terça-feira, 5 de agosto de 2014

Futuro da Misericórdia de Lisboa pode estar em causa, dizem auditores, por JOSÉ ANTÓNIO CEREJO

( ...) “O documento conclui afirmando que “a existência de resultados operacionais negativos, se não for transitória, pode vir a comprometer a sua sustentabilidade futura”.

As avaliações feitas pelo conselho de auditoria, órgão estatutário ao qual compete “fiscalizar a gestão” da SCML, era matéria reservada até ao fim da semana passada. Tal facto, apesar de pouco compaginável com a “utilidade pública administrativa” e a tutela governamental que a lei atribui à Misericórdia de Lisboa, explica-se à luz do mesmo tipo de ambiguidade que faz com que o Tribunal de Contas e a Inspecção-Geral da Segurança Social nunca a tenham auditado.

À imagem do que sucede há muitos anos, o parecer dos auditores não foi divulgado com o relatório de 2013, o qual foi colocado no site da instituição no dia 17 de Julho, após vários pedidos do PÚBLICO. Formalmente requerido a Santana Lopes no dia seguinte, o acesso ao documento foi recusado. “Como entidade privada que é, a SCML não está sujeita à Lei de Acesso aos Documentos Administrativos”, foi a resposta.

Face a um novo requerimento em que se demonstrava a sujeição da Misericórdia àquela lei, o PÚBLICO foi informado de que os pareceres iam ser divulgados gradualmente no início da semana passada, a começar pelo de 2008, e que no fim da semana já estaria no site o de 2013.

Na quinta-feira, dia em que foi divulgado o parecer de 2011, o gabinete do primeiro-ministro anunciou que Passos Coelho convidara Santana Lopes para um segundo mandato, “considerando o muito relevante trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”. O parecer dos auditores relativo a 2013 foi finalmente revelado no dia seguinte.”

(...)O PÚBLICO pediu a Santana Lopes vários esclarecimentos sobre estes e outros temas, mas a única resposta que obteve foi a seguinte: “A SCML tem uma história de 516 anos de respeito pela lei e pela moral. Publica as suas contas, que são escrutinadas e aprovadas pela tutela. É uma pessoa colectiva de direito privado e actua como tal, incluindo na reserva à exposição pública de matérias sobre a qual é interrogada e que parecem insinuar factos e conclusões que não correspondem sequer remotamente à realidade.”
José António Cerejo

Futuro da Misericórdia de Lisboa pode estar em causa, dizem auditores
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 05/08/2014 - PÚBLICO
Pareceres que a instituição nunca tinha divulgado mostram preocupação com a evolução dos resultados e com a dimensão do recurso aos ajustes directos com consulta a um único fornecedor.

Pelo quinto ano consecutivo, o conselho de auditoria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) mostra-se preocupado com a sustentabilidade da instituição. Desta vez, porém, os auditores vão mais longe do que nunca e dizem que a sua “sustentabilidade futura” pode estar em causa.

A única maneira de evitar este cenário, lê-se no parecer do conselho de auditoria sobre as contas de 2013, consiste na adopção de medidas que “invertam a evolução ocorrida e que promovam o controlo da expansão da oferta dos serviços que a SCML proporciona”.

No parecer relativo às contas de 2008, os auditores limitam-se a recomendar que a expansão da oferta de serviços de acção social seja “planeada dentro dos limites da sua sustentabilidade futura”. Desde então, o alerta tem vindo a transformar-se em preocupação crescente, à medida que a tendência para o agravamento dos resultados operacionais da instituição se acentua.

Em 2012, apesar do regresso aos números positivos com um resultado de 1,6 milhões, o parecer nota que essa evolução “não dispensa” a “premência da adopção de medidas que consolidem essa evolução”. Finalmente, as contas do ano passado, divulgadas há duas semanas no site da Misericórdia com um resultado operacional negativo de 8,7 milhões, devido em grande parte a um aumento de 10 milhões nos custos de pessoal, mereceram um claro cartão amarelo do conselho de auditoria.

“A obtenção de resultados operacionais negativos (...) impõe ao conselho de auditoria o dever de alertar a mesa [administração da SCML, presidida pelo provedor Pedro Santana Lopes desde Setembro de 2011] para a premência da adopção das medidas que invertam a evolução ocorrida e que promovam o controlo da expansão da oferta de serviços que a SCML proporciona” — lê-se no parecer assinado por José Henrique Polaco, director da Inspecção-Geral de Finanças, nomeado presidente do conselho pelo Ministério das Finanças, e por Joaquim da Silva Neves, revisor oficial de contas.

O documento conclui afirmando que “a existência de resultados operacionais negativos, se não for transitória, pode vir a comprometer a sua sustentabilidade futura”.

As avaliações feitas pelo conselho de auditoria, órgão estatutário ao qual compete “fiscalizar a gestão” da SCML, era matéria reservada até ao fim da semana passada. Tal facto, apesar de pouco compaginável com a “utilidade pública administrativa” e a tutela governamental que a lei atribui à Misericórdia de Lisboa, explica-se à luz do mesmo tipo de ambiguidade que faz com que o Tribunal de Contas e a Inspecção-Geral da Segurança Social nunca a tenham auditado.

À imagem do que sucede há muitos anos, o parecer dos auditores não foi divulgado com o relatório de 2013, o qual foi colocado no site da instituição no dia 17 de Julho, após vários pedidos do PÚBLICO. Formalmente requerido a Santana Lopes no dia seguinte, o acesso ao documento foi recusado. “Como entidade privada que é, a SCML não está sujeita à Lei de Acesso aos Documentos Administrativos”, foi a resposta.

Face a um novo requerimento em que se demonstrava a sujeição da Misericórdia àquela lei, o PÚBLICO foi informado de que os pareceres iam ser divulgados gradualmente no início da semana passada, a começar pelo de 2008, e que no fim da semana já estaria no site o de 2013.

Na quinta-feira, dia em que foi divulgado o parecer de 2011, o gabinete do primeiro-ministro anunciou que Passos Coelho convidara Santana Lopes para um segundo mandato, “considerando o muito relevante trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”. O parecer dos auditores relativo a 2013 foi finalmente revelado no dia seguinte.

Além da preocupação com a sustentabilidade da instituição, o texto enfatiza o crescimento do número de funcionários e “o peso relevante dos ajustes directos no total das contratações realizadas” — sendo que mais de 60% deles foram feitos com consulta a um único fornecedor.

Em matéria de pessoal, refere-se que no último ano os efectivos passaram de 4832 para 4988 (mais 3,2%). Este aumento de 156 trabalhadores é justificado sobretudo com a abertura de um novo piso na Unidade de Saúde Maria José Nogueira Pinto (mais 28 efectivos) e com o reforço do pessoal na área do apoio social (mais 36). No entanto, o relatório mostra que o maior aumento se verificou no Departamento de Gestão Imobiliário, onde o número de funcionários mais do que triplicou com a entrada de 65 pessoas (passou de 32 para 97). Também no Departamento de Jogos, os efectivos registaram um aumento de 23, de 278 para 301. Sublinhado pelos auditores é também o facto de entre os novos contratados estarem 52 técnicos superiores e 43 dirigentes.

Ajustes directos
Quanto à aquisição de bens e serviços e de empreitadas, o parecer sugere a adopção de um modelo de contratação que garanta uma diminuição do recurso ao “ajuste directo com consulta a uma única entidade (...) como forma de assegurar, tendencialmente, uma maior transparência/concorrência, um aumento da qualidade das propostas e a redução dos gastos para a SCML”.

De acordo com os dados fornecidos aos auditores pela direcção de aprovisionamento — dados esses que não constam do relatório e contas —, em 2013 foram celebrados 439 contratos no valor de 101 milhões de euros, dos quais 112, num total de 22,2 milhões, estão excluídos pela sua natureza das regras da contratação pública e sobre os quais nada é dito. Dos 302 sujeitos ao Código dos Contratos Públicos — cuja publicitação é obrigatória no portal dos contratos públicos embora só lá estejam 283 —, 252 (83%) foram ajustes directos (26 milhões de euros, equivalentes  a 33% do total) e os restantes resultaram de diferentes tipos de concurso (53 milhões).

O parecer salienta que 149 dos 252 ajustes directos (59%) foram contratados com consulta a apenas uma entidade, sendo assim adjudicados 21,4 milhões de euros (82% do valor total dos ajustes directos).

Os dados do portal Base mostram que, desde o início do mandato da actual gestão até ao dia 1 do mês passado, foram publicitados 598 contratos, 543 dos quais (91%) são ajustes directos, com um valor correspondente a 41% do total. Os números do triénio anterior, embora parcelares devido ao facto de muitos dos contratos não serem então publicitados, indiciam que a situação não era, nesse período, muito diferente quanto à relação entre ajustes directos e concursos.


O PÚBLICO pediu a Santana Lopes vários esclarecimentos sobre estes e outros temas, mas a única resposta que obteve foi a seguinte: “A SCML tem uma história de 516 anos de respeito pela lei e pela moral. Publica as suas contas, que são escrutinadas e aprovadas pela tutela. É uma pessoa colectiva de direito privado e actua como tal, incluindo na reserva à exposição pública de matérias sobre a qual é interrogada e que parecem insinuar factos e conclusões que não correspondem sequer remotamente à realidade.”

Feira de Natal da Misericórdia custou 588 mil euros só em oito ajustes directos
Um caso típico dos ajustes directos com consulta a uma única entidade feitos pela Misericórdia de Lisboa é o da Feira de Natal promovida em Dezembro passado pelo Departamento de Jogos em frente à sede da instituição. Não se trata de uma situação ilegal, mas o conselho de auditoria da SCML recomenda uma redução do recurso a este tipo de contratos, por forma a aumentar a transparência e reduzir os custos.

José António Cerejo / 5-8-2014  / PÚBLICO

Realizada para promover a Lotaria de Natal, com base num projecto da Havas, uma das agências de publicidade que trabalham com a instituição, a feira tinha 32 quiosques cedidos a comerciantes da zona, para venda de presentes com um preço máximo de 15 euros, e incluía um programa com espectáculos diários. Para pôr de pé a iniciativa, que decorreu de 14 a 24 de Dezembro, a SCML contratou oito empresas, às quais adjudicou os fornecimentos por um total de 588.000 euros mais IVA. Além desse valor, foi ainda gasto um montante não apurado pelo PÚBLICO com a contratação de artistas e o pagamento do serviço da agencia de publicidade.
A primeira coisa que chama a atenção neste processo é o facto de sete dos ajustes directos celebrados com outras tantas empresas terem valores a rondar os 75.000 euros, que é o máximo permitido por lei para a realização deste tipo de contratos, sem concurso. Seis têm um preço superior a 74.000 euros, um ficou por 73.660 e o oitavo custou 68.900. A justificação dada para todos eles foi “a proximidade do evento e a urgência” da contratação, que só foi lançada no fim de Novembro.
Depois, verifica-se que todos os oito convidados a propor os seus serviços, que iam da limpeza e da instalação de equipamentos audiovisuais ao fornecimento dos quiosques, pediram exactamente o valor que a Santa Casa dizia, nos convites, estar “disposta a pagar”. Esse valor era tão preciso, que ia até às unidades. Por exemplo: 74.605 euros.
A acompanhar os convites seguia um caderno de encargos tipo, em cujas cláusulas técnicas surgia uma descrição sumária dos bens e serviços a adquirir, sem uma verdadeira especificação de quantidades e preços unitários, ou parcelares. Foi com base nessas cláusulas que as empresas contactadas propuseram os seus preços, naturalmente coincidentes com o máximo que a SCML dizia estar disposta a pagar.
Questionados sobre a forma como foram determinados estes valores globais, os responsáveis do Departamento de Jogos disseram ao PÚBLICO que eles foram decididos “mediante proposta dos respectivos serviços, tendo por base as necessidades da adjudicante [SCML]”. Para lá chegar, os serviços procederam, diz a instituição, à “descrição suficientemente detalhada dos bens e serviços a contratar, incluindo as quantidades pretendidas, dimensões, duração temporal, entre outros”.

Na sua resposta, o Departamento de Jogos refere ainda que a definição do preço-base resultou também “do orçamento disponível”, atendendo igualmente “à experiência da SCML na realização deste tipo de eventos, bem como à da agência criativa que apresentou a concepção da campanha”. Por outro lado, acrescenta, “foram feitas consultas informais ao mercado para determinar uma estimativa de custo” do evento.

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