OPINIÃO
Quantas humilhações consegue Pedro Nuno Santos suportar?
Este pode ter sido o momento irrevogável de Pedro Nuno
Santos. O seu capital político sofreu um desfalque tão grande quanto o de Paulo
Portas em 2013.
João Miguel
Tavares
2 de Julho de
2022, 0:30
António Barreto
tem uma frase deliciosa sobre os comunistas, que já repetiu várias vezes em
entrevistas atribuindo-a a Charles de Gaulle, embora eu nunca tenha encontrado
a citação original (se alguém a descobrir, agradeço). A frase é esta: “Os
comunistas fazem tudo o que se lhes permite e permitem tudo o que se lhes faz.”
Se olharmos para aquilo que foi a história do PCP em democracia desde 1974, a
frase funciona na perfeição. Se olharmos para aquilo que tem sido a história de
Pedro Nuno Santos no Governo desde 2015, também.
Na quinta-feira –
ao assistir estupefacto à comunicação do ministro das Infra-estruturas, um
espantoso acto de contrição maoísta que encheria de orgulho o camarada Arnaldo
Matos – só me conseguia lembrar da frase de Barreto: Pedro Nuno Santos faz tudo
o que António Costa lhe permite e permite tudo o que António Costa lhe faz. É
assim desde pelo menos 2017, quando ele era ainda secretário de Estado dos
Assuntos Parlamentares e teve de pôr o Porsche à venda dois meses após o ter
recebido. Na altura, alguém lhe explicou que parecia mal um membro de um
governo socialista andar de dia a namorar o PCP e à noite a passear num bólide
alemão. Agora, tiveram de lhe explicar que parecia mal o primeiro-ministro
andar uma semana a dizer que o novo aeroporto tinha de ser acordado com o PSD,
e na semana seguinte Pedro Nuno Santos decidir sozinho construir dois
aeroportos e desmantelar um terceiro a dois dias de Luís Montenegro assumir a
liderança do PSD.
Porque é que ele
fez semelhante coisa? Sabe Deus. Mas é possível conjecturar: 1) Nuno Santos
ouviu Luís Montenegro classificar como “confissão de incompetência” do Governo
o desejo de acordar com o PSD a construção do novo aeroporto (declarações
foleiras, note-se); 2) Nuno Santos sabe que para brilhar nas Infra-estruturas
precisa desesperadamente que as coisas aconteçam, e já lhe falta pachorra para
mais atrasos; 3) em cima disso, ficou cheio de vontade de entalar Montenegro e
ensaiar uma vingançazinha na véspera do congresso do PSD; 4) no Governo,
obviamente que já há uma localização e uma solução favoritas, ao contrário do
que Costa diz; 5) o primeiro-ministro anda numa roda-viva europeia e não deve
ter prestado a Nuno Santos a atenção de que ele se acha merecedor, para mais
estando em causa a obra pública mais importante das próximas décadas; 6) e vai
daí, neste cadinho de pequenas coisas que a prudência aconselharia a manter em
banho-maria, Pedro Nuno Santos larga a bomba.
É já o terceiro embate frontal com Costa em que Nuno
Santos acaba muito amolgado – e nem sequer estou a contar com o Porsche
Correu-lhe muito
mal. Não sei se as coisas se passaram exactamente como descrevi, mas isto sei:
é já o terceiro embate frontal com Costa em que Nuno Santos acaba muito
amolgado – e nem sequer estou a contar com o Porsche. Primeiro, foi o plano de
reestruturação da TAP, que Nuno Santos queria votado no Parlamento mas não
conseguiu (“é pena”, lamentou ele); depois, foi a continuidade de Miguel
Frasquilho como chairman da TAP, que ele desejava mas a que o primeiro-ministro
se opôs; e agora, o psicodrama do decreto dos três aeroportos.
Este pode ter
sido o momento irrevogável de Pedro Nuno Santos. O seu capital político sofreu
um desfalque tão grande quanto o de Paulo Portas em 2013, e a humilhante
marcha-atrás a que ambos foram obrigados pelos respectivos primeiros-ministros
coloca uma nuvem negra sobre as suas ambições políticas. Há coisas que não se
esquecem. A contrição maoísta de Pedro Nuno Santos é uma nódoa que o tempo terá
muita dificuldade em apagar.
O autor é
colunista do PÚBLICO
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