terça-feira, 5 de agosto de 2014

BES. "O que será do dinheiro do trabalho de uma vida?"

BES. "O que será do dinheiro do trabalho de uma vida?"
Por Isabel Tavares
publicado em 5 Ago 2014 in (jornal) i online

As pessoas perderam a confiança. No BES, nos reguladores, no governo, nas instituições. E isso será mais difícil de recuperar que o Novo Banco
Alguns têm no banco mil euros ou menos. Outros têm centenas de milhares. Muito ou pouco, o que está em jogo é para cada um destes clientes o "dinheiro de uma vida".

Às 8h30 da manhã é possível ver várias pessoas à porta de diversas agências do BES, em Lisboa. A pergunta que todos fazem é a mesma: se o seu dinheiro está seguro, se está lá. E se lá é o banco bom, o tal Novo Banco de que ouviram o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, falar na televisão. Ou se é o banco mau, aquele que vai ficar com os activos tóxicos.

Ninguém sabe muito bem o que é tóxico, o que é dos índios e o que é dos cowboys. E ninguém nos explica. "Parece que há muita informação mas não há informação nenhuma", queixam-se.

A esta hora, as pessoas que o i encontra são sobretudo pessoas de idade. Velhinhos que desesperam. Alguns querem ver para crer, como São Tomé, e um empregado do BES não se livra de uma bengaladas.

Os trabalhadores do BES também estão a sofrer. E também procuram respostas. Ontem de manhã, nos seus computadores, tinham instruções sobre como receber os clientes, o que lhes dizer, consoante a situação, como explicar que todos os 631 balcões que o BES tem espalhados pelo país são banco bom. Mas ninguém os preparou para isto.

"Mas se este é banco bom, onde está o dinheiro que investi na Tranquilidade?", pergunta Francisco, 82 anos, nome falso mas aplicação bem real, enquanto a mulher espera, nervosa, no carro. Quando vem ter connosco bem lhe notamos a inquietude, que tenta disfarçar: "são 20 mil euros de muito esforço", diz.

Este casal nunca gostou de avarias e aplicações financeiras, mas a confiança nas pessoas da agência que dão a cara pelo banco fê-los acreditar que investir na seguradora do grupo Espírito Santo era uma coisa boa. Foi há três anos e estava a correr bem. Até aqui. E agora, perderam o dinheiro? Ainda não é hoje que vão ficar a saber. Os empregados de balcão também não têm resposta.

Entre Lisboa e a Linha do Estoril as histórias multiplicam-se. Os casos mais graves não se deixam fotografar, têm vergonha de ter acreditado, de se ter deixado "levar na conversa". Alguns não conseguem evitar as lágrimas, não ao pé dos jornalistas, mas no café mais próximo, uma espécie de confessionário.

Um canalizador comprou 42 mil euros em acções do BES há quinze dias, persuadido pelos empregados do banco de que agora, com Vítor Bento e a nova gestão, não havia nada a temer e as acções estavam ao preço da chuva. Melhor era impossível. Parecia.

Situações como esta, ou semelhantes, replicam-se um pouco por todo o lado, sobretudo em pequenas freguesias, vilas onde por vezes existe apenas um banco e onde clientes e empregados de balcão criam laços tão próximos que acabam a frequentar estabelecimentos comerciais, casas e casamentos.

Alguns empregados, muitos empregados, também se sentem traídos. Talvez soubessem que estavam a vender gato por lebre, ou talvez não. A dúvida está instalada. "Vou começar a emprestar dinheiro e ali o balcão do BES vai começar a vender bicas, pelos vistos é o que está a dar", diz Jorge Salvador, um dos co-proprietários de um café que fica no lado oposto da agência do Banco Espírito Santos, em Caxias.

E foi isto que se quebrou: a confiança. Mesmo quem não está preocupado com o que aí vem, deixou de acreditar. Mas não deixou de acreditar só no BES, só em Ricardo Salgado ou em meia dúzia de gestores. Deixou de acreditar no sistema. "Mudar de banco? Mudar para quê, para onde? Então não viu aquele senhor que tirou tudo o que tinha do BPN para pôr no BES?!", pergunta Maria Teresa Vasconcelos.

Não está preocupada com o seu dinheiro, que é pouco. Apesar do "apelido de rica, mas que se escreve só com um 'l'", brinca. No BES tem a reforma que lhe ficou do tempo em que trabalhava na Papelaria Fernandes, há mais de 30 anos, e do acordo feito entre aquela empresa e o banco.

Ninguém, nenhum dos entrevistados do i, acredita por um segundo que seja que o Banco de Portugal, a CMVM ou até o governo não soubessem o que se estava a passar. Se não o tempo todo, pelo menos há muito tempo. Porque não agiram então?

Dos 35 932 milhões de euros em depósitos que o BES tinha no final do primeiro semestre - menos 5,2% do que nos seis primeiros meses de 2013 (só entre Abril e Junho deste ano os depositantes levantaram 310 milhões de euros) -, muitos são de pequenos comerciantes, empresários em nome individual. Falámos com alguns.

Olívia Serra Lopes tem uma papelaria. Não está nada preocupada. Acredita que, mais tarde ou mais cedo, o banco lhe passará a cobrar comissões sobre os extractos de conta, por exemplo, e outras a que até aqui tem sido poupada. De resto, não será muito afectada. "É a vantagem de não ter muito dinheiro", diz. Mas fica indignada quando pensa que se fosse com ela "já tinham vindo buscar tudo" o que tem.

A impunidade é um sentimento que pode trazer muitos outros atrás de si. Quase todos maus.

Feliciano Alberto Graciano é ex-piloto da TAP. Já não quer saber, só quer que o deixem em paz. Como é possível? Não tem filhos, não tem netos, não lhe custa ver o país ir por água abaixo? "Custa, claro." Mas aos 72 anos já não tem ilusões.

Reformou-se aos 60, com uma reforma de 5500 euros, era Leonor Beleza secretária de Estado da Segurança Social. Hoje, recebe 3800 euros. "Vivo bem", garante. Mas "o compromisso não era este e era até ao fim da minha vida. Este governo vive à custa dos reformados. Preferia que me tirassem esse dinheiro e me dissessem para o entregar directamente a uma família que tem três ou quatro filhos e não tem como se sustentar".


Não foi ao BES para levantar o seu dinheiro. Foi ao balcão para transferir para a conta à ordem uma aplicação de algumas dezenas de milhares de euros que venceu a 1 de Agosto. Só para ficar com todas as opções em aberto. Se quiser sair.

“Isto é tudo uma grande baralhada e ninguém diz porque é que ficou tudo mal. Sérios somos nós, que demos nome ao banco. Há 15 dias estava tudo bem, hoje saem de lá clientes a chorar. Como é que não sabiam?”
Ana Sofia Almeida
Comerciante

“O que será do trabalho de uma vida? Há uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. Se a justiça fosse célere e justa era preciso pensar duas vezes. Nós escondemos a cara do criminoso e mostramos a cara da vítima”
Jorge Salvador
proprietário de café

“Não vou ser afectada, é a vantagem de não ter muito dinheiro. O que penso é que se fosse eu vinham buscar tudo o que tenho. Eles andam aí na boa, que nós estamos cá para pagar”
Olívia Serra Lopes
Dona de papelaria

“A nossa supervisão estava toda comprometida com o BES.Não acredito que alguém vá ser punido. O BES começou a ter problemas graves quando começou a meter dinheiro em Angola e Ricardo Salgado recebeu à la poche”
Feliciano Alberto Graciano
ex-piloto da tap

“Culpo a gestão do banco mas também o Banco de Portugal. E o que está a saber-se em relação à KPMG mostra que a informação das agências não é credível e muitas vezes é paga. Hoje todas as instituições estão sob suspeita”
Nuno Ferreira
restauração

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