quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Da “airbnbização” de "Todo" o Portugal OVOODOCORVO / O Airbnb paga-lhes as contas / P3



O Airbnb paga-lhes as contas
A rede global de arrendamento comunitário que democratizou a oferta e procura de casas para arrendar nas férias tem cada vez mais utilizadores em Portugal — e há quem pague as contas com o negócio feito no Airbnb. O P3 falou com três jovens que vivem desta "economia de partilha"
Texto de Ana Maria Henriques • 05/08/2014 – P3 PÚBLICO

A solução para um quarto extra lá em casa não precisa de passar por um escritório ou por uma cama quase sempre vazia, à espera de visitas raras de amigos e familiares. E casas fechadas durante períodos de férias ou temporadas no estrangeiro não têm, necessariamente, de significar prejuízo. Plataformas como o Airbnb permitem a qualquer pessoa arrendar quarto ou casa sem qualquer intermediário, gerindo preferências e públicos. O conceito não é novo, é certo, mas o Airbnb democratizou o processo, agora mais rápido e simples — basta ter acesso à Internet.

Dizer que há cada vez mais portugueses a arrendarem quartos ou casas através do Airbnb pode parecer uma generalização, mas os números confirmam mesmo a tendência. Segundo Paula Kadelski, do departamento de comunicação da empresa, listados em Portugal, em Julho passado, estavam mais de 15.700 imóveis — o que corresponde a um crescimento de 85% face ao mesmo mês de 2013.

João Pinto, Rita Cardoso e o casal João Sousa e Ana Santos fazem parte da comunidade portuguesa do Airbnb. Não arrendam castelos ou iglôs, mas os apartamentos que os dois primeiros gerem e o quarto da casa dos dois últimos são uma fonte de receitas. Há, como defendeu Thomas L. Friedman num artigo do “The New York Times”, “um estalajadeiro em cada um de nós”.

Em 2013, a “The Economist” chamou ao Airbnb “o mais proeminente exemplo de uma gigante e nova ‘economia de partilha’, na qual as pessoas alugam camas, carros, barcos e outros bens directamente umas às outras, coordenando tudo online”. A Internet possibilitou, continua a revista, a redução dos custos de transacção: partilhar bens é “mais barato e mais fácil do que nunca — e, logo, possível numa escala muito maior”. Assim se explicam os números que a empresa norte-americana, fundada em 2008 e com sede em São Francisco, exibe. Presente em mais de 34 mil cidades em 190 países, o site tem mais de 800 mil anúncios e já foi a escolha de mais de 17 milhões de hóspedes de todo o mundo. Rivaliza com gigantes da hotelaria, mas não é proprietário de nenhuma cama. E além dos comuns quartos, apartamentos ou casas há outros tipos de alojamento que, aqui, assumem relevância: podemos escolher entre mais de 600 castelos, ilhas privadas, casas de vidro, faróis, iglôs (até com internet) e casas na árvore.

João Pinto é um dos “novos estalajadeiros”, que tinha por hábito receber pessoas pelo “couchsurfing”. “Um dia apercebi-me que havia um site onde as pessoas não se importavam de ficar em minha casa a pagar.” Há cerca de três anos, o técnico de audiovisual de 38 anos inscreveu-se no Airbnb e começou a receber os primeiros hóspedes na própria casa, que na altura partilhava, no Porto. Pouco tempo depois encontrou um apartamento, que arrendou exclusivamente para subarrendar. O passo seguinte foi criar uma empresa unipessoal, a Casa Formosa, e despedir-se do emprego. “Fiz disto a minha vida”, conta ao P3. A decoração das casas foi uma preocupação: com um imóvel da década de 1950 e outro do século XIX, encontrar peças da época foi o mais importante.

Neste momento, João gere dois apartamentos (ambos na rua Formosa, no centro do Porto, e um deles juntamente com uma sócia), com vários quartos cada um, que arrenda no Airbnb e também noutras plataformas do género, ainda que seja do primeiro que provêem entre 60 a 70% das reservas. “Os apartamentos são grandes e arrendo os quartos. É como se isto fosse uma extensão da minha casa”, explica. É neles que passa a maior parte do tempo, a receber e a falar com as pessoas, que muitas vezes vai buscar ao aeroporto e acompanha pela cidade. Turistas na casa dos 30 são os que mais procuram as duas casas e “franceses, australianos, alemães e norte-americanos os mais comuns”. Durante os meses de Verão, a taxa de ocupação “é quase total”, diminuindo “bastante” no resto no ano. “Embora esteja a ser cada vez menor, ainda se nota a sazonalidade”, reflecte.

Investir as poupanças no turismo
Tal como o portuense, também Rita Cardoso nunca teve uma má experiência com hóspedes que escolhem os seus apartamentos, no bairro de Alfama, em Lisboa. E, como João, também Rita encontrou no Airbnb uma alternativa de vida; no caso, o arrendamento a turistas foi uma forma de evitar a emigração. A lisboeta que desenvolve ainda projectos na área da melhoria contínua, comprou o primeiro apartamento ("Rosa de Alfama") em Setembro de 2013. “Pus todas as minhas poupanças nele”, diz. Os resultados foram tão bons que, em Março de 2014 e com a ajuda do pai, investiu em mais dois imóveis ("Ninho de Andorinha" I e II). Criou, entretanto, a marca BookMe Lisboa e a taxa de ocupação média ronda, diz, os 65 a 70% — sendo que, nos meses de Verão, poderá chegar aos 94%. Casais entre os 35 e os 40 anos são os mais frequentes, maioritariamente de nacionalidade francesa.

A experiência, conta, “tem superado todas as expectativas”, não só pela gestão no próprio site do Airbnb, mas também pela relação “muito pessoal” criada com os hóspedes, que faz questão de ir buscar ao aeroporto, sempre que pode. Quando as pessoas fazem a reserva, envia ainda um guia personalizado, com algumas dicas e, muitas vezes, encontra presentes na hora de saída. Se no início desta aventura no turismo Rita colocou o primeiro apartamento em todas as plataformas do género, hoje o Airbnb é o único com o qual trabalha — a par do Booking, uma aposta mais recente — e que cobra uma comissão de 3%.

João Sousa e Ana Santos sempre receberam amigos (e amigos de amigos) no quarto vago que têm na casa que partilham, em Lisboa. No final de 2013, decidiram inscrever-se no Airbnb para arrendarem o tal quarto: a razão foi sobretudo financeira, explica João, que perdeu o emprego no mesmo ano. Investiram na decoração, tiraram boas fotografias e tentam “ter sempre tudo limpo ao máximo”, diz João, para quem esta mudança de rotina “também ajuda a ter disciplina em casa”. Lidam bem com a parte de ter gente a partilhar a casa-de-banho, garante, mas a verdade é que os meses mais preenchidos são complicados. Em Agosto, por exemplo, vão ter praticamente “casa cheia”. “Agora precisamos do dinheiro, no futuro talvez limitemos um pouco”, diz João. “Não ganhamos dinheiro suficiente para viver disto, antes para pagar a renda.”

O casal de 34 anos disponibiliza, também, a sua cozinha, mas são raros os que a utilizam. Nem sempre há “uma ligação forte”, é certo, mas até agora não houve nenhum incidente. Além de saírem “para beber um copo” — o mais comum —, João e Ana já levaram “duas amigas ucranianas a ver o oceano pela primeira vez, no Cabo da Roca”. “Temos tentado evitar pessoas com uma grande diferença de idades porque às vezes não têm tanto respeito, falam alto, demoram demasiado tempo no banho e a conversa acontece num só sentido”, reflecte João, que aponta casais entre os 25 e os 35 anos como os mais assíduos. Portugueses recebem pouco, ao contrário de alemães, belgas e franceses.

Palavra de ordem: confiar
O enquadramento legal deste tipo de arrendamento a turistas tem sido falado, ultimamente, com a aprovação em conselho de ministros, em Junho, de um novo Regime Jurídico do Alojamento Local (RJAL) que afasta, para já, a aplicação de novas taxas. De acordo com o RJAL, quem pretenda arrendar um apartamento a turistas deve registá-lo na respectiva câmara municipal, necessitando apenas de uma “mera comunicação prévia através de balcão electrónico e sem qualquer processo de licenciamento ou autorização”. Foi o que João Pinto e Rita Cardoso fizeram para legalizar os apartamentos que gerem. No caso de João e Ana, uma vez que apenas arrendam um quarto da sua casa, a situação é diferente. João tem “a impressão” de que não está “totalmente legalizado”, mas as circunstâncias são, diz, muito semelhantes às dos “quartos arrendados a estudantes”.

No Airbnb, a palavra-chave é confiar. A empresa criou, continua Thomas L. Friedman no texto já citado, “uma estrutura de confiança que deixou dezenas de milhares pessoas confortáveis em arrendar quartos a estranhos, nas suas próprias casas”. Praticamente todos os anfitriões têm direito a um seguro de um milhão de dólares contra danos ou roubo, cláusula que varia de acordo com as leis do país em questão — o que não impede a ocorrência de problemas. Não há anonimato porque o site não permite perfis sem dados pessoais, que são periodicamente verificados, e, só nos Estados Unidos, em 2013, “mais de 50% dos anfitriões” dependiam do valor que recebiam por arrendamento para “pagar a renda ou a hipoteca”. Durante e no final da estadia, anfitriões e hóspedes podem e devem avaliar a experiência, característica comum em compras online que permite aos próximos interessados tomar uma decisão informada. Várias más avaliações podem significar o fim do negócio.


A rede global de arrendamento comunitário, como é frequentemente apelidada, foi avaliada em 2,5 mil milhões de dólares, revelou a agência Reuters em 2013. Brian Chesky, um dos fundadores do Airbnb, aponta Paris como uma das cidades onde a sua empresa mais contribuiu para a actividade económica: foram 240 milhões de dólares. Chesky e mais dois jovens amigos, Joe Gebbia e Nathan Blecharczyk, começaram há seis anos com três colchões de ar num apartamento em São Francisco. Ao cobrarem 80 dólares por noite a três pessoas que os alugaram, conseguiram dinheiro suficiente para pagar a renda. Em tom de brincadeira, chamaram à sua “empresa” Airbed and Breakfast (daí o Airbnb) — nome que mantiveram em homenagem à ideia original.

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