O Airbnb paga-lhes as contas
A rede global de arrendamento comunitário que democratizou a oferta e
procura de casas para arrendar nas férias tem cada vez mais utilizadores em
Portugal — e há quem pague as contas com o negócio feito no Airbnb. O P3 falou
com três jovens que vivem desta "economia de partilha"
Texto de Ana Maria
Henriques • 05/08/2014 – P3 PÚBLICO
A solução para um
quarto extra lá em casa não precisa de passar por um escritório ou por uma cama
quase sempre vazia, à espera de visitas raras de amigos e familiares. E casas
fechadas durante períodos de férias ou temporadas no estrangeiro não têm, necessariamente,
de significar prejuízo. Plataformas como o Airbnb permitem a qualquer pessoa
arrendar quarto ou casa sem qualquer intermediário, gerindo preferências e
públicos. O conceito não é novo, é certo, mas o Airbnb democratizou o processo,
agora mais rápido e simples — basta ter acesso à Internet.
Dizer que há cada
vez mais portugueses a arrendarem quartos ou casas através do Airbnb pode
parecer uma generalização, mas os números confirmam mesmo a tendência. Segundo
Paula Kadelski, do departamento de comunicação da empresa, listados em
Portugal, em Julho passado, estavam mais de 15.700 imóveis — o que corresponde
a um crescimento de 85% face ao mesmo mês de 2013.
João Pinto, Rita
Cardoso e o casal João Sousa e Ana Santos fazem parte da comunidade portuguesa
do Airbnb. Não arrendam castelos ou iglôs, mas os apartamentos que os dois
primeiros gerem e o quarto da casa dos dois últimos são uma fonte de receitas. Há,
como defendeu Thomas L. Friedman num artigo do “The New York Times”, “um
estalajadeiro em cada um de nós”.
Em 2013, a “The Economist”
chamou ao Airbnb “o mais proeminente exemplo de uma gigante e nova ‘economia de
partilha’, na qual as pessoas alugam camas, carros, barcos e outros bens
directamente umas às outras, coordenando tudo online”. A Internet possibilitou,
continua a revista, a redução dos custos de transacção: partilhar bens é “mais
barato e mais fácil do que nunca — e, logo, possível numa escala muito maior”. Assim
se explicam os números que a empresa norte-americana, fundada em 2008 e com
sede em São Francisco, exibe. Presente em mais de 34 mil cidades em 190 países,
o site tem mais de 800 mil anúncios e já foi a escolha de mais de 17 milhões de
hóspedes de todo o mundo. Rivaliza com gigantes da hotelaria, mas não é
proprietário de nenhuma cama. E além dos comuns quartos, apartamentos ou casas
há outros tipos de alojamento que, aqui, assumem relevância: podemos escolher
entre mais de 600 castelos, ilhas privadas, casas de vidro, faróis, iglôs (até
com internet) e casas na árvore.
João Pinto é um
dos “novos estalajadeiros”, que tinha por hábito receber pessoas pelo
“couchsurfing”. “Um dia apercebi-me que havia um site onde as pessoas não se
importavam de ficar em minha casa a pagar.” Há cerca de três anos, o técnico de
audiovisual de 38 anos inscreveu-se no Airbnb e começou a receber os primeiros
hóspedes na própria casa, que na altura partilhava, no Porto. Pouco tempo
depois encontrou um apartamento, que arrendou exclusivamente para subarrendar. O
passo seguinte foi criar uma empresa unipessoal, a Casa Formosa, e despedir-se
do emprego. “Fiz disto a minha vida”, conta ao P3. A decoração das casas foi
uma preocupação: com um imóvel da década de 1950 e outro do século XIX,
encontrar peças da época foi o mais importante.
Neste momento,
João gere dois apartamentos (ambos na rua Formosa, no centro do Porto, e um
deles juntamente com uma sócia), com vários quartos cada um, que arrenda no
Airbnb e também noutras plataformas do género, ainda que seja do primeiro que
provêem entre 60 a
70% das reservas. “Os apartamentos são grandes e arrendo os quartos. É como se
isto fosse uma extensão da minha casa”, explica. É neles que passa a maior
parte do tempo, a receber e a falar com as pessoas, que muitas vezes vai buscar
ao aeroporto e acompanha pela cidade. Turistas na casa dos 30 são os que mais
procuram as duas casas e “franceses, australianos, alemães e norte-americanos
os mais comuns”. Durante os meses de Verão, a taxa de ocupação “é quase total”,
diminuindo “bastante” no resto no ano. “Embora esteja a ser cada vez menor,
ainda se nota a sazonalidade”, reflecte.
Investir as poupanças no turismo
Tal como o
portuense, também Rita Cardoso nunca teve uma má experiência com hóspedes que
escolhem os seus apartamentos, no bairro de Alfama, em Lisboa. E, como João,
também Rita encontrou no Airbnb uma alternativa de vida; no caso, o
arrendamento a turistas foi uma forma de evitar a emigração. A lisboeta que
desenvolve ainda projectos na área da melhoria contínua, comprou o primeiro
apartamento ("Rosa de Alfama") em Setembro de 2013. “Pus todas as
minhas poupanças nele”, diz. Os resultados foram tão bons que, em Março de 2014
e com a ajuda do pai, investiu em mais dois imóveis ("Ninho de
Andorinha" I e II). Criou, entretanto, a marca BookMe Lisboa e a taxa de
ocupação média ronda, diz, os 65
a 70% — sendo que, nos meses de Verão, poderá chegar aos
94%. Casais entre os 35 e os 40 anos são os mais frequentes, maioritariamente
de nacionalidade francesa.
A experiência,
conta, “tem superado todas as expectativas”, não só pela gestão no próprio site
do Airbnb, mas também pela relação “muito pessoal” criada com os hóspedes, que
faz questão de ir buscar ao aeroporto, sempre que pode. Quando as pessoas fazem
a reserva, envia ainda um guia personalizado, com algumas dicas e, muitas vezes,
encontra presentes na hora de saída. Se no início desta aventura no turismo
Rita colocou o primeiro apartamento em todas as plataformas do género, hoje o
Airbnb é o único com o qual trabalha — a par do Booking, uma aposta mais
recente — e que cobra uma comissão de 3%.
João Sousa e Ana
Santos sempre receberam amigos (e amigos de amigos) no quarto vago que têm na
casa que partilham, em Lisboa. No final de 2013, decidiram inscrever-se no
Airbnb para arrendarem o tal quarto: a razão foi sobretudo financeira, explica
João, que perdeu o emprego no mesmo ano. Investiram na decoração, tiraram boas
fotografias e tentam “ter sempre tudo limpo ao máximo”, diz João, para quem
esta mudança de rotina “também ajuda a ter disciplina em casa”. Lidam bem com a
parte de ter gente a partilhar a casa-de-banho, garante, mas a verdade é que os
meses mais preenchidos são complicados. Em Agosto, por exemplo, vão ter
praticamente “casa cheia”. “Agora precisamos do dinheiro, no futuro talvez
limitemos um pouco”, diz João. “Não ganhamos dinheiro suficiente para viver
disto, antes para pagar a renda.”
O casal de 34
anos disponibiliza, também, a sua cozinha, mas são raros os que a utilizam. Nem
sempre há “uma ligação forte”, é certo, mas até agora não houve nenhum
incidente. Além de saírem “para beber um copo” — o mais comum —, João e Ana já
levaram “duas amigas ucranianas a ver o oceano pela primeira vez, no Cabo da
Roca”. “Temos tentado evitar pessoas com uma grande diferença de idades porque
às vezes não têm tanto respeito, falam alto, demoram demasiado tempo no banho e
a conversa acontece num só sentido”, reflecte João, que aponta casais entre os
25 e os 35 anos como os mais assíduos. Portugueses recebem pouco, ao contrário
de alemães, belgas e franceses.
Palavra de ordem: confiar
O enquadramento
legal deste tipo de arrendamento a turistas tem sido falado, ultimamente, com a
aprovação em conselho de ministros, em Junho, de um novo Regime Jurídico do
Alojamento Local (RJAL) que afasta, para já, a aplicação de novas taxas. De
acordo com o RJAL, quem pretenda arrendar um apartamento a turistas deve
registá-lo na respectiva câmara municipal, necessitando apenas de uma “mera
comunicação prévia através de balcão electrónico e sem qualquer processo de
licenciamento ou autorização”. Foi o que João Pinto e Rita Cardoso fizeram para
legalizar os apartamentos que gerem. No caso de João e Ana, uma vez que apenas
arrendam um quarto da sua casa, a situação é diferente. João tem “a impressão”
de que não está “totalmente legalizado”, mas as circunstâncias são, diz, muito
semelhantes às dos “quartos arrendados a estudantes”.
No Airbnb, a
palavra-chave é confiar. A empresa criou, continua Thomas L. Friedman no texto
já citado, “uma estrutura de confiança que deixou dezenas de milhares pessoas
confortáveis em arrendar quartos a estranhos, nas suas próprias casas”. Praticamente
todos os anfitriões têm direito a um seguro de um milhão de dólares contra
danos ou roubo, cláusula que varia de acordo com as leis do país em questão — o
que não impede a ocorrência de problemas. Não há anonimato porque o site não
permite perfis sem dados pessoais, que são periodicamente verificados, e, só
nos Estados Unidos, em 2013, “mais de 50% dos anfitriões” dependiam do valor
que recebiam por arrendamento para “pagar a renda ou a hipoteca”. Durante e no
final da estadia, anfitriões e hóspedes podem e devem avaliar a experiência,
característica comum em compras online que permite aos próximos interessados
tomar uma decisão informada. Várias más avaliações
podem significar o fim do negócio.
A rede global de
arrendamento comunitário, como é frequentemente apelidada, foi avaliada em 2,5
mil milhões de dólares, revelou a agência Reuters em 2013. Brian Chesky, um dos
fundadores do Airbnb, aponta Paris como uma das cidades onde a sua empresa mais
contribuiu para a actividade económica: foram 240 milhões de dólares. Chesky e
mais dois jovens amigos, Joe Gebbia e Nathan Blecharczyk, começaram há seis
anos com três colchões de ar num apartamento em São Francisco. Ao cobrarem 80
dólares por noite a três pessoas que os alugaram, conseguiram dinheiro
suficiente para pagar a renda. Em tom de brincadeira, chamaram à sua “empresa”
Airbed and Breakfast (daí o Airbnb) — nome que mantiveram em homenagem à ideia
original.
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