OPINIÃO
O Novo Banco e uma nova política
JOÃO MIGUEL TAVARES 05/08/2014 / PÚBLICO
Sem uma nova política jamais teria sido possível um Novo Banco – e isso
deve ser sublinhado.
Seria muito fácil
estar aqui a fazer a lista de todas as coisas que podem correr mal, ou que
simplesmente não estão bem explicadas, na solução encontrada pelo Banco de
Portugal e pelo Governo para o descalabro do BES. Também não seria difícil
apontar contradições nos discursos de Carlos Costa e Passos Coelho. Mas, muito
de vez em quando, convém pôr em suspensão o modo-trauliteiro com que
habitualmente nos dirigimos a quem manda em nós, olhar bem para o contexto, e
reconhecer o esforço feito para encontrar uma saída justa e decente para a
injusta e indecente gestão do Banco Espírito Santo.
Isto não é, de
todo, habitual. A política e a economia não são actividades de meninos de coro,
e num país tão pequeno e informal como o nosso os interesses corporativos têm
uma força desmesurada. E é precisamente por ser tão pouco habitual que deve ser
celebrado – este fim-de-semana houve muita gente, do Banco de Portugal ao
Governo, passando pela própria Presidência da República, que esteve empenhada
em defender o interesse nacional, e que quando foi obrigada a escolher entre
contribuintes e accionistas, optou por proteger os contribuintes e deixar cair
os accionistas. Parece evidente, não é? Só que ninguém antes o tinha feito. Há
um ou dois anos, o BES teria sido considerado too big to fail.
Perante isto,
reagir à solução encontrada por Carlos Costa, Vítor Bento e governo com o velho
encolher de ombros é apenas uma forma cínica de igualar tudo, como se entre BPN
e BES não existissem diferenças radicais. Convém tirar a rezinga do
piloto-automático. A solução encontrada para o caso BES foi o anti-BPN – antes,
o que era bom (a SLN) permaneceu escandalosamente nas mãos dos accionistas,
enquanto o que era mau (o BPN) ficou nas mãos dos contribuintes; agora, o que é
bom fica nas mãos dos contribuintes (o Novo Banco), enquanto o que é mau (o
lixo do BES) fica nas mãos dos accionistas. Esta solução, para os pequenos
accionistas e para alguns credores, poderá até ser injusta – mas, por uma vez,
ninguém poderá acusar o Estado de estar a manobrar para proteger os
“poderosos”. Mesmo que a venda do Novo Banco fique aquém dos 4,9 mil milhões
agora injectados, é o sistema financeiro português que terá de assumir a
diferença. O Zé Povinho fica de fora.
Claro que ainda
falta um segundo momento em todo este processo – aquele em que os
administradores do BES serão punidos pela justiça. As acusações de Carlos Costa
foram de tal forma explícitas que ninguém pode acreditar que um buraco de cinco
mil milhões de euros se cavou sozinho. O povo precisa desesperadamente de ver
certos frequentadores da Comporta atrás das grades: nós não podemos continuar a
viver num país em que o Sr. Santos vai preso porque roubou 100 mil euros com
uma pistola, enquanto o Dr. Espírito Santo é convidado a demitir-se porque fez
desaparecer 100 milhões de euros com uma caneta.
Mas se há muito
por fazer, muito por julgar, e muita coisa para correr mal, a verdade é que nos
últimos dias as instituições portuguesas e europeias enfrentaram
competentemente uma situação dificílima. Quando até o PS reconhece isso, é
porque estamos perante o óbvio ululante. Mais: se o governo vier a conseguir
vender o Novo Banco até ao fim do ano, chutando-o para fora das contas do
défice, então este será, após o “irrevogável”, o segundo coelho consecutivo que
Passos tira da cartola. O Verão faz-lhe bem.
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