artigo 111 da lei, o qual prevê que em caso de "insuficiência, mesmo circunstancial ou previsivelmente temporária da margem de solvência de uma empresa" a seguradora deve apresentar, dentro de um prazo fixado, um plano de recuperação "com vista ao restabelecimento da sua situação financeira".

O i enviou um conjunto de questões ao ISP sobre a execução destas medidas e eventuais alterações com o resgate ao BES, mas não obteve resposta até ao fecho da edição. O regulador dos seguros determinou ainda regras específicas de reporte para a Tranquilidade durante o exercício de 2014

Segundo o comunicado sobre os resultados semestrais do BES, a exposição do banco à Tranquilidade ascendia a 214 milhões de euros no final de Junho.


A seguradora foi dada como colateral pela accionista comum, a Espírito Santo Financial Group, da provisão de 700 milhões de euros constituída pela holding financeira do GES para assegurar o reembolso dos clientes de retalho do BES que compraram dívida de empresas do GES. Mas a entrada em gestão controlada da ESFG, com pedido de protecção de credores, levou à suspensão desse crédito, tendo apenas sido utilizados 48,5 milhões de euros.


Um país onde não se regula bem
Por Ana Sá Lopes
publicado em 6 Ago 2014
Se o Estado não quer regular o sistema financeiro, a culpa não é do banco
Reler o prospecto do último aumento de capital do BES à luz dos últimos acontecimentos é um exercício de choque e pavor, agravado evidentemente para todos os que decidiram investir e hoje estão remetidos ao “banco mau”.

A operação teve o aval da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários mas, ainda que a CMVM seja obrigada a aprovar o prospecto – “verificar a sua conformidade com as exigências de completude, veracidade [...] e licitude da informação”, segundo o n.o 5 do art.o 118.o do Código de Valores Mobiliários, isso não significa que seja responsável pelas mesmas coisas logo dois artigos depois. Ora veja-se o n.o 7 do art. 118.o, que estabelece que “a aprovação do prospecto não envolve “qualquer garantia quanto ao conteúdo da informação, à situação económica ou financeira do oferente [...] à viabilidade da oferta ou à qualidade dos valores mobiliários”. Assim, a CMVM garantiu a “veracidade” e a “licitude da informação”, mas não tem de dar qualquer garantia do “conteúdo da informação” e pelos vistos muito menos relativamente da “qualidade dos valores mobiliários”. Isto é o que está na lei. A aprovação da CMVM é igual ao litro e Carlos Tavares pode lavar as suas mãos, porque ninguém neste país regula lá muito bem. Foi com a total impunidade que o BES foi vendido àqueles que seriam os seus últimos “bons” accionistas como o banco exemplar da economia portuguesa nas barbas da CMVM e do Banco de Portugal que neste processo estão a fazer de anjinhos.

Mais grave: na tentativa de salvar a pele, Carlos Costa veio informar os portugueses que tinha detectado fraudes no BES em Setembro de 2013. Vai fazer um ano. Se assim foi, Carlos Costa tem de explicar aos portugueses o que andou a fazer este tempo todo. Aparentemente não andou a regular bem.
Os pequenos accionistas que foram ao aumento de capital e agora ficam arrasados no “banco mau” também são contribuintes e confiaram na palavra dos reguladores, que sempre apresentaram o banco como o divino Espírito Santo. A catástrofe Espírito Santo é um caso de polícia, naturalmente, cheio de lições sobre a ganância financeira, a irresponsabilidade da banca, a inacreditável relação de abuso e confiança com o poder político e com empresas amigas. Mas é mais uma vez a prova de que em Portugal não se regula bem. E se o sistema financeiro não consegue regular bem, o problema não está nos banqueiros – é um problema de exclusiva responsabilidade política.

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