sábado, 2 de julho de 2022

Quantas humilhações consegue Pedro Nuno Santos suportar?

 



OPINIÃO

Quantas humilhações consegue Pedro Nuno Santos suportar?

 

Este pode ter sido o momento irrevogável de Pedro Nuno Santos. O seu capital político sofreu um desfalque tão grande quanto o de Paulo Portas em 2013.

 

João Miguel Tavares

2 de Julho de 2022, 0:30

https://www.publico.pt/2022/07/02/opiniao/opiniao/quantas-humilhacoes-consegue-pedro-nuno-santos-suportar-2012223

 

António Barreto tem uma frase deliciosa sobre os comunistas, que já repetiu várias vezes em entrevistas atribuindo-a a Charles de Gaulle, embora eu nunca tenha encontrado a citação original (se alguém a descobrir, agradeço). A frase é esta: “Os comunistas fazem tudo o que se lhes permite e permitem tudo o que se lhes faz.” Se olharmos para aquilo que foi a história do PCP em democracia desde 1974, a frase funciona na perfeição. Se olharmos para aquilo que tem sido a história de Pedro Nuno Santos no Governo desde 2015, também.

 

 

 

 

 

Na quinta-feira – ao assistir estupefacto à comunicação do ministro das Infra-estruturas, um espantoso acto de contrição maoísta que encheria de orgulho o camarada Arnaldo Matos – só me conseguia lembrar da frase de Barreto: Pedro Nuno Santos faz tudo o que António Costa lhe permite e permite tudo o que António Costa lhe faz. É assim desde pelo menos 2017, quando ele era ainda secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e teve de pôr o Porsche à venda dois meses após o ter recebido. Na altura, alguém lhe explicou que parecia mal um membro de um governo socialista andar de dia a namorar o PCP e à noite a passear num bólide alemão. Agora, tiveram de lhe explicar que parecia mal o primeiro-ministro andar uma semana a dizer que o novo aeroporto tinha de ser acordado com o PSD, e na semana seguinte Pedro Nuno Santos decidir sozinho construir dois aeroportos e desmantelar um terceiro a dois dias de Luís Montenegro assumir a liderança do PSD.

 

Porque é que ele fez semelhante coisa? Sabe Deus. Mas é possível conjecturar: 1) Nuno Santos ouviu Luís Montenegro classificar como “confissão de incompetência” do Governo o desejo de acordar com o PSD a construção do novo aeroporto (declarações foleiras, note-se); 2) Nuno Santos sabe que para brilhar nas Infra-estruturas precisa desesperadamente que as coisas aconteçam, e já lhe falta pachorra para mais atrasos; 3) em cima disso, ficou cheio de vontade de entalar Montenegro e ensaiar uma vingançazinha na véspera do congresso do PSD; 4) no Governo, obviamente que já há uma localização e uma solução favoritas, ao contrário do que Costa diz; 5) o primeiro-ministro anda numa roda-viva europeia e não deve ter prestado a Nuno Santos a atenção de que ele se acha merecedor, para mais estando em causa a obra pública mais importante das próximas décadas; 6) e vai daí, neste cadinho de pequenas coisas que a prudência aconselharia a manter em banho-maria, Pedro Nuno Santos larga a bomba.

 

É já o terceiro embate frontal com Costa em que Nuno Santos acaba muito amolgado – e nem sequer estou a contar com o Porsche

 

Correu-lhe muito mal. Não sei se as coisas se passaram exactamente como descrevi, mas isto sei: é já o terceiro embate frontal com Costa em que Nuno Santos acaba muito amolgado – e nem sequer estou a contar com o Porsche. Primeiro, foi o plano de reestruturação da TAP, que Nuno Santos queria votado no Parlamento mas não conseguiu (“é pena”, lamentou ele); depois, foi a continuidade de Miguel Frasquilho como chairman da TAP, que ele desejava mas a que o primeiro-ministro se opôs; e agora, o psicodrama do decreto dos três aeroportos.

 

Este pode ter sido o momento irrevogável de Pedro Nuno Santos. O seu capital político sofreu um desfalque tão grande quanto o de Paulo Portas em 2013, e a humilhante marcha-atrás a que ambos foram obrigados pelos respectivos primeiros-ministros coloca uma nuvem negra sobre as suas ambições políticas. Há coisas que não se esquecem. A contrição maoísta de Pedro Nuno Santos é uma nódoa que o tempo terá muita dificuldade em apagar.

 

O autor é colunista do PÚBLICO

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