OPINIÃO
Colégio dos Meninos Órfãos
ameaçado por fecho de esquadra?
HEITOR BAPTISTA PATO - 06/08/2014 - PÚBLICO
Os silhares conseguiram até hoje ficar largamente imunes a barbaridades,
selvajarias e roubos, para o que terá largamente contribuído a proximidade
profiláctica e dissuasora da esquadra da PSP.
Passados 465 anos
sobre a sua refundação pela rainha D. Catarina, mulher de D. João III, o
Colégio dos Meninos Órfãos da Mouraria/Edifício Amparo poderá estar hoje a
defrontar uma das maiores ameaças registadas na sua história.
O fecho anunciado
da 6.ª Esquadra da Polícia de Segurança Pública – situada na Rua da Mouraria e
instalada no rés-do-chão do histórico edifício, a ser proximamente transferida
para a Rua da Palma – veio chamar mais uma vez a atenção para as preocupantes
condições de insegurança e vulnerabilidade de uma das obras-primas do
património azulejar da cidade, integrando 41 painéis setecentistas com cenas do
Antigo e do Novo Testamentos atribuídos ao pintor lisboeta Domingos de Almeida
e datáveis de 1761.
Apesar da
importância histórica do edifício distribuído por vários corpos e pátios e do
seu inestimável recheio decorativo, que justificaram a respectiva classificação
como Imóvel de Interesse Público em 1986, não existe no próprio local uma sinalização
identificadora, por mais simples que seja; apenas uma “coluna informativa”
colocada nas proximidades chama, de modo insuficientemente telegráfico, a
atenção de munícipes e visitantes, quer portugueses quer estrangeiros.
Os silhares
conseguiram até hoje ficar largamente imunes a barbaridades, selvajarias e
roubos, para o que terá largamente contribuído a proximidade profiláctica e
dissuasora da esquadra da PSP. O seu encerramento poderá implicar, se não for
acompanhado ou contrabalançado por medidas adequadas, o muito provável ataque
aos preciosos painéis: o edifício não apresenta quaisquer condições de
segurança patrimonial, sendo a entrada e permanência prolongada no seu interior
quase inteiramente livres e sem guardaria, e o fecho diário das instituições
que o ocupam e que de algum modo o protegem – nomeadamente a Fundação Inatel,
um centro de idosos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e um posto de
atendimento da extinta Junta de Freguesia do Socorro – deixa-o completamente
desprotegido durante a noite.
Ignoro o destino
previsto, se porventura o foi, para as futuramente desactivadas instalações da
PSP. Mas talvez seja esta a altura ideal para se repensar o conjunto
patrimonial e artístico do Colégio dos Meninos Orfãos e dignificar a sua presença
cultural, histórica e turística naquela zona da cidade. A sua incontornável
relevância, reconhecida no próprio regime de protecção legal que lhe foi
atribuído pelo Estado, justificaria plenamente a instalação na antiga esquadra
de um centro interpretativo do monumento e de toda a respectiva zona de
implantação, aliado desejavelmente a um posto de informação turística. Este
núcleo museológico, a integrar eventualmente na rede polinucleada do Museu de
Lisboa (responsável pelo projecto expositivo), poderia servir de âncora aos
itinerários históricos estabelecidos desde Março de 2014 pelo GABIP Mouraria,
gabinete técnico coordenador das recentes intervenções municipais de
reabilitação do bairro, e utilizados, designadamente, nas visitas guiadas
promovidas pela Associação Renovar a Mouraria.
A colaboração
íntima entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a Fundação Inatel
(ocupantes do edifício, contribuindo com o seu apoio financeiro), a Junta de
Freguesia de Santa Maria Maior e a Câmara Municipal de Lisboa (suas protectoras
e guardiãs), para além da Associação Renovar a Mouraria (que não negará
disponibilidade e generosidade) e da própria Polícia de Segurança Pública (na
esperança de que nunca seja necessário recorrer aos préstimos do SOS Azulejo da
Polícia Judiciária...), permitirá certamente chegar-se a uma plataforma comum
de defesa, salvaguarda e revitalização deste conjunto monumental,
transformando-o em mais um pólo dinamizador da Mouraria.
Uma certeza
tenho: a extraordinária banda desenhada azulejar que se esconde em meio recato
no Colégio dos Meninos Órfãos merece e exige melhor sorte. Oxalá – palavra
muito portuguesa e cuja origem árabe me parece aqui particularmente indicada –
os actuais fados não lha neguem.
Grupo Amigos de Lisboa
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